Coimbra  14 de Julho de 2025 | Director: Lino Vinhal

Semanário no Papel - Diário Online

 

Joana Gil

Para vermos melhor, menos luz

1 de Setembro 2023

Ainda não há muitos dias o hemisfério norte foi presenteado com a chuva de estrelas provocada pelas Perseidas. Calhou eu estar nessa altura pelos lados da Pampilhosa da Serra, o que me proporcionou condições privilegiadas para desfrutar do espectáculo que é o céu nocturno. Estando numa pequena aldeia, uns quantos passos bastaram para que os candeeiros ficassem para trás e então foi só deixar que os olhos, uma vez habituados à escuridão, se deslumbrassem com o maravilhoso manto negro pontilhado de luzinhas cintilantes.

Na Bélgica não se tem a mesma facilidade. O país é tão densamente povoado e iluminado que nos mapas de poluição luminosa disponíveis (recomendo o sítio lightpollutionmap.info) o seu território é um enorme borrão luminoso, sem margem para descanso no que toca à avalanche de luz a que se é sujeito noite fora. Mas quem é que, morando em Coimbra, consegue espreitar à janela às 22h00 sem naufragar no excesso de luz? Se é certo que Coimbra e Bruxelas estão longe do inferno luminoso de cidades como Hong Kong ou Singapura, é também verdade que 99% dos habitantes da Europa vivem sob “céu luminoso” à noite.

Nunca tive oportunidade de acompanhar as observações nocturnas organizadas pelo Observatório Geofísico e Astrofísico da Universidade de Coimbra. Suponho que o telescópio Monteiro da Rocha permita ao comum cidadão aceder a belezas inacessíveis a olho nu e ultrapassar com mais facilidade as barreiras impostas pelo excesso de iluminação, mas não deixa de ser pena constatar que, como dizia um artigo do jornal Público, “a luz artificial está a roubar-nos a noite”.

A iluminação pública tem um papel fundamental no conforto e segurança dos cidadãos, mas a luz artificial, como quase tudo na vida, deve ser utilizada com conta, peso e medida. Infelizmente, a difusão dos sistemas LED tem contribuído para uma explosão de luz nocturna em vários pontos do globo: os consumos mais baixos, associados a uma iluminação mais potente, têm levado a que as anteriores lâmpadas “amarelas” sejam substituídas por iluminação branca, que dificulta grandemente a observação do céu. Ao contrário do que sucede noutros países europeus, em Portugal tem-se optado por iluminar tanto quanto possível, mesmo quando seria tecnicamente viável utilizar menos luz (e, já agora, poupar energia). Vigora em relação à luz a ideia de que quanto mais melhor, sobretudo se for barato.

Vi com interesse que a Câmara Municipal de Coimbra está a avançar na Baixa com um novo sistema de luminárias inteligentes, direccionadas para as zonas onde a luz faz falta (tipicamente, o pavimento) assim evitando a dispersão de luz por edifícios e céu. Isso é em si mesmo muito meritório, e certamente diminuirá a poluição visual voltada para o céu. Mas não esqueçamos que as pessoas que circulam por baixo dessas luzes LED continuarão a ser expostas a luz demasiado branca, e a cidade perde o charme e aconchego conferidos pela luz amarela das lâmpadas incandescentes. Os nossos decisores não podem deixar-se inebriar pelas vantagens do LED. A iluminação nocturna deve estar só onde faz falta. E assim poderemos todos dormir melhor, quem sabe depois de admirar o céu nocturno – um luxo sempre gratuito!

(*) Em Bruxelas