Coimbra  2 de Dezembro de 2024 | Director: Lino Vinhal

Semanário no Papel - Diário Online

 

Joana Gil

Um luxo essencial

24 de Dezembro 2023

Em Bruxelas a oferta de transportes públicos é vasta e, de uma maneira geral, competente. A cidade beneficia de uma cobertura muito razoável ao nível das linhas de metro subterrâneo e de superfície, complementada por uma boa oferta de linhas de autocarro, que tornam possível dispensar o automóvel para a maior parte das deslocações pela cidade, sobretudo no centro. Infelizmente, o mesmo não se pode dizer de Coimbra. Claro que não é possível comparar directamente as duas cidades. São diferentes na tipologia, na orografia, na organização e, o que é ainda mais relevante, na demografia: enquanto o município de Coimbra tem uma densidade populacional que ronda os 440 habitantes por km2, em Bruxelas o número de habitante por km2 é de cerca de… 5.900. Ainda assim, há alguns aspectos da rede de transportes da capital belga sobre os quais vale a pena reflectir, pelo incentivo que constituem ao uso do transporte público.

Mais do que uma rede muito densa, importa uma rede que seja fiável nos pontos onde actue. Uma das coisas boas de optar pelo metro em Bruxelas é que este circula com tanta regularidade que não vale a pena ver horários: dependendo das linhas e das horas, a espera na plataforma pode ser em média de 3 ou 5 minutos. Outra coisa que me apraz nos transportes de Bruxelas é que os transbordos entre transportes da mesma rede são gratuitos no âmbito de uma mesma viagem, o que se apura através de um critério objectivo e simples: todo o trajecto realizado na primeira hora seguinte ao “picar” do bilhete faz parte da mesma viagem. Cobrar os transbordos, como se fazia em Coimbra até há bem pouco tempo, é um desincentivo à utilização de transportes públicos, já que cada linha de autocarro se apresenta como um serviço isolado do resto da rede. Outra vantagem ainda é a de as crianças viajarem gratuitamente. A partir dos 6 anos, por uma questão de controlo de acessos e segurança, é obrigatório terem passe, cuja emissão custa 5 euros. Uma vez emitido, o passe mantém-se válido até perfazerem 12 anos, altura em que começam por fim a pagar bilhete. De facto, uma mãe ou um pai que tenham de se deslocar e levar consigo um filho (ou dois, ou mais) podem ser desencorajados se isso implicar pagar dois, três ou mais bilhetes. A partir dos 12 anos e até aos 18, a gratuitidade acaba e o preço de um passe é de 12€ – porém abaixo dos 15€ que pagam em Coimbra os estudantes do ensino básico ou secundário. Em termos mais globais, enquanto o normal passe mensal dos SMTUC custa 30€, o da STIB, em Bruxelas, custa 49€. Mais caro, certamente, mas quando se compara o rendimento médio de quem vive em Portugal com o de quem vive na Bélgica essa percepção pode mudar. Com efeito, em 2021 o salário médio bruto de um trabalhador em Bruxelas rondava os 4.000€, o que contrasta com o rendimento médio de um português, que não vai muito além dos 1.000€. Por outro lado, a STIB conta com 1.338 veículos em circulação e oferece 87 linhas de viagem aos passageiros.

Se é verdade que as exigências de Coimbra são menores no que toca à intensidade da oferta, também é verdade que têm sido recorrentes as notícias sobre a ineficiência dos SMTUC. Fruto da vetustez da sua frota? Da falta de motoristas? Do desinteresse das pessoas pelo transporte público, preterido em favor do carro particular? De defeitos na concepção da rede? De eventual desadequação dos horários às necessidades da população? O transporte público é um importantíssimo factor de coesão social e uma ferramenta determinante para termos cidades mais sustentáveis e limpas. O que se passou ao longo das últimas décadas para que a relação de Coimbra com os transportes públicos tenha definhado tanto? Uma boa rede de transportes públicos não pode ser um luxo. Uma cidade que se queira realmente inclusiva tem de permitir a todos, independentemente da idade ou perfil sócio-económico, deslocarem-se no espaço urbano.