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Semanário no Papel - Diário Online

 

Hernâni Caniço

Organizações e Associações, nem tudo o que parece é

1 de Setembro 2023

A nossa esperança no futuro, o ideário solidário solidamente assumido, acreditar em causas e momentos de glória não se coadunam com oportunismos não conjunturais, sagacidade para a esperteza saloia ou de salão, sociedade sem quartel, momentos de desilusão, mescla de oportunistas e vigaristas mesmo.

Estamos em época de crise. Para a qual nem todos contribuímos por igual, e nem todos pagamos por igual. Se bem pensado, há sempre uma crise que espera por nós: económica com justos e pecadores, financeira com mercado e especulação, de valores com perda de referências e até insidiosa corrupção, ou de voluntariado com o egoísmo como epidemia.

Os clubes desportivos (futebol, etc.) podem ser considerados importantes, pelo estado de união perene e satisfação que originam, pelo quadro de emoção e paixão que despertam, ou pela explosão de agressividade e fanatismo que bufam. Ou podem ser tidos como pouco importantes, pelo seu estatuto de classe (económica) superior e baixo carácter e pontapé na gramática, pela actividade não essencial à vida humana (mas complementar), ou pela inveja das regalias dos titulares ou desdém por rivalidade doentia.

Os grupos culturais (teatro, cinema, literatura, folclore, etc.) podem ser vistos como importantes, pela educação e formação que proporcionam, pela necessidade humana de fruição do acto cultural, por ser um meio de repouso, interpretação do conhecimento e prazer. Ou podem ser julgados pouco importantes, por não serem um recurso e um bem produtivo prioritário, por ignorância da expressão e da arte, por constituírem uma perturbação para o status elitista adquirido.

As agremiações recreativas e de lazer (jogos, torneios, outras diversões) podem ser apontadas como importantes, por serem um escape para os estímulos stressores, pela cultura física de participação ou apreciação, ou por valorização da competição, preguiça ou alegria. Ou podem ser encarados como pouco importantes, por serem consideradas aborrecidas e desmotivantes, por conterem uma panaceia não desejável, ou por serem grupúsculos pacóvios ou de iliteracia.

Associações cívicas

As associações cívicas (comissões, causas, petições, etc.) podem ser reputadas como importantes, por serem consideradas o culto do civismo e da positividade, por serem a intervenção cívica em cidadania e mobilização, ou por serem a mudança necessária e complementar à acção estatal. Ou podem ser avaliadas como pouco importantes, por se imiscuírem no formalismo regulamentar estabelecido, por serem um meio de persuasão pessoal e pressão organizada, ou por gerarem causas perturbadoras e instabilizadoras.

Os partidos políticos (quaisquer que sejam) podem ser apreciados como importantes, por serem veículos de legitimidade democrática, pelo exercício do poder identificado em proximidade e serviço público, ou por haver expressão de ideias para o bem comum. Ou podem ser pesados como pouco importantes, por incoerência e compadrio reinante, por classismo aristocrático e imunidade, ou pela sumptuosidade e promiscuidade evidente ou oculta.

As organizações humanitárias (ONGD, IPSS, etc.) podem ser olhadas como importantes, pelo seu exercício de função social benemérita, por serem recursos humanos elogiáveis por princípios, causas e valores, ou por terem dedicação à comunidade sem privilégios. Ou podem ser classificadas como pouco importantes, por haver casos de práticas públicas com fins ilícitos, por intriga e desconfiança, ou por emulação ou inferioridade.

As ONGD (sérias) são a afirmação de cidadania da sociedade civil, e são reconhecidas na União Europeia como indispensáveis para a promoção do bem-estar colectivo, o apoio aos sectores mais fragilizados, a regulação das funções do Estado.

É uma designação que desperta comoção e alegria, principalmente nos destinatários da sua acção, mas também causa ciúme em organismos anquilosados, avidez em quem não percebe os seus objectivos e irritação em quem quereria obter os seus resultados (em trabalho).

Enfim, nem tudo o que parece é, para o bem e para o mal.

(*) Médico