Quem sofre de doença crónica nem sempre pode fazer pela vida, como o comum dos mortais, nem sempre pode fazer o que precisa, nem sempre pode fazer o que o(a) diverte, nem sempre pode usufruir do que o(a) consola, nem sempre se pode irritar quando se justifica.
Muitas vezes, em caso de doença, a impossibilidade de execução é uma realidade, noutros casos a oportunidade nem sempre é a desejada, frequentemente gera-lhe e provoca frustração e, assaz, a satisfação é parcial e incompleta.
Há limitações da vida diária que são provocadas pela situação de doença, incapacidade física e motora, limitação intelectual, perda da dinâmica e boa relação entre as pessoas, amigos e família, perda da autonomia, emprego e capacidade de exercício profissional, ou pela dependência nas actividades.
As limitações, havendo incapacidade física e motora, com perda de autonomia, podem ser importantes, pelo sofrimento físico e mental, pelo grau de dependência de outrem elevado, ou por não conseguir realização pessoal. Ou podem ser pouco importantes, por ser um acontecimento não verificado intramuros, por ter acontecido apenas aos outros, ou por ser inimaginável tal facto e suas consequências.
As limitações, acontecendo défice intelectual para organização da vida pessoal e familiar, podem ser importantes, pela relevância da saúde mental no quotidiano, pela qualidade de vida pessoal e familiar que se torna inviável, ou pela improdutividade académica e desempenho profissional. Ou podem ser pouco importantes, pela não compaginação do acontecimento infausto eventual, por haver sublimação das sequelas com alternativas, ou por se verificar um distanciamento em casos conhecidos.
As limitações, ocorrendo perda da dinâmica e boa relação entre pessoas, amigos e família, podem ser importantes, por colocar a unidade sócio-familiar em risco, pelo núcleo central de relação humana estar em desintegração, ou pelo receio de não ajuda e falta de solidariedade. Ou podem ser pouco importantes, pelo quadro de relações não ter mutação indesejada, por haver situação depressiva pessoal, ou pelo afastamento dos amigos por desinteresse e desconsideração.
As limitações, gerando perda da autonomia, emprego e capacidade de exercício profissional, podem ser importantes, por haver zelo e brio profissional, pelos constrangimentos económicos inerentes à destituição, ou por tristeza e/ou revolta pelo quadro de doença. Ou podem pouco importantes, por haver inacção laboral, pela instabilidade e menosprezo da segurança pessoal e bens, ou por ter garantia de recursos financeiros de outra origem.
As limitações, havendo dependência nas actividades (higiene, sustentabilidade e segurança), podem ser importantes, pela compreensão da incapacidade global, por sentimento de perda do último reduto de qualidade de vida, ou pelo desastre de vida pessoal iminente em queda. Ou podem ser pouco importantes, pela existência de recursos institucionalizados, por ter um perfil isento de ansiedade, ou por não ser crível que a situação venha a acontecer.
Fernando Namora apontava quatro interpretações para a doença. Para os antigos sírios, a doença era um “castigo”, num ser excomungado. Os gregos viam um “infortúnio”, contrariando a medicina hipocrática que a via como “necessidade”. Outra interpretação era que a doença era um “repto”, desafio às capacidades do doente e do médico. Mas, segundo S. Basílio, “A doença recebem-na os justos”, pelo que era uma prova, apoiada pelas religiões, como expiação.
Mas quem sofre, sofre.
(*) Médico