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Cáritas de Coimbra regista aumento de pessoas na condição de sem-abrigo

25 de Dezembro 2023 Jornal Campeão: Cáritas de Coimbra regista aumento de pessoas na condição de sem-abrigo

Dados da Cáritas Diocesana de Coimbra não só revelam um acréscimo dos pedidos de apoio para alojamento, devido à crise habitacional e à escassez de recursos económicos, como as solicitações de acolhimento temporário passaram a ser de agregados familiares.

Justina Dias, responsável pelo Sector da Inclusão da Cáritas de Coimbra e directora técnica do Centro de Acolhimento Temporário Farol, evidencia que a realidade do presente, em consequência da crise inflacionária, difere da dos anos anteriores.

Efectivamente, constata-se um crescente pedido de apoio para alojamento, proveniente de diversas zonas do país. Ao indivíduo isolado junta-se agora o pedido para acolhimento de famílias, ainda que pontual”, refere, em declarações ao “Campeão”.

A circunstância actual resultou de uma conjugação de uma ou mais situações e o certo é que afectou quer núcleos familiares quer indivíduos, com “insuficiência da rede de suporte familiar”, que “acentua os factores de risco relativo ao isolamento social”.

A título de exemplo, Justina Dias alude à saída de pessoas do centro de Coimbra, “condicionada pela especulação imobiliária”, que dificultou “o processo de autonomização, tornando-o mais frágil e precário” nos últimos anos. O arrendamento naquela zona da cidade foi o sector mais afectado.

É de salientar o facto de os recursos para o pagamento da renda, na maioria dos casos, decorrerem de bolsas e de prestações sociais e não de trabalho efectivo”, acrescenta.

Notando a dificuldade da Cáritas Diocesana de Coimbra de “quantificar as pessoas em situação de sem-abrigo”, Justina Dias sublinha que “a alteração” da vida “do indivíduo ao longo da vida, bem como a forte mobilidade, impedem a exatidão” dos números.

Justina Dias, que acredita existirem mais sem-abrigo do que o que constam das estatísticas, considera “importante quantificar a realidade, para melhor intervir”, sublinhando a “preocupação” da instituição, que “assenta na realidade e no projecto de cada pessoa, vulnerabilidades e competências”.

Mais acolhimentos

Até ao momento, “à luz da realidade e da intervenção diária”, o número de pessoas sem tecto acolhidas desde 1 de Janeiro deste ano é de 131.

Significa que, embora o fim de 2023 dista pouco mais de uma semana, está igualado o registo de 2022, superior ao de 2021, no qual o número de acolhimentos foi de 117.

Em 2020 e 2019, anos anteriores à pandemia do novo coronavírus, 142 pessoas em situação de sem-abrigo foram acolhidas em cada período anual, totalizando 284.

Na leitura das estatísticas, Justina Dias, que reitera ser “difícil quantificar” indivíduos em situação de sem-abrigo, afirma que, desde 2021 até à actualidade, “foram acolhidas menos pessoas” do que nos anos de pandemia de covid-19, em que foram decretadas restrições à circulação de pessoas.

Faixa de 50-59 anos

A responsável pelo Sector da Inclusão da Cáritas de Coimbra e directora técnica do Centro de Acolhimento Temporário Farol observa que “a área urbana será sempre mais sensível” quanto a sem-abrigo.

A procura da cidade corresponde sempre a uma tentativa de procurar melhores condições de vida e, como tal, quando tal não acontece, é justamente aí que se fixa a residência”, pois “voltar à zona de origem significa assumir uma falha total, senão mesmo uma incapacidade”.

De entre o universo de sem-abrigo no distrito de Coimbra, a faixa etária com maior predominância é a dos 50 aos 59 anos, que representaram 33,82% em 2022. Nesse mesmo ano, o segundo grupo mais expressivo de sem-abrigo foi o de 60 a 69 anos, 15,27% do total distrital.

Justina Dias assinala também que o relatório de 2022 mencionou jovens de 18 anos na condição de sem-abrigo, “ainda que menos representativo” o agregado, o que não deixa de constituir “uma grande preocupação em termos de intervenção”.

As raízes do problema

Justina Dias declara que não existe “uma casualidade linear” quanto aos motivos que levam pessoas a viver e pernoitar nas ruas e realça “uma multiplicidade de problemáticas que conduzem à situação de sem-abrigo”.

Além da “ausência prolongada de recursos económicos”, resultante em larga escala de longo tempo de desemprego, a responsável da Cáritas Diocesana de Coimbra destaca as “relações familiares desestruturadas/falta de rede de suporte” e “doenças do foro mental e/ou psiquiátrico”, apontando igualmente “problemas de consumos de substâncias psicoactivas lícitas e ilícitas”.

Outros motivos existem para uma pessoa cair em situação de sem-abrigo e facto incontornável é a existência de “elevado número de pessoas” de “nacionalidade portuguesa”. Algumas apresentam “acumulação e agravamento dos problemas de saúde”, o que, acentua Justina Dias, é “um dos principais factores de vulnerabilidade, no âmbito da qualidade de vida”.

MAIS DE 10 MIL SEM-ABRIGO EM PORTUGAL

Os números oficiais indicam a existência de 10.773 sem-abrigo em Portugal. Em 2018, o registo consolidado fixou-se em 6.044 pessoas naquela situação, pelo que houve um aumento de 78% até 2022.

É nos centros urbanos, particularmente os de maior densidade populacional, que as pessoas sem tecto pernoitam. Em Lisboa, que tem um terço dos sem-abrigo do país, a Comunidade Vida e Paz intervém junto de quase meio milhar de pessoas que dormem ao relento, constatando-se que muitas delas estão empregadas, mas os rendimentos não são suficientes para pagar uma renda de casa.

Na cidade de Coimbra, os números coligidos pela Câmara Municipal em 31 de Dezembro de 2022 indicaram a existência de 43 pessoas sem-abrigo e 111 sem casa.

Na abertura da “Mesa Redonda: Mediação de Pares – Pessoas em Situação de Sem Abrigo”, uma actividade do grupo de trabalho para a temática Pessoas em Situação de Sem-abrigo da Rede Social de Coimbra, realizada em Novembro, Ana Cortez Vaz, vereadora com o pelouro da Habitação e Acção Social da Câmara Municipal de Coimbra, confirmou que “o número de pessoas em situação de sem-abrigo em Coimbra tem vindo a aumentar”.

Ana Cortez Vaz referiu que as expectativas da Câmara Municipal de Coimbra quanto ao total de 2023 não são as melhores, esperando-se que se mantenha a tendência de acréscimo de pessoas em situação de sem-abrigo.

Por outro lado, a autarca salientou que “tem havido um aumento de pedidos de habitação social e são cada vez mais as pessoas em risco de ficar em situação de sem-abrigo”.

João Paulino, jornalista do “Campeão” em Lisboa

Texto publicado na edição em papel do “Campeão” de 21 de Dezembro de 2023