O Palácio da Justiça de Bruxelas é um edifício notável, tanto por excelentes como por péssimas razões. Mandado construir em finais do século XIX especificamente para o fim a que se destinou, acolhe a primeira instância civil e criminal do que podemos chamar a comarca de Bruxelas, mas também diversos tribunais superiores, como o equivalente à nossa Relação e o Supremo Tribunal de Justiça; também a “secção de Bruxelas” da Ordem dos Advogados tem aí sede. O Palácio observa a cidade do alto de uma colina e faz a transição entre a parte alta e a parte baixa da capital belga. Graças a esta sua localização sobranceira e de charneira, o seu traçado de inspiração greco-romana é visível a partir de diversos pontos da cidade, pondo em evidência uma envergadura que, aquando do seu lançamento, em 1866, fazia desta construção o maior edifício do mundo (!). No recorte da paisagem oferecido por este magnífico edifício destaca-se a cúpula, destruída pelo incêndio que as tropas alemãs terão ateado em 1944, antes do fim da ocupação da cidade no final na Segunda Guerra Mundial, e mais tarde reconstruída, mais alta do que a original. Mas não foi apenas a guerra que desgastou o edifício. A usura do tempo continuou a impor-se e em 1984 foi iniciado um ambicioso projecto de recuperação, já que o Palácio da Justiça começava a não oferecer condições nem de trabalho nem de segurança para quem ali servia ou era servido.
Não obstante toda a magnificência da obra, quem vive em Bruxelas sabe que o Palácio se destaca hoje pelas piores razões. As suas fachadas há muito estão agrilhoadas: colocados em 1984, os andaimes das obras de recuperação iniciadas nesse ano ainda lá estão… O insólito da situação é tanto maior quanto se trata de um edifício que é considerado, desde 2001, monumento nacional belga e que integrou uma candidatura a património da Unesco em 2008. Enquanto o imbróglio das obras se arrastava, em 2018 uma parte do telhado colapsou. E eis que neste ano de 2023 finalmente se prometem as obras definitivas que hão-de devolver a glória e funcionalidade às diversas fachadas que compõe o conjunto arquitectónico. Estima-se que estejam concluídas em 2030. Só então poderão ter início as obras de recuperação do interior, pelo que, se tudo correr bem, em 2040 o Palácio poderá ver-se livre das obras iniciadas… em 1984.
Por cá, o Colégio de São Tomás de Aquino foi construído no século XVI e só no século XX, já bastante modificado face ao original, foi convertido em Palácio da Justiça. As instalações são hoje manifestamente insuficientes para dar resposta às necessidades. Não há obra de restauro ou recuperação que resolva a falta de espaço nem de todo o modo poderia Coimbra superar, em exasperante lentidão, as obras belgas do Palácio da Justiça. Mas o certo é que a reinvindicação de um novo Palácio da Justiça para Coimbra leva já mais de meio século. Conta quem sabe que desde há décadas a esta parte que todas as más soluções encontradas para alojar este ou aquele serviço judiciário são rematadas com um desculpabilizante “não é ideal, mas é provisório, que vai-se construir o novo Palácio da Justiça”. A recente aprovação do Plano Plurianual de Investimentos na Área da Justiça 2023-2027 abre perspectivas para a realização de obras no edificado da Justiça, entre elas se contando, espera-se, o aguardado Palácio da Justiça de Coimbra.
Entretanto, em Oliveira do Hospital, atravancam-se os corredores com baldes, bacias e caixotes do lixo para conter as águas que caem do tecto quando chove. O problema não é de agora: diz quem sabe que as infiltrações vêm de 2007 e têm-se agravado desde 2019. E continuarão a agravar-se, com cada inverno pior que o anterior, até que obras profundas reparem (melhor se dirá: substituam) o velho telhado. É de supor que não levem o tempo das obras do Palácio da Justiça de Bruxelas, mas para podermos ter a certeza o ideal era que começassem.
(*) Bruxelas