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Dança, inovação e magia: os bastidores da Vórtice Dance Company

23 de Dezembro 2023 Jornal Campeão: Dança, inovação e magia: os bastidores da Vórtice Dance Company

Até este dia 23 de Dezembro, o coração de Coimbra foi palco de um espectáculo mágico e inovador que  encanta os residentes e visitantes da cidade. A Vórtice Dance Company, sob a direcção artística de Cláudia Martins e Rafael Carriço, apresentará “A Parada do Quebra-Nozes”, uma fusão extraordinária de videomapping e dança que transformará a Câmara Municipal e a imponente Igreja de Santa Cruz em cenários de conto de fadas. Este evento faz parte da programação especial “Coimbra Natal’23” e da estratégia para revitalizar a Baixa e apoiar o comércio tradicional.

“A Parada do Quebra-Nozes” não é apenas uma recriação da clássica história, mas uma obra que adiciona novas personagens, histórias e peripécias. O destaque é, sem dúvida, o videomapping que transformará a Praça 8 de Maio num verdadeiro conto de fadas, onde a magia do Natal ganhará vida, realçando a riqueza patrimonial dos edifícios mais icónicos da cidade.

Nesta entrevista exclusiva, conversamos com os fundadores da Vórtice Dance Company, Cláudia Martins e Rafael Carriço, para conhecer os bastidores desta Companhia inovadora que promete encher a Praça 8 de Maio de cor, magia e vitalidade.

Campeão das Províncias [CP]: Podem contar-nos um pouco sobre o vosso percurso na dança. Vórtice Dance Company [VDC]: Muito, muito resumidamente, licenciamo-nos em dança, no ramo de espectáculo (na altura o curso dividia-se em espectáculo e educação), na Escola Superior de Dança, onde nos conhecemos. Ainda no nosso percurso académico fomos estudar para a Holanda (Erasmus) e seguiram-se vários cursos, seminários, workshops no Rotterdam Dance academie, na Rosas de Anne Terese de Keresmaker , Bélgica, em Londres no The Place (entre muitos outros). No fim do curso somos convidados a ingressar como bailarinos na CPBC, com direção artística de Vasco Wallencamp. Passado um ano decidimos sair e criar o nosso próprio projeto de criação. Criar, foi um objetivo que ganhou corpo, tal como dançar. Em início de carreira, fomos reconhecidos com alguns prémios internacionais de grande prestígio como o Grand Prix of Choreography, que recebemos na Ópera de Helsínquia, pela então presidente da República Tarja Halonen, o Awdience Award, no Nagoya Ballet & Modern Dance Competition, o Recognigment Award na Ópera de Riga, entregue pela Presidente da República, na Gala Evening, na Ópera de Riga e pelo Mayor de Riga, noutro ano em que a companhia se voltou a apresentar, (de entre outros como o Printemps de la Danse em Gland , na Suiça). Daí para a frente o nosso percurso cruza-se em todos os aspetos com o projecto Vortice Dance; processos criativos, estreias, montagens, digressões, são a nossa vida.

[CP]: Como é que surgiu a Vórtice dance Company?

[VDC]: A Vórtice foi fundada a 29 de Abril de 2001, dia mundial da Dança. É um projecto de parceria artística que partilhamos. Ao longo de mais de vinte anos a dançar e a criar, já vimos o nosso trabalho ser apresentado em 33 países. Em alguns dos quais a Vortice Dance Company realizou digressões por mais de uma vez, como Itália, Espanha, Brasil, Roménia, Reino Unido, EUA. Além das dezenas de teatros, Óperas, festivais nacionais e internacionais, onde nos apresentámos, também temos desenvolvido colaborações artísticas com outras companhias de dança, pintores, músicos, orquestras, compositores. Por exemplo, uma das peças mais internacionais da VDC “Drácula”, surgiu de uma co produção com o Ballet e Ópera da Macedónia. Em Maio de 2022 realizámos mais uma digressão com essa peça, em dez cidades no Reino Unido. No mês de Junho seguinte estávamos em São Paulo, no Teatro Liberdade, com “Fátima, o Dia em que o Sol Bailou”, numa temporada de um mês. Outro exemplo é o “The Bradley Teodore Show” que criámos sobre a obra do pintor Bradley Teodore, sediado em Nova York. Já para a nossa criação Sagração da Primavera colaborámos com o maestro Nuno Corte Real para a direcção musical, com a Temporada D’arcos, a orquestra da ESMAE e do Atlântico. No passado mês de Outubro a VDC foi a entidade parceira em Lisboa do Dantz Point, um projecto espanhol com base em San Sebastian, apoiado pela Europa Criativa, de música eletrónica, arte e arquitetura urbana, que também rodou na Grécia e Holanda. Este projecto contou com o apoio do Museu MAAT, Fundação EDP, Fundação Champalimaud, Torre de Belém e Câmara Municipal de Lisboa. Atualmente estamos a trabalhar em duas novas produções, a “Carmina Burana”, para comemoração do centenário do Teatro Tivoli BBVA, com estreia em Maio e “CHROMA”, um espetáculo com muita tecnologia e interação coreográfica, com estreia marcada para 3 de Fevereiro no Teatro José Lúcio da Silva, em Leiria.

[CP]: Quais são as vossas principais fontes de inspiração ao criar coreografias para os espectáculos da companhia?

[VDC]: Existe sempre um momento de absorção e de reflexão acerca de tudo o que absorvemos do mundo para as nossas criações. Sabermos mergulhar e simultaneamente desapegarmo-nos do fenómeno globalização é um exercício de proximidade e distanciamento necessário e contínuo. Obviamente que a temática de determinada criação nos orienta nas buscas e pauta as nossas escolhas, desde a linha coreográfica, à tessitura da obra enquanto um todo. A Linha da movimentação, a organização e coexistência espacial entre movimentação, bailarinos, elementos cénicos as escolhas musicais e a própria interação com as tecnologias (quando existem), vai crescendo como um todo, num processo diário de equipa. A dada altura, nos processos criativos passamos a necessitar de distanciamento das equipas, para dar a “forma final” às nossas ideias e triar o trabalho de estúdio já desenvolvido com os bailarinos ou outros artistas. Conseguir criar silêncio… É uma fase do método como outra qualquer. É um pouco o “ver de fora” que o coreógrafo necessita, após semanas, por vezes meses de embrenhamento no processo em estúdio.

[CP]: Como descreveriam o estilo coreográfico que os distingue? Quais são os elementos que o caracterizam?

[VDC]: Ao longo dos anos, a VDC tem-se distinguido no panorama nacional e internacional da dança pela exploração de uma linha coreográfica e movimentação muito próprias, de onde se tem destacado, o desenvolvimento da dança contemporânea com as novas tecnologias. As criações da VDC são bastante diversificadas nas temáticas e únicas na plasticidade, mas une-as a intensidade da dança e da performance dos bailarinos e a dinâmica com que tudo se passa. A passagem de uma mensagem, de uma atmosfera ou de um conceito visual, de uma forma válida e artisticamente conseguida, não passa obrigatoriamente, por uma infinidade de tempo. A duração não define a qualidade, a criatividade ou a erudicção adjacentes a uma peça de dança. Muitas vezes demoramos uma semana para construir um minuto de algo, com que honestamente nos identificamos. Tudo é muito subjetivo, sempre foi importante para nós objetivarmos um “layout” de originalidade e qualidade, que ao longo dos anos o público reconhece nas produções da Vortice.

[CP]: Podem partilhar connosco algum momento particularmente marcante ou desafiador da vossa carreira?

[VDC]: Em vinte e três anos de actividade continuada, os desafios foram muitos, como deve imaginar. Talvez quando recebemos o Grand Prix of Choreography, na Ópera de Helsínquia, entregue pela Presidente da República da Finlândia, em início de carreira; o espectáculo de inauguração do TGV de Liège “Guillemins Une Gare a Vous”, em que fomos os coreógrafos numa produção Franco Dragone, numa cerimónia presidida pelos príncipes da Bélgica, para um público de 75.000 pessoas. O espectáculo passou em directo no canal Mezzo. Dançar na Gala de encerramento do Int. Baltic Ballet Fest,(por duas vezes) a par de artistas oriundos de todo o mundo, como o American Ballet Theatre, Bolshoi, Ballet de Pequim, com uma programação verdadeiramente“From Classical to Avan Gard”. Dançar no Int. Miami Ballet Festival, dançar para o rei de Marrocos no Teatro Mahomed V em Rabat, dançar no Theatre Des Champs Elysees para a Mdme Chirac, ou coreografar “Beatles na Favela” no Rio de Janeiro e São Paulo, numa colaboração com o Grupo AfroReagae,… ou quando coreografámos e actuámos em Doha Gala final do programa “Stars of Science”, na Qatar Foundation, em que esteve presente a família real do Qatar e passou em live para a grande maioria dos países árabes. Pelas diferenças culturais, neste processo tudo teve de ser encarado de uma outra forma, desde o que levávamos vestido, aos elementos cénicos usados, e às pausas durante os ensaios e montagens técnicas para rezar, foi uma experiência muito diferente e enriquecedora. Como estes houveram muitos, mas muitos outros momentos.

[CP]: Portugal tem uma rica tradição cultural na dança. Como vêem o papel da companhia em preservar e promover esta herança cultural?

[VDC]: Comparativamente com outros países, não achamos que Portugal tenha uma tradição cultural na dança assim tão rica. É tudo relativamente recente e no nosso país existe uma desigualdade muito grande na forma como os artistas são tratados, na distribuição dos apoios e no acesso aos meios de comunicação. Por ser uma área muito “subjetiva” valoriza-se e desvaloriza-se o que se quer com alguma facilidade. Há artistas e estruturas a passarem dificuldades. A VDC prossegue reinventando formas de trabalhar, de se posicionar, mas é muito injusto haverem estruturas na área da dança em Portugal a receberem milhões e outras eternamente remetidas ao limbo entre a excelência e o valerem zero, a terem de justificar e justificar a qualidade e o mérito dos seus artistas e das suas produções. Gostaríamos muito de recorrer a eufemismos, mas a verdade é esta, para quem está no terreno. Como preservar e promover a herança, se nem querem que existamos? Tarefa árdua. Ou então contribuímos para que a “herança” vá omitindo criadores e artistas injustamente abafados… e são muitos.

[CP]: Que conselhos dariam a jovens bailarinos que aspiram a seguir os vossos passos e tornarem-se bailarinos profissionais e coreógrafos de renome?

[VDC]: Acho que com talento e trabalho tudo é possível, mas existem dificuldades. Ser-se bailarino ou jovem artista é um pouco complexo. Até porque devemos separar jovens profissionais em início de carreira de estudantes. Após o percurso académico, ingressar no meio de trabalho continua a ser um desfio. Uma coisa são as escolas de ensino artístico que existem pelo país (e são muitas) outra coisa são as oportunidades de trabalho reais para aqueles que realmente seguem carreira artística e se dedicam, como nós a uma arte e fazem disso vida. Na cultura está a acontecer um pouco como na saúde, damos formação, mas sem se criarem oportunidades de emprego proporcionais. Não podemos esquecer que nos outros países também existem escolas e a realidade, para a maioria, será a realização de um estágio profissional numa estrutura artística profissional estrangeira com mais financiamento que as demais portuguesas. Nada disto está errado, começa é a criar-se uma grande desproporção entre os investimentos na educação comparativamente com o da profissionalização/ fixação dos artistas portugueses a longo prazo. Se por um lado as residências artísticas, as mostras destinadas a jovens criadores e intérpretes, os estágios, são motores importantes de integração, de intercâmbio cultural e artístico e constituem uma ajuda para a promoção de novos valores, serão sempre ferramentas fugazes, para uma determinada etapa da vida. Se não se apoiam estruturas como a VDC e outras com provas dadas de sucesso e de sustentabilidade, será difícil mudar a realidade centralizadora do país e trazer jovens bailarinos, atores, músicos para cidades mais pequenas (a longo prazo). É como os médicos, investe-se na formação, mas depois têm de ir para fora. E nem sempre da forma romantizada que se quer mostrar.

[CP]: Quais são os vossos planos e aspirações futuras na dança? Existe algum projecto ou colaboração que estejam particularmente entusiasmados por realizar?

[VDC]: Aspiramos continuar a trabalhar naquilo que gostamos. Talvez Carmina Burana, numa colaboração com o Teatro TivoliBBVA e a UAU seja esse projecto. O nosso entusiasmo e as nossas energias focam-se sempre nas nossas próximas criações, por isso Carmina Burana e CHROMA já são de casa (risos).

[CP]: A Vórtice Dance Company é conhecida por apostar em espectáculos inovadores que combinam o bailado com elementos multimédia. Podem partilhar um pouco sobre como essa abordagem criativa tem influenciado o vosso trabalho?

[VDC]: Vem de há muitos anos, enquanto jovens criadores em início de carreira, já investíamos em tecnologias para pesquisa e exploração das suas potencialidades nas nossas criações. As tecnologias passaram a ser uma extensão do corpo e uma “realidade aumentada” da fantasia que criamos analogicamente.

[CP]: Como é o processo de integração de elementos multimédia nos espectáculos da Vórtice Dance Company?

[VDC]: É muito variável e nunca é uma imposição. Há peças que são totalmente despidas de elementos tecnológicos e existem outras em que a tecnologia está presente, mas como fundo, em surdina, não se impondo. Há momentos em que realmente gostamos de explorar o corpo e a movimentação de uma forma crua. Mas as peças em que levamos ao limite essa interacção da coreografia com as tecnologias, elas impõem-se em algumas partes, tanto pela dimensão que trás, nomeadamente através do videomaping; pela criatividade e a potencialização do diálogo com os públicos com tecnologias como a realidade virtual ou o Motion Capture.

[CP]: A tecnologia tem um papel cada vez mais relevante no mundo. Como a Vórtice Dance Company tem explorado e adoptado novas tecnologias para elevar o impacto das suas apresentações?

[VDC]: Tem um real impacto porque nas nossas produções, como Artificial Intelligence, nos permite comunicar de uma forma mais direta com os públicos e criar ambiências mais imersivas e impactantes.

[CP]: Que impacto a Vórtice Dance Company espera ter no público ao oferecer espectáculos que transcendem os limites tradicionais do bailado?

[VDC]: Ter o impacto que sempre teve… o de uma estrutura independente, que de momento não conta com apoio da DGArtes /Ministério da Cultura, surpreender pela inovação, pelo investimento técnico e pela entrega ao nível artístico e humano.

[CP]: Qual é a mensagem ou emoção que esperam que o público leve consigo após assistir a um espectáculo da Vórtice Dance Company?

[VDC]: Eu (Cláudia) prefiro sempre que em vez de só “levar”, que o público “traga” abertura de espírito para ver, tirar as suas próprias ilacções (um espectáculo de dança contemporânea nem sempre tem uma narrativa linear), emocionar-se e quando chegar a casa, lhe venham à cabeça momentos, flashes, do espectáculo. Isso demonstra que o que viu, sentiu e assimilou, aconteceu de forma genuína.

[CP]: Em que projectos estão a trabalhar agora?

[VDC]: Actualmente estamos a trabalhar em duas novas produções, “Carmina Burana”, para comemoração do centenário do Teatro Tivoli BBVA, com estreia em Maio e “CHROMA”, um espectáculo com muita tecnologia e interacção coreográfica, com estreia marcada para 3 de Fevereiro no Teatro José Lúcio da Silva, em Leiria.

Entrevista: Joana Alvim

Texto na íntegra que completa a súmula publicada na edição em papel do “Campeão” de 21 de Dezembro de 2023