Não há democracia sem partidos políticos. A ditadura durou 48 anos em regime de partido único, reprimindo todos os que pretendiam expressar o pensamento de forma livre e que não aquiescessem ao poder autoritário instalado.
Após o 25 de Abril, decorreram 50 anos de democracia, em que a livre expressão do pensamento impera, há correntes de opinião, há vitalidade e alternativas para decisores, há escrutínio do poder pela justiça e pela comunidade, há juízos de valor em áreas sectoriais e evolução da sociedade que nos são transmitidos em cidadania.
Mas não houve uma reforma do sistema político, aperfeiçoando-o, criando laços entre causas e cidadãos, entre eleitos e eleitores, entre profissionais e deliberativos, de forma a que a democracia se fortalecesse, não apenas no sentido de não retorno à ditadura, mas também para fruição dos votantes, redução dos abstencionistas e responsabilidade dos gestores da res pública.
O sistema parlamentar, com eleição de deputados é o mais apropriado, embora confundindo-se o significado complementar de regime semipresidencial que, por vezes, parece presidencialista na prática, eivado de tiques de prepotência e resquícios de autoritarismo do Estado Novo.
Os deputados são escolhidos em listas elaboradas por responsáveis partidários eleitos pelo “aparelho”, defendendo interesses grupusculares (as “quotas”), sem procurar consensos de sensibilidades diversas de estratégias e pessoas (as “tendências”), beneplácitos porque cada pessoa é uma pessoa, e os ídolos não existem (a não ser pelo vil metal regido sem regras).
A unidade ideológica, em política, é a conjugação de princípios humanos e sociais basilares que não se devem subverter, e não pode ser interpretada como unicidade, que seja um escolho à livre expressão organizada e legítima, porque há vários meios para atingir os fins políticos, pressupondo honestidade, coerência e serviço público.
Integrar as listas de deputados é apelativo e uma forma de vida, seja pelo vencimento acima da média, seja pela influência política consignada, que se pode traduzir em ganhos secundários futuros, com cargos e funções mais poderosos, ou pelo exercício liberal no topo da pirâmide da árvore das patacas e de ligações quiçá perigosas.
Transferência de partidos
Por isso, ou por outras razões obscuras, assistimos às transferências de partidos, pouco diferente do mercado do futebol, por ocasião da elaboração das listas de deputados, em que o que importa (para alguns) é assegurar o seu lugar elegível, reivindicando qualidades e capacidades únicas, como se o mundo girasse à sua volta, e desprezando quem demonstra competência e fará concorrência.
Mas ser deputado deve ser um exercício nobre da política, em que os eleitos tenham a representatividade de quem os elegeu, assumam a responsabilidade das promessas que fizeram aos seus eleitores, tenham voz própria na defesa da sua região e do seu país, sejam coerentes sem cedências a lobbys nem partidarite de segunda classe.
Os partidos devem adaptar-se estatutariamente à evolução da importância da democracia representativa e participativa, promovendo actos eleitorais para os seus órgãos, com eleições primárias e nominais, o que limitará o grupismo (jovens, mulheres, concelhos, dinossauros, direitos adquiridos), o amiguismo (incompetência, facções capciosas, ausência de renovação), e o sectarismo (quadros porque sim, palavras sem palavra, actos sem contestação possível, criativos indesejados).
O país precisa de uma reforma eleitoral urgente, mantendo todos os deputados sendo da Nação, mas com a criação de círculos uninominais (deputados regionais), a par de um círculo nacional (deputados nacionais), sendo a melhor forma de garantir idoneidade, transparência, critério e responsabilidade.
Cinquenta anos depois de Abril, há que dar perfume à democracia, unindo os eleitos do povo aos seus eleitores, reduzindo a abstenção eleitoral por desgaste, desilusão e frustração, e estimulando o exercício democrático como a forma ideal de os eleitores se sentirem representados e os eleitos se sentirem representativos.
(*) Médico