Zona de Coimbra historicamente associada à sua capacidade industrial nos anos 1960 e 1970, mas que foi afectada pela desindustrialização iniciada nos finais da década de 1980, a Pedrulha pode ressurgir com a ajuda do projecto de Operação de Reabilitação Urbana (ORU) que a Câmara Municipal quer pôr em marcha.
A conhecida zona industrial da Pedrulha, futuramente a reabilitar como área empresarial, prevê um total de 31 acções, quer em espaço público quer em espaço privado, num investimento estimado de 11,54 milhões de euros numa área aproximada de 67 hectares.
A novidade desta Operação de Reabilitação Urbana para a Pedrulha é dedicar 50% do investimento na requalificação da sua principal via para acomodar uma futura expansão do MetroBus a norte (Adémia). O investimento será da Infraestruturas de Portugal e incidirá na Rua Manuel Madeira (antiga Estrada Nacional 1), para uma futura introdução do Sistema de Mobilidade do Mondego (SMM), que irá funcionar com recurso a autocarros eléctricos em canal dedicado.
Se esta é a acção que capta mais a atenção, por exigir maiores recursos financeiros, a grande parte do programa previsto está centrado na criação de espaços verdes, percursos pedonais, requalificação de ruas, reconstrução de alguns arruamentos e demolição de alguns anexos, numa zona historicamente associada à sua capacidade industrial, mas que se transformou “numa área deprimida em termos de vivência urbana”, conforme se refere nos documentos que estiveram em debate numa recente reunião da Câmara de Coimbra.
O Anel da Pedrulha
Para além do investimento na antiga EN1 para um futuro troço do MetroBus, está previsto a Câmara aplicar cerca de 1,6 milhões de euros para a construção do troço do chamado “Anel da Pedrulha”, previsto no Plano Director Municipal (PDM) e que se desenvolve entre o nó da Pedrulha e a rotunda do Loreto.
No documento do Município realça-se que a construção desse anel “é fundamental para ligar esta área à nova estação multimodal” (actual Coimbra-B), tendo como objectivo “minimizar o trânsito rodoviário que chega ao centro da cidade, distribuindo-o para poente/nascente, a partir do nó da Pedrulha”.
O canal para o MetroBus e o Anel da Pedrulha são as duas intervenções de maior dimensão inscritas na ORU, mas está também prevista a construção de rotundas, eixos e arruamentos dentro da antiga Estaco, requalificação da Rua António Sérgio e, ainda, a criação de percursos pedonais que liguem cotas altas e baixas daquela zona.
Recorde-se que em 2021 foi aprovada a delimitação da Área de Reabilitação Urbana (ARU) da Pedrulha, que já estipulava a redução de taxas e da política fiscal para operações de requalificação naquela zona, isto porque há edifícios de maior dimensão associados àquela zona industrial que se encontram em mau estado de conservação e/ou ruína.
Para além da excepção da antiga Fábrica da Cerveja, recuperada pela Plural, e do edifício da Fiaco que se mantém através de espaços arrendados a várias actividades, os edifícios da Triunfo-Bolachas e da Triunfo-Rações encontram-se em mau estado de conservação e a Estaco quase na totalidade em ruína.
Tornar a área urbana
O espaço público existente também não apresenta espaços de lazer, com a Rua Manuel Madeira a manter um carácter de estrada não urbana quase sem passeios, com estacionamento a ser feito nas bermas, ausência de árvores e sem condições de conforto e segurança nas paragens de autocarro que ali se encontram. Estacionamento aleatório e passeios ausentes, ou em más condições, são também características identificadas nas restantes ruas da área a ser intervencionada, querendo-se, com tudo isto, reverter “uma área que está deprimida em termos de vivência urbana”.
O projecto da Operação de Reabilitação Urbana (ORU) irá ser colocado a discussão pública, nos termos do previsto no Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, pelo período de 20 dias. Com entrada em vigor, o prazo de execução da ORU é por um período de 10 anos, com possibilidade de prorrogação por mais cinco anos, atingindo-se, assim, o âmbito temporal máximo de 15 anos estabelecido na lei para a vigência de uma ORU.
O documento também apresenta um quadro de apoios e incentivos às acções de reabilitação executadas pelos proprietários e demais titulares de direitos – incentivos de natureza fiscal (IMI, IMT, IRS e IVA) e incentivos municipais, nomeadamente na redução de taxas municipais previstas no Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação (Taxas e Compensações Municipais de Coimbra).
Da pujança empresarial ao declínio
Nos finais da década de 60 encontravam-se instaladas na Pedrulha indústrias como a Fiaco, Malhas Rendinhas, do sector têxtil; Gomes Porto, Fonseca &Seabra, Abel Machado, Domingos Baptista, Luso-Mecânica, Saturno (chumbos de caça) e Litografia Coimbra, do sector do metal/mecânica; Triunfo-Bolachas, Triunfo Rações e Matadouro Municipal, da indústria alimentar; Estaco Cerâmica; Firmino Batista, mármores; Fábrica da Cerveja e distribuidora Unacel.
Também o sector automóvel começa a ter representação nesta zona, através da Auto Sueco (Volvo) e instala-se o primeiro conjunto de armazéns (Teixeira Lopes), na época, dedicados à recolha de materiais usados: papel, ferro velho, etc.
Uma década depois, a vitalidade industrial da Pedrulha fica demostrada pela expansão das unidades fabris da Estaco, Fiaco, Cerveja e Triunfo, a instalação da transportadora Jaime Dias, pioneira nos transportes de mercadorias e mais uma indústria metalomecânica, a Lumel.
A nível de equipamentos relevantes são aqui instalados a Escola Preparatória Rainha Santa Isabel (transferida nos finais dos anos 80) e os Serviços de Formação Profissional, actualmente IEFP.
Em meados da década de 80 algumas das fábricas continuam a expandir-se, numa lógica de aproveitamento máximo dos terrenos/logradouros e surgem novas construções e usos, como armazéns e escritórios, demonstrativos da dinâmica e atractividade desta área. Por esta altura percebe-se já a ausência de um plano que regule a implantação destas construções e volumes sucessivos são edificados e acrescentados aos existentes, sem uma estrutura viária e de alinhamentos coerente que os suporte e estruture este território.
A década de 90
No início da década de 90 (do século XX), o IC2 garante uma nova acessibilidade rodoviária a esta área através do “Nó da Pedrulha”. Consolidam-se os “loteamentos” a nordeste, preenchem-se terrenos ainda vazios confinantes com os arruamentos existentes e continua a lógica de construção nova nos logradouros. A noroeste começa a surgir um novo loteamento destinado a armazéns que será consolidado até ao final da década
Em Setembro de 1994 é aprovado, em reunião de Câmara, o “Anteplano de Pormenor da Relvinha”, que assentava na abertura de novas vias, preenchimento de espaços (ainda) vazios com novas edificações e substituição (pontual) de construções existentes. Este anteplano não teve seguimento, encontrando-se apenas executado, no final da década de 90, o já previsto troço de ligação Nó da Pedrulha/ex-EN1
No início do século XXI começa a demolição e degradação do património industrial da Pedrulha, edifícios de carácter modernista, que desde os anos 50/60 marcaram a paisagem deste local: a demolição da Fundição Gomes Porto e do Matadouro, o encerramento das fábricas Triunfo, Estaco, Cerveja e Fiaco e a degradação das instalações.
Apesar da desindustrialização, e consequente desemprego em massa que esta gerou, esta zona tem-se mantido activa com outras valências, como as de armazenagem/logística e de comércio,sobretudo no ramo automóvel, incluindo oficinas de reparação.
O ensino profissional, como o Instituto do Emprego e Formação Profissional, a CEARTE e mais recentemente a escola Beira Aguieira, que ocupa parte das antigas instalações da ACIC, assim como as piscinas municipais Rui Abreu e o Arena Sports, são equipamentos que movimentam pessoas, também, de outros pontos e, portanto, de importância relevante para a dinamização do local.
Texto: Luís Santos
Publicado na edição em papel do “Campeão” de 12 de Outubro de 2023