Nós, portugueses, vivemos convencidos de que temos um clima fantástico. E temos mesmo. Imensos dias de sol, um Verão maravilhoso, um Inverno curto e não excessivamente severo. Segundo a classificação de Köppen-Geiger, o clima português é temperado, com Verões secos e quentes (a Sul) ou amenos (Norte e Centro Litoral). Já o da Bélgica é também temperado, mas sem estação seca e com Verões amenos. Tudo aponta para que Portugal, não sendo um paraíso tropical, seja ao menos um local onde não se passe frio. Nada mais errado. Como todos sabemos, as temperaturas podem descer significativamente em Portugal no Inverno. Pegando em Coimbra, constatamos que as temperaturas mínimas oscilam no Inverno entre 6º e 7º. Se quisermos chegar à ponta do distrito, na Pampilhosa da Serra, as mínimas chegam aos 5º. O que vale é que esse frio é de pouca dura, e que decorrido o Inverno nos esquecemos alegremente do frio que nos debilitava em Janeiro.
Mas essa amnésia colectiva não apaga os factos: Portugal é um dos países da Europa onde se sofre mais com o frio. Há dias, um colega perguntava-me que tipo de sistema de aquecimento tinham as casas em Portugal e ficou chocado quando lhe expliquei que boa parte das casas não têm qualquer sistema de aquecimento: as pessoas simplesmente compram aquecedores para aquecer esta ou aquela divisão. Num país onde 20% das pessoas dizem que não conseguem aquecer as suas casas no Inverno, receio que a realidade seja ainda pior, já que para muitos portugueses ter uma ou outra divisão mais quente já é suficiente para considerarem que “aqueceram a casa”. Não há especialista sobre o tema que não refira o problema da falta de isolamento das casas portuguesas. Julgo que o elevadíssimo preço da energia ajuda a explicar o resto. Um curioso estudo conduzido no Reino Unido mostrou até o paradoxo do isolamento: no seguimento de várias medidas financiadas publicamente para melhorar o isolamento, na expectativa de com isso diminuir o consumo de energia, os consumos… aumentaram! Finalmente, as pessoas sentiam que valia a pena aquecer a casa, porque ficava mesmo quente. Em Portugal, o mau isolamento combinado com energia cara e baixos rendimentos são a combinação fatal para um Inverno que acaba por ser praticamente tão frio dentro de casa como fora dela.
Quando fiz Erasmus em Espanha, admirei-me ao ver que todos os quartos que procurei para me alojar, mesmo os mais simples e humildes, dispunham de aquecimento central. Foi o meu primeiro grande embate com a questão do conforto térmico (ou falta dele…) no meu país. Agora já não me surpreende que certos estudantes Erasmus que vêm para Portugal digam que gostaram muito de tudo mas que no Inverno passaram frio. Uma vez em Lisboa um taxista russo disse-me que gostava muito de Portugal, mas que o que mais lhe custava era o frio. “Aqui nas casas está frio, frio, frio!”, dizia-me o homem que me falava dos 30 graus negativos que às vezes enfrentava na sua terra natal. Um amigo de Oliveira do Hospital que há muitos anos vive lá fora, em destinos que oferecem Invernos tão rigorosos como Berlim ou Edimburgo, diz-me que nunca passa tanto frio como quando vem a Portugal no Inverno. Há dias, uma jovem portuguesa que vive há pouco mais de um ano em Bruxelas partilhava comigo como as férias de Natal e o regresso ao seu Alentejo tinham sabido tão bem, incluindo por causa do Sol – “mas passei tanto frio dentro de casa”, rematava ela.
Querer estar quente e confortável tem de deixar de ser visto como um capricho. O frio que se passa nas escolas e em casa prejudica as aprendizagens de crianças e jovens (quem se consegue concentrar com os pés gelados e o corpo a tiritar?). Os números mostram com clareza que o frio aumenta a mortalidade, não só por coincidir com a circulação mais intensa de vírus respiratórios, mas também por desequilibrar a condição de saúde de idosos ou doentes crónicos. Até quando vamos continuar a ignorar este problema nacional?