1.Tive a sorte e o privilégio de ter nascido no berço da civilização ocidental, a mais extraordinária criação da humanidade, nunca suplantada por qualquer outra. Por isso, e em primeiro lugar, cumpre-me agradecer aos antepassados a maravilhosa herança que nos legaram, em todos os domínios da actividade humana, seja na esfera espiritual dos princípios e dos valores, seja no plano tangível do bem material. O fulgor rutilante dos fastos da civilização ocidental é inexprimível. Bondará, no entanto, singularizar alguns dados históricos iniludíveis, para esboçar e prelibar a sublimidade da civilização a que me orgulho de pertencer:
- Foi o génio do Ocidente que iluminou o pensamento e o conhecimento, e a ele se deve o fantástico progresso técnico-científico de que toda a humanidade actualmente beneficia;
- Foi no Ocidente que se fundaram as mais antigas Universidades do mundo, que iluminaram o pensamento, a palavra escrita, a pesquisa e a invenção. Continuam a ser faróis do espírito e fonte de sabedoria.
- c. Foram os povos ocidentais que desenvolveram os meios de comércio mais bem sucedidos no mundo, incluindo o livre fluxo de capitais. Este sistema de capitalismo de mercado tirou mais de mil milhões de pessoas da pobreza extrema só no século XXI, até ao presente.
- Foi no Ocidente que floresceu o princípio da representatividade democrática e vicejou a liberdade política, de pensamento, de expressão e de consciência, se edificaram os códigos dos direitos humanos, e se sagrou o primado da dignidade do ser humano, à luz da mensagem cristã.
- O Ocidente brindou o mundo com realizações culturais prodigiosas e imorredouras, na literatura, nas artes, com apogeu nas deslumbrantes catedrais, na escultura, na pintura, na música, etc.
- Os povos do Ocidente, e aqui cabe glorificar a gesta heróica lusitana, descobriram o mundo, novas paragens, novas gentes, novas culturas, entrelaçando deste modo laços espirituais e materiais entre todos os seres humanos do planeta.
- Se dúvidas restassem sobre a grandeza e a riqueza da civilização ocidental, caberia perguntar: para onde se dirigem os crescentes fluxos migratórios que diariamente testemunhamos? Não se dirigem para a China, ou Rússia, ou Ásia, ou África, mas sim, esmagadoramente, para o mundo ocidental, designadamente para a América do Norte, Canadá, Grã-Bretanha, Austrália e União Europeia.
- Acontece que esta nossa cultura e civilização ocidental foi invadida, como no passado, pelos bárbaros da modernidade. Assiste-se presentemente a uma guerra cultural entre os que defendem ardorosamente os ideais e os valores do Ocidente, e os que visam uma contracultura de desmoronamento. Por complexo freudiano, por inveja, por ressentimento, por ignorância, por fanatismo ou por imbecilidade, esses bárbaros, nascidos ou recolhidos na civilização ocidental, ruminam e conjuram tendo em mira a demonização do ocidente, a derrocada dos seus alicerces e das suas muralhas, o desmantelo das suas fundações espirituais e culturais. A alternativa que esta gente oferece é a desconstrução e o vazio. A investida chega a atingir paroxismos mórbidos. Falar das épocas de glória do Ocidente, é reaccionário e colonialista; falar dos defeitos de outras culturas, é discurso de ódio.
- No nosso país, os grupelhos da esquerda radical, que não se distinguem na sua utópica ideologia, são fervorosos paladinos dessa contracultura. Quando se propalam e incensam mitologias que ferem a razão, a verdade científica e os nobres e seculares valores civilizacionais, como sucede com a corrosiva ideologia de género; e se propugna a sua divulgação a crianças do ensino secundário; e se pretende impor uma nova linguagem neutra; e se convoca à destruição de monumentos históricos, como já se ruminou relativamente ao padrão dos descobrimentos; e se incita à vandalização de pinturas e de obras de arte do passado;e se ultraja a Bandeira Nacional; e se vilipendia a história pátria, tentando denegri-la, subvertê-la, reescrevê-la ou denegar o fulgor e a gesta heróica das descobertas; e se defende a edificação de um memorial sobre a escravatura, mas se recusa a construção do Museu dos Descobrimentos; e se reivindicam reparações despudoradas a favor de descendentes de vítimas de escravatura; e se propõe que se alterem nomes de ruas, pracetas, pontes, edifícios públicos, hospitais, etc, quando essas designações não se compaginam com a doutrina woke; e se defende, entre outros disparates, que em vez de pai e mãe, deve adoptar-se o termo progenitores; e se é contra a NATO e se recusa no parlamento subscrever que o regime de Putin, que acaba de assassinar Alexei Navalny, é terrorista; e se apodem de «fascistas», «fanáticos» ou «radicais» todos os que recusam este catecismo mórbido; e, mais recentemente, se propõe o cancelamento ou revisão de obras literárias que exibam vocábulos ou expressões consideradas impróprias e ofensivas, à luz desta mitologia delirante; quando tudo isto, e muito mais, vem acontecendo no país, caminha-se perigosamente para a fronteira do caos e da idiotia.
- Por isso não entendo os que se afirmam defensores dos valores sagrados da civilização ocidental, e no entanto votam em partidos que propugnam o seu desmoronamento. Também repudio os que, por sede de poder, não se incomodam de estabelecer alianças políticas com essa esquerda radical e populista. Repugna o relativismo moral. Haja coerência e probidade. Não atraiçoemos a memória dos que nos legaram esta maravilhosa herança. Sejamos dignos do berço cultural e civilizacional onde nascemos.
(*) Professor Jubilado da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra