Coimbra  23 de Janeiro de 2025 | Director: Lino Vinhal

Semanário no Papel - Diário Online

 

Joana Gil

Fuçam, fuçam, fuçam

15 de Março 2024

Os dados mais recentes apontam para cerca de 300 mil javalis em território nacional. Além dos danos causados nas zonas por onde passam (um javali macho pesa entre 50 e 250 kg, pelo que revira campos e estruturas ligeiras sem qualquer dificuldade), constituem um perigo para a circulação rodoviária, podem ser vectores da peste suína e também perturbam a biodiversidade: tendo uma dieta tão variada, tanto comem vegetais e tubérculos como coelhos ou lebres acabados de nascer, bem como ovos de pato ou perdiz.

Em Portugal, o único predador natural do javali é o lobo-ibérico. Infelizmente, o lobo-ibérico é uma espécie considerada em perigo e a sua população é relativamente reduzida. Não sendo possível encontrar ainda os dados do último censo do lobo-ibérico, realizado em 2019-2021, façamos fé no precedente, que data de 2001-2003 e aponta para 300 lobos-ibéricos em Portugal, que resistem no Minho e Trás-os-Montes, e que se debatem com grandes dificuldades imediatamente abaixo do Douro. A Sul do Tejo, estão extintos desde finais da década de 80. Manifestamente, não são a solução para os problemas imediatos causados pelo excesso de população de javalis, que se estende por todo o Portugal, além de que um aumento excessivo da população de lobo-ibérico teria muitas outras consequências.

O problema não é exclusivo de Portugal. Um pouco por toda a Europa, os javalis têm vindo a aumentar de número. Na Bélgica, os javalis são considerados um problema já não apenas do mundo rural mas também do tecido urbano. Com menos zonas despovoadas do que Portugal, a Bélgica assiste à invasão progressiva, por parte dos javalis, de casas, quintais, ruas e até escolas. Há caçadores chamados com frequência para abater javalis que se encontram em instalações privadas, pondo em causa bens e a integridade física dos cidadãos. Na Valónia, supõe-se que nas duas últimas décadas o número de javalis tenha triplicado. Paulatinamente, as incursões de javalis às cidades vão aumentando: as florestas situadas nas orlas urbanas são o habitat dos javalis, que se deslocam às cidades em busca de alimento e pelo caminho reviram terrenos, visitam sacos do lixo, fuçam hortas e quintais. Desde 2010 que a cidade de Seraing, no Sul da Bélgica, convive regularmente com os javalis e com os grandes problemas que isso coloca. O problema torna-se mais visível quando afecta pessoas, mas batráquios, répteis e aves são vítimas do excesso de javalis, já que estes comem os ovos daquelas espécies. Na Bélgica, o controlo dos resíduos urbanos de acesso fácil a javalis, a par da caça orientada, são outra peça da estratégia de combate: quanto menos alimento disponível nos espaços públicos urbanos, menos razões os javalis terão para visitar as cidades.

Em Portugal, os javalis são menos afoitos e marcam presença sobretudo no meio rural. As medidas de alargamento dos períodos e das modalidades de caça ao javali só pecaram por tardias. Há mais a fazer, mas importa reconhecer que, na actual configuração do território, os javalis são um problema para as pessoas mas também para a própria Natureza que queremos preservar. O controlo dos javalis é uma necessidade, a bem do equilíbrio dos ecossistemas.