Jorge Gouveia Monteiro iniciou a sua vida política no Partido Comunista Português, destacando-se pela defesa de valores fundamentais para a sociedade. Como vereador na Câmara Municipal de Coimbra de 1997 a 2009, contribuiu activamente para o desenvolvimento local. Actualmente, ocupa o cargo de coordenador da Direcção do Movimento Cidadãos por Coimbra (CpC), focado na defesa dos interesses da população e na promoção da participação cívica activa.
Campeão das Províncias [CP]: O Movimento Cidadãos por Coimbra está de luto.
Jorge Gouveia Monteiro [JGM]: Perdemos subitamente António José André, conhecido como Tó Zé, membro activo do Movimento Cidadãos por Coimbra e do Bloco de Esquerda. Reduziu a sua actividade por razões pessoais e foi surpreendido por uma pneumopatia. Admirado pela sua dedicação à política, foi sempre um homem comprometido com a justiça. A sua perda é significativa para o Bloco de Esquerda, o Movimento Cidadãos por Coimbra e a comunidade em geral.
[CP]: Como cidadão atento como é que olha para o panorama político do país?
[JGM]: Dediquei particular atenção ao Congresso do Partido Socialista, acompanhando não apenas os comentários externos, mas também as declarações dos próprios membros, em especial do novo Secretário-Geral.
Neste momento sinto-me optimista, algo que é uma novidade para mim. Embora compreenda que, dada a proximidade das eleições, possa não ter havido uma análise autocrítica profunda, é importante ler o que os líderes partidários expressam.
No discurso de encerramento de Pedro Santos, destaco não apenas as propostas concretas, que parecem ser o foco mediático, mas os cerca de 20 minutos dedicados à sua visão sobre cooperação e ética. Essa abordagem, que parece evocar o socialismo cooperativo à maneira de António Sérgio, é interessante. A ênfase na cooperação, na desmontagem do individualismo de direita, representa um combate necessário num contexto em que algumas ideias da direita ganharam popularidade.
Este combate de ideias, apesar de ser por vezes subestimado, é crucial para a construção de uma sociedade mais justa e solidária. Aqueles que desvalorizam estas questões como “generalidades” e criticam o discurso ideológico talvez não compreendam a importância de fundamentar concepções para alicerçar uma social democracia humana.
[CP]: Não o assusta a falta de experiência de Pedro Nuno Santos?
[JGM]: Pelo contrário, penso que o facto de Pedro Nuno Santos ter nascido em 1977 é uma vantagem. Ele está liberto das amarras que pesaram sobre líderes anteriores do Partido Socialista, como Guterres, Mário Soares e outros, que se formaram na opção de combater a influência do Partido Comunista imediatamente antes e após o 25 de Abril, inclusive formando alianças à direita.
Esta nova geração do Partido Socialista, na qual Pedro Nuno Santos se insere, surge nos anos 90. Como jovem militante do PS, testemunhou o partido na oposição, confrontando-se com a direita no poder.
O facto de não ter vivenciado os desafios específicos do período pós-25 de Abril, onde o PS enfrentou dilemas em relação ao PCP e se aliou à direita, liberta-o desse peso histórico. Espero que ele mantenha esse compromisso e que, apesar das complexidades e desafios políticos, consiga preservar a integridade do seu pensamento.
Vamos aguardar e observar o desenvolvimento das listas do PS e todo o processo político, mas considero que a sua ascensão representa de facto uma lufada de ar fresco e um novo capítulo para o partido.
[CP]: Falta essa lufada de ar fresco à direita?
[JGM]: A incapacidade de estabelecer pontes duradouras e permanentes com o Partido Socialista tornou-se evidente durante o tempo de Passos Coelho. O mérito de António Costa, do PCP e do Bloco de Esquerda foi claro no entendimento que alcançaram em 2015. No entanto, a direita corre o risco de contribuir para repetir esse cenário, demonstrando a sua dificuldade em reconstruir essas pontes.
Neste sentido, acredito que as coisas estão bem encaminhadas sem rupturas significativas. Não parece haver uma necessidade iminente de um novo produto político, basta que seja possível uma nova geringonça. Actualmente, tal proposta não seria tão inquietante como foi inicialmente, pois o tabu em torno da ideia de uma alternância mais ampla no governo já foi quebrado. A barreira contra a cooperação com o PCP, o Bloco de Esquerda e outros partidos de esquerda foi superada, e hoje esses partidos são respeitados.
O papão com que acenava Passos Coelho já não funciona. Há uma nova dinâmica, uma nova matemática política em acção. O desafio para a direita reside em adaptar-se a esta nova realidade, estabelecendo uma visão e estratégias mais alinhadas com as necessidades e expectativas da sociedade.
[CP]: O PS tornou-se e afirmou-se como o Partido com mais peso político e mais estável?
[JGM]: O Partido Socialista não está imune à possibilidade de definhar, enfrentando o desafio de redefinir valores e encontrar novas referências.
Valores e referências em política também se desgastam com o tempo, assim como a moda. Os aparelhos ideológicos, o Estado e a comunicação social desempenham um papel significativo na formação do ideário das pessoas.
Continuar numa trajectória que preconiza que cada indivíduo deve triunfar na vida por si próprio, desconsiderando os problemas dos outros, seria um caminho que poderia alimentar movimentos como o Chega e a Iniciativa Liberal. Estes movimentos reflectem uma visão de sociedade que se afasta da empatia e da solidariedade, optando por uma postura de indiferença perante os problemas alheios.
Se persistíssemos nesse caminho, poderíamos testemunhar a ascensão desses movimentos e uma hegemonia ideológica clara à direita. É crucial agora travar um combate ético, questionando e desafiando essas visões que se afastam da empatia e do compromisso comum. Reafirmar valores éticos e humanitários torna-se, assim, uma necessidade imperativa para construir uma sociedade mais justa e solidária.
[CP]: Coimbra está muito apática ao nível do pensamento político e colectivo.
[JGM]: Não concordo totalmente com a avaliação da apatia em Coimbra, embora reconheça que a cidade sempre teve uma certa resistência à mudança. É uma cidade onde o medo do ridículo muitas vezes paralisa as pessoas. Coimbra é caracterizada por uma certa aversão ao risco, onde as pessoas têm receio de se destacar e, por vezes, criticam de forma áspera aqueles que procuram novos caminhos. Contudo, não posso concordar totalmente com essa visão. Recentemente, têm surgido novas associações, inclusive em locais improváveis. Um exemplo é a formação de uma associação de moradores após a brutalidade ocorrida na Portela, gerando descontentamento na população local.
É interessante notar que, mesmo em situações inesperadas, como a criação desta associação, as pessoas estão a agir. Há uma nova dinâmica a emergir, impulsionada pela necessidade de equipamentos colectivos.
Por outro lado, a Universidade desempenha um papel inibidor na dinâmica política da cidade. A dependência de professores convidados e investigadores bolseiros, em detrimento de contratações estáveis, cria uma situação de vulnerabilidade para centenas de jovens adultos. Essa dependência dificulta a expressão de indignação e rebeldia, pois muitos estão condicionados pela possibilidade de não serem contratados no ano seguinte. A Universidade tornou-se uma máquina de opressão.
Coimbra enfrenta desafios, mas também apresenta sinais de resistência e descontentamento. Há uma nova dinâmica a surgir e é importante reconhecer tanto as limitações quanto o potencial para mudanças.
[CP]: O que tem andado o movimento Cidadãos por Coimbra a fazer?
[JGM]: Temos feito pela cidade dezenas de debates. Há pouco falei da Portela, mas podia estar a falar do debate sobre a estação. Vamos demonstrar que é possível ligar o IC2 e eliminar os viadutos da Rua do Padrão sem fazer a brutalidade da ponte rodoviária sobre a mata do Choupal.
Há pelo menos uma proposta de alternativa que saiu do seio dos Cidadãos por Coimbra, dos arquitectos Luís Paulo Sousa, Paulo Antunes e Adelino Gonçalves e que tem força.
[CP]: Coimbra está um caos com as obras. Acha que a cidade está no bom caminho?
[JGM]: Não sei se as obras podiam ter tido um calendário diferente. A Câmara está a fazer uma coisa bem, que é renovar toda a rede de água e esgotos e julgo que a Câmara vai assinar um protocolo em que a Metro Mondego planta árvores e depois a Câmara faz a manutenção. É absolutamente indispensável resolver o problema dos transportes para a margem esquerda. Não digam que não há dinheiro para isso, a Câmara tem um orçamento de 236 milhões de euros.
Entrevista: Lino Vinhal/ Joana Alvim
Publicada na edição do “Campeão” em papel de quinta-feira, dia 11 de Janeiro de 2024