“Greta”: substantivo feminino que significa “abertura”. Acrescentando-lhe a palavra “livraria” nasce o projecto de sonho da vida de Lorena Travassos. Fotógrafa e professora na Universidade Nova de Lisboa, decidiu fundar um espaço dedicado exclusivamente a obras produzidas por mulheres (cis ou trans). “O sentido da Livraria Greta é essa questão da abertura para os livros das mulheres. É um lugar aberto para a discussão dessas leituras”, revela, em declarações ao “Campeão”.
A ideia resulta de uma série de viagens. Ao contactar com diferentes realidades, Lorena apercebeu-se que, em vários pontos do globo, existiam livrarias feministas. A professora não conseguiu conter a sua surpresa quando se deu conta de que o mesmo não acontecia em Portugal. “A maioria dos livros que estão nas vitrines das grandes livrarias são escritos por homens. Existe uma publicação muito inferior de mulheres em qualquer catálogo”, explica a professora.
Nesse sentido, com a criação da “Livraria Greta”, Lorena Travassos pretende chamar a atenção para este problema e contrariar esta tendência. “As mulheres começaram a publicar muito mais tarde, porque tiveram de cuidar da casa para os maridos escreverem. Na época da pandemia, por exemplo, as mulheres produziram menos porque tiveram de cuidar das crianças. Enquanto que os homens tinham o sossego deles e podiam publicar à vontade. Devemos olhar para estas questões de género”, alerta.
Foi precisamente a chegada do covid-19 que despoletou o avançar da Livraria Greta. “Como as pessoas estavam mais atentas, eu achei que era o momento de abrir um espaço onde pudessem ler mais a respeito disso e compreenderem melhor o que é o feminismo”, conta a fundadora. A livraria começou por funcionar online, no entanto, a 7 de Setembro deste ano, abriu também fisicamente ao público, na zona dos Anjos, em Lisboa. Desde então, a procura tem sido positiva e não somente por parte das mulheres. “Há muitos homens que frequentam a livraria, o que é fantástico. Quando era online, 99% das compras eram feitas por mulheres. Os homens achavam que não era para eles”, admite Lorena Travassos. Todavia, mostra-se satisfeita por esse sentimento ter mudado.
Educar para o feminismo
Por ser um espaço ainda pequeno, a Livraria Greta é composta por livros que Lorena Travassos indicaria aos leitores. “Temos mulheres escritoras que são maravilhosas e livros que são autopublicações, por exemplo”. Além disso, este é um lugar que privilegia o conhecimento do estilo de género, motivo pelo qual existem também autores de género neutro. Há ainda um espectro que abrange a questão da educação para o feminismo. “Existem vários tipos de feminismo e eu acho que esta é uma livraria para quem quer compreender melhor esta questão. São olhares progressistas sobre a vida da mulher, bem como sobre a sua experiência”, sublinha a professora.
De acordo com a fundadora, este é também um lugar de partilha e, sobretudo, de liberdade. “Quando a mulher está num espaço com qualquer homem, ela sente-se intimidada em falar sobre aquilo que sente. Este acaba por ser um espaço seguro, um lugar de encontro onde as pessoas se sentem à vontade e, acima de tudo, em casa”, explica.
No início, aquando da sua fundação, a Livraria Greta foi alvo de diversos comentários negativos nas redes sociais. Não só por parte de homens, mas também das próprias mulheres. “Existe esse pensamento machista muito enraizado na educação e na cultura das mulheres. O feminismo não deve ser visto como uma certeza, mas como uma eterna construção”, apela Lorena Travassos. Assim, todas as palavras negativas proferidas até então, só vieram dar mais ênfase à importância de se falar sobre o tema. “É importante educar para o feminismo. Existe, claro, um feminismo radical. Contudo, é necessário enfatizar que existem outros feminismos, nomeadamente, um que está preocupado em encontrar uma saída para ter direitos iguais e para que todos os géneros sejam considerados na sociedade”, acrescenta a responsável.
Uma luta eterna
Há cerca de um mês a morar na Rua Palmira 66C, em Lisboa, a Livraria Greta não podia apresentar melhores resultados. O balanço da sua actividade tem sido “super positivo”, não só pelos livros, mas também pelos workshops e debates que, sempre que possível, são realizados, o que agrada a quem por lá passa e faz questão de dizer um “olá”. “São pessoas que agradecem por existir este espaço, por juntar tantos livros e por eu ter tido a coragem de fazer isto”, confessa Lorena Travassos.
Numa vida replecta de avanços e recuos, a professora não tem dúvidas de que ser feminista é mais importante do que nunca. “Na verdade, as coisas estão sempre a regredir. Uma luta feminista acaba, por isso, por ser eterna. Estamos constantemente a andar e depois vem o patriarcado e puxa-nos para trás. Estamos sempre a caminhar em ondas e não propriamente em linha recta”, lamenta.
Além de livraria, a Greta é também um clube que possibilita que, através de uma assinatura anual, os seus membros possam receber livros em casa. Os valores vão dos 95 euros aos 155 euros, com opções para os gostos de cada leitor.
Cátia Barbosa (Jornalista do “Campeão” no Porto)
Texto publicado na edição em papel do “Campeão” de 19 de Outubro de 2023