Quer colocar Coimbra no mapa destas legislativas e dar a conhecer os problemas do distrito, mas também as suas potencialidades. Clara Cruz Santos destaca temas prioritários para esta campanha, entre eles, o emprego digno, a habitação, o combate à pobreza e às desigualdades. A cabeça-de-lista do Livre pretende ainda dar uma outra importância à saúde mental, que, defende, deve ser integrada nos cuidados de saúde primários do SNS.
[Campeão das Províncias] Quais as motivações que a levam a aceitar este desafio? Em 2022, o Livre não elegeu em Coimbra, qual a meta desta vez?
[Clara Cruz Santos] Eu nasci e vivo em Coimbra e tenho tido a oportunidade de conhecer e dialogar com as forças vivas da região, bem como com as suas fragilidades. Tive a oportunidade de observar e viver diferentes estádios da evolução de Coimbra enquanto pólo de desenvolvimento e sentir que estamos num momento de viragem. A existência de novos grupos socialmente activos, de novas experiências empreendedoras, o desenvolvimento do conhecimento científico e os desafios económicos e de planeamento urbano de Coimbra exigem tomadas de decisão claras. Muitos projectos e oportunidades têm ficado pelo caminho, como se Coimbra vivesse num eterno adiamento. O meu propósito é que Coimbra consiga alcançar uma nova centralidade.
[CP] Quais são as grandes prioridades eleitorais do Livre em Coimbra e que são urgentes?
[CCS] Coimbra precisa de exigir o fim de medidas temporárias, de carácter não estrutural que a colocam num eterno “devir”. É necessário utilizar os fundos estruturais com sensatez e com base num planeamento estratégico coerente. Do ponto de vista económico, Coimbra possui um conjunto de iniciativas de economia de base local que não podemos deixar morrer. É necessário assegurar o emprego e o emprego digno, o aumento dos salários mínimos e médios (revitalizar a classe média e combater a pobreza quer a nova pobreza, quer a pobreza transgeracional). Estas são acções prioritárias, com especial preocupação pela habitação, para a erradicação da pobreza (onde inclui a classe média) e para a melhoria da coesão territorial.
[CP] Há temas pertinentes no distrito, como a Linha de Alta Velocidade, associada à localização da Estação de Coimbra. O que pensa sobre o assunto?
[CCS] O Livre é conhecido por promover o transporte ferroviário, desde logo, com a criação do Passe Ferroviário Nacional para os comboios regionais e agora com o seu alargamento aos comboios urbanos. Devo dizer que consideramos inaceitável que se acabe com a ligação ferroviária entre a Figueira da Foz e Coimbra passando para uma solução de autocarro a baterias. Significaria uma enorme perda de qualidade do serviço numa ligação que é hoje das que tem maior procura. Quanto à Linha de Alta Velocidade, para o Livre este é um investimento fundamental, que aproxima Coimbra do resto do país. Preocupa-nos a insistência na construção de uma ponte rodoviária sobre o Choupal que nos parece muito pouco fundamentada e que terá certamente um impacto irreversível neste pulmão da cidade.
[CP] No que respeita à Habitação, Coimbra padece dos mesmos problemas nacionais?
[CCS] Muitas famílias têm de reorganizar os seus orçamentos, fazer escolhas difíceis para conseguirem manter um nível de vida condigno, motivado pelo crescimento dos juros dos créditos à habitação de taxa variável que representam mais de 90% dos contratos de crédito à habitação em vigor. Com efeito, as prestações têm vindo a aumentar sistematicamente nos últimos meses. O movimento “Porta adentro” chamou a atenção para o facto de em Maio (2023) Coimbra ser a cidade com o maior aumento de preços (4,7%). As famílias foram confrontadas, em Janeiro 2024, com o maior aumento das rendas de casa desde 1994 (6,94 %). Esta é uma situação prioritária que afecta todas as áreas do funcionamento familiar e social. Para o Livre é fundamental investir em habitação pública e dar um novo impulso às cooperativas de habitação. Mas também apoiar os senhorios, nomeadamente, aqueles com rendas significativamente baixas, rever os benefícios fiscais para imóveis e reformular do cálculo do IMI.
[CP] Sobre a Saúde, que medidas vê como fundamentais num círculo como Coimbra?
[CCS] Defendemos que compete ao Estado assegurar a protecção da saúde e que esta seja universal, gratuita e adequada às características da população em todo o território. O Livre está seguro de que o SNS só conseguirá dar resposta efectiva às necessidades se for reforçado e reorganizado valorizando as suas carreiras profissionais. Por outro lado, o Livre quer tornar a saúde mental com a integração da saúde mental nos cuidados de saúde primários, garantindo a prestação de cuidados de saúde mental especializados e o alargamento das redes de serviços de atendimento urgente e internamento.
[CP] É uma mulher ligada à Educação e à Academia. Que propostas defende a nível de ensino público e em todos os ciclos de aprendizagem?
[CCS] Portugal tem uma sociedade muito desigual e a escola nem sempre tem sido capaz de lidar adequadamente com a desigualdade. Defendemos uma escola centrada em cada criança e jovem, com maior autonomia e de centralidade no papel do docente através da revalorização da profissão de professor e de todos os profissionais que pertencem à comunidade escolar. Ao nível do Ensino Superior vemos que o sistema Científico e Tecnológico português tem estado sujeito a uma constante instabilidade. Destacam-se a persistente precariedade de investigadores e a imprevisibilidade na abertura de concursos para projetos e bolsas. É por isso fundamental financiar as instituições do ensino superior de forma estável e transparente, através de financiamento público num regime plurianual e contratualizado por objectivos, através de contratos programa.
[CP] No que se refere a questões relacionadas com a Interioridade, quais são as realidades no distrito que mais a preocupam?
[CCS] Os Censos de 2021 mostraram que nos últimos 10 anos o distrito perdeu quase 20 mil habitantes, sendo que Penacova, Góis e Soure foram os concelhos com perdas mais acentuadas. Este retrato revela a falha das políticas de coesão territorial. O Livre defende o reforço dos incentivos e programas de mudança da população e atracção de investimento para os territórios de baixa densidade, alargando-os ao propósito de fixar a população residente. Propomos também uma majoração do valor dos estágios profissionais comparticipados pelo IEFP quando o local de trabalho for num território de baixa densidade.
[CP] A nível social, há carências também em Coimbra. Tendo em conta a sua formação e o seu trabalho na área social, que diagnóstico traça do sector social e que medidas considera urgentes?
[CCS] As organizações sociais (OS) possuem um papel de relevo na luta contra a pobreza, contra a discriminação social, bem como, no desenvolvimento de respostas supletivas à família e ao Estado. De facto, elas são a garantia de uma rede secundária de suporte e de protecção social, suplantando a função social do Estado. As OS enfrentam hoje dois grandes desafios: o primeiro relaciona-se com a necessidade de adequação a um novo modelo de financiamento que ultrapasse a dependência do Estado e dos fundos europeus estruturais. Neste aspecto e tal como aconteceu com a Cáritas de Coimbra, o agente económico (Águas de Coimbra) é um novo parceiro no apoio social. O segundo desafio relaciona-se com a complexidade de gestão de OS de grandes dimensões e o aumento de pedidos não programáticos (tráfico de seres humanos, refúgio, etc.) que exigem profissionais mais especializados. É fundamental a profissionalização dos dirigentes em termos de gestão social, bem como o aumento dos valores remuneratórios dos profissionais que trabalham nas OS que são pouco adequados.
[CP] O Livre, a nível nacional, tem sublinhado a necessidade de contribuir para a estabilidade governativa no pós-eleições e a importância de combater os radicalismos. O partido está disposto a participar num governo de coligação e/ou num acordo parlamentar seja com o PS ou com a AD?
[CCS] O Livre apresenta-se a estas eleições com uma postura muito clara e que se pode descrever em três objectivos: crescer no número de votos em todos distritos formando um grupo parlamentar, ajudar a esquerda a crescer e afastar a extrema-direita do poder. Se a esquerda tiver a maioria seremos parte da solução, se a direita tiver a maioria seremos parte da oposição.
ASSISTENTE SOCIAL ATENTA ÀS DESIGUALDADES
Conimbricense, 53 anos, Clara Cruz Santos é assistente social e professora na Faculdade de Psicologia e Ciências de Educação da Universidade de Coimbra. No que respeita à investigação que desenvolve, como cidadã activa, preocupam-na todas as questões resultantes de processos de desigualdade. Colabora com as ONG’s de Coimbra e associações sociais nas áreas da migração e refúgio e nas situações de vulnerabilidade social. Viu aprovado dois projectos de investigação académica na área da relação entre o Estado e os Indivíduos, e diz que tal “aumenta a angústia face à perda da legitimidade social do Estado Social”.
Ana Clara (Jornalista do “Campeão” em Lisboa)
Entrevista publicada na edição em papel do Campeão das Províncias de 15 de Fevereiro de 2024