A prospecção da denominada argila branca, numa área de 6,18 quilómetros quadrados, está na iminência de acontecer e o Movimento Contra a Exploração de Caulinos em Soure Norte alerta para a saúde pública de grande mancha de território de outros concelhos ser afectada caso avance a extracção do minério.
“A saúde pública em toda a região será fortemente impactada se, a seguir à prospecção, se confirmar a exploração. São especialistas na área que o afirmam”, refere Jorge Góis, um dos elementos que constituíram o Movimento Contra a Exploração de Caulinos em Soure Norte, logo que foi tornado público o contrato assinado pelo Estado e a Clariant Ibérica Producción, em 10 de Maio de 2023, que estabelece acordo para “prospecção e pesquisa de depósitos minerais de caulino e outros minerais associados, a que corresponde o número de cadastro MN/PP/004/23 e a denominação de Monte Vale Grande”.
Em declarações ao “Campeão”, Jorge Góis revela que, “segundo os especialistas, a exposição prolongada a este tipo de substância, a longo prazo, torna-se causador de diversas doenças pulmonares” e sublinha a existência de alarme quanto a um cenário de contaminação de águas.
“Vários especialistas nacionais e internacionais, que têm trabalhado com o Movimento, confirmam igualmente esse alerta. A água é um recurso dinâmico e impossível de controlar e suster, tanto pela infiltração nos lençóis freáticos como pelas potenciais escorrências ou derramamentos em período de cheias. Quem conhece o Baixo Mondego facilmente perceberá a dinâmica de toda a bacia hídrica da região e de todos os vasos comunicantes entre si”, salienta Jorge Góis.
Atentado ambiental
O representante do Movimento Contra a Exploração de Caulinos em Soure Norte nota que “o contrato de prospecção abrange cinco freguesias”, mas acentua que “o impacto nas populações é muito maior” do que as circunscrições de “Figueiró do Campo, Alfarelos, Vila Nova de Anços e Granja do Ulmeiro, no concelho de Soure, e a freguesia da Ega, no concelho de Condeixa-a-Nova”.
Jorge Góis expressa a preocupação do movimento popular de que “parte do Baixo Mondego, nomeadamente nos concelhos vizinhos a Soure serão fortemente impactados, quer na biodiversidade dos Pauis da Madriz, do Taipal ou do Paul da Arzila, quer nos recursos hídricos, quer na saúde pública advinda do pó extremamente fino deste mineral, que pode ser projectado a quilómetros de distância”.
O responsável do Movimento Contra a Exploração de Caulinos em Soure Norte – que “mantém-se inorgânico, com diversos especialistas em diversas áreas, a nível nacional e internacional” a colaborarem -, avisa para a possibilidade de a exploração provocar um atentado à saúde pública e ao ambiente.
As reservas de especialistas multiplicam-se e os pareceres emitidos quanto ao contrato de prospecção, “com direitos adquiridos por parte do requerente”, a Clariant Ibérica Producción, para “a potencial exploração” de caulino e outros minérios.
“Quanto ao ambiente, os próprios pareceres das entidades da área, que foram consultadas neste projeto e que avaliam o impacto deste tipo de contratos, confirmam esse alarme” de atentado à saúde pública e ao ambiente, sustenta Jorge Góis.
Muitas reservas
O acordo de prospecção de depósitos de caulinos – inicialmente numa extensão de 19,386 quilómetros quadrados – tem pareceres desfavoráveis da Câmara Municipal de Soure e Jorge Góis alude ao facto de a autarquia, com a área de exploração estar quase toda no território do concelho (terrenos do município de Condeixa-a-Nova completam a zona delimitada), ter tido limitação de pronúncia.
“Entendemos que três pareceres desfavoráveis da Câmara Municipal de Soure deviam ter sido suficientes. Mas, o que constatamos, é que não foram. Além destes pareceres, outros de mais entidades colocam muitas reservas a um projeto destes, que, agora, é de prospecção, mas que prevê a aquisição de direitos num futuro projeto de exploração”, afirma.
Deputados do grupo parlamentar do Bloco de Esquerda (BE) na Assembleia da República apresentaram, na semana passada, na Comissão Permanente de Ambiente e Energia, um projecto de resolução, a que “Campeão” teve acesso, recomendando ao Governo “a suspensão imediata dos procedimentos para a prospecção, pesquisa e exploração de caulino na área Monte Vale Grande (Soure e Condeixa-a-Nova)”.
Mariana Mortágua, José Soeiro, Joana Mortágua, Pedro Filipe Soares e Isabel Pires criticam as limitações das pronúncias das autarquias, entendendo que “impede os municípios de desempenharem um papel decisivo sobre a revelação e a exploração de depósitos minerais, em vastas áreas submetidas a concurso dos seus territórios”.
Na Apreciação Parlamentar do decreto-lei n.º 30/2021, de 7 de maio, que regulamenta a lei n.º 54/2015, de 22 de Junho, no que concerne a “depósitos minerais”, os deputados do BE observam que “os Municípios são consultados para pronúncia vinculativa apenas em situações em que os direitos de prospecção e pesquisa e os pedidos de exploração são apresentados fora de um procedimento concursal aberto pelo Estado”.
“As propostas do BE para alterar a chamada lei das minas, foram rejeitadas nestes aspectos e, agora, estamos perante um processo concreto onde a participação e escrutínio público são afastados e onde as três pronúncias negativas da Câmara Municipal de Soure não são vinculativas, isto apesar de a autarquia referir nomeadamente que o projecto não tem enquadramento no Plano Director Municipal de Soure”.
Direitos de participação
No Projecto de Resolução do BE apresentado na reunião de terça-feira passada da Comissão Permanente de Ambiente e Energia, e que será votado em futura sessão, os deputados bloquistas consideram que a lei das minas “não oferece respostas adequadas às associações e aos representantes dos órgãos autárquicos das áreas abrangidas por concursos ou pedidos de revelação e exploração de depósitos municipais, impedindo-os de exercer plenamente o seu legítimo direito de participação pública”.
O BE entende que “o diploma do Governo limita ainda a constituição de comissões de acompanhamento à fase de exploração”, porque considera que, “ao invés de ficar consagrado no decreto-lei, a participação de representantes de municípios, de freguesias e de associações locais e regionais é deixada à discrição” da Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) e outras direcções-gerais.
De acordo com os deputados do BE subscritores do Projeto de Resolução, “o número um do artigo 33.º estabelece que a DGEG pode determinar a constituição de uma comissão de acompanhamento nas explorações em que tal se justifique”, mas a arbitrariedade impede a participação de autoridades locais, associações e organizações de natureza popular, como o Movimento Contra a Exploração de Caulinos em Soure Norte.
A limitação da constituição de comissões de acompanhamento à fase de exploração “significa que aquelas comissões ficam impedidas de acompanhar as fases prévias de revelação de depósitos minerais – a avaliação prévia, a prospeção e pesquisa e a exploração experimental -, reduzindo o raio de ação e a defesa dos interesses da população”.
Proteger populações
Os deputados ressalvam também que “a exploração de caulino é uma actividade altamente poluente e que afecta gravemente a qualidade de vida das populações envolventes e contribui para a deterioração da saúde pública”, porque “a extração deste minério provoca poluição atmosférica, a contaminação de cursos e reservas de água e afecta a produtividade e mesmo a viabilidade da exploração agrícola e florestal da área envolvente”.
Os deputados bloquistas, que integram a Comissão Parlamentar de Energia e Ambiente, destacam que “as explorações de caulino são justamente contestadas pelas populações, dado os impactos negativos a que ficam sujeitas”.
Com base nestas considerações, o BE, em “apoio às lutas populares” e “no sentido de proteger as populações”, pede ao Governo que “suspenda imediatamente os procedimentos para a prospecção, pesquisa e exploração de caulino, na área denominada por Monte Vale Grande, situada nos concelhos de Soure e Condeixa-a-Nova”.
João Paulino (Jornalista do “Campeão” em Lisboa)
Texto publicado na edição em papel do “Campeão” de 19 de Outubro de 2023