Idealizar, criar, projectar e produzir as suas próprias câmaras fotográficas não é para todos. Arlindo, o fotógrafo da Baixa de Coimbra, da Rua dos Esteireiros, o proprietário da Diorama Estúdios, que se amantizou por essa mancha urbana faz mais de 69 anos, tem queda para o que o puxou para a vida desde os 8 anos. Uma vida que, após a sua Arrifana-Seia natal, trocou, com apenas 13 anos, por Coimbra. Dedicou-se a essa arte, tendo captado milhões de imagens. Passou pela Casa Hilda, na Portagem, onde encontrou Varela Pècurto.
Já lá vai o tempo do “olha o passarinho”, expressão com que se aliciavam, principalmente as crianças, para que o fotógrafo pudesse tirar a foto com a expressão mais apanhada, conseguida do ponto de vista estético e com um sorriso estampado no rosto.
De seu nome de baptismo Arlindo de Almeida Santos, ele é sobejamente conhecido, de e em Coimbra. Os seus laboratórios Diorama, na Rua dos Esteireiros, ali paredes meias com a Igreja de S. Bartolomeu e a Praça do Comércio, projectaram-no nessa sua dinâmica profissional.
Hoje, depois de mais de 69 anos de actividade, o Arlindo converteu a sua casa comercial, ligada à fotografia, num estúdio, num museu, numa galeria de exposições e, ainda, num espaço de cavaqueira, onde os da idade dele, já com mais de 70 anos, se reencontram para recordar velhos tempos e falar dos actuais.
Tem, dentro da loja, no 16, da artéria identificada, uma Exposição. Sugestivo o baptismo: “Coimbra já foi Assim”. Espreitámos. São fotos dos anos 30, 40, 50, 60 e 70 do século passado. Nas duas montras da loja, está lá a foto da praia fluvial, frente ao Choupalinho, com a “colina sagrada” como pano de fundo. Também outra, com a ponte velha que ligava as duas margens, da Portagem para o Rossio de Santa Clara. Arlindo aproveita para esclarecer: ”parte do tramo dessa estrutura está hoje na que liga Ceira ao Sobral Cid”. E outra foto, com a icónica Torre da Universidade, assim como outros apontamentos fotográficos, que emolduram as duas montras da sua casa comercial.
Para o homem que fez da profissão que escolheu, ainda muito jovem, o seu caminho de eleição e foi precursor da introdução de equipamentos de fotografia na cidade, que permitiam, em meados da década de 70, numa hora apenas, a reprodução de fotos, ainda captadas em rolo, está consciente que as novas tecnologias arrasaram o negócio que foi seu ganha pão… Expressivo comenta: “já deu o que tinha a dar, outros tempos que se foram… estamos na era do digital, em que cada telemóvel regista imagens e, muitos, têm boas máquinas de nova geração”.
Tem uma colecção que reúne exemplares das mais afamadas marcas de câmaras fotográficas, de que se destacam a principal, a melhor do mundo, a Hasselbland (de fabrico sueco, mas já nas mãos dos japoneses), Canon, Rolleiflex e Kodak. Agora, são peças do seu museu… de recordações, de episódios e de um ou de outro acontecimento que acabou registado, em papel, depois de reproduzido em laboratório. Espreitou nos visores das “amigas”, durante uma vida, para enquadrar a paisagem e/ou a pessoa, tendo acrescentado factos e casos, reportagens.
Lembra-se que se iniciou no preto e branco para, depois, com a inovação das cores, se mostrar na “tela”, de cada foto, o realismo do que a nossa visão retinha. “Foi um salto brutal” – assinala. Mas, e para o Arlindo, o preto e branco toma uma dimensão, ainda hoje, que nos motiva a olhar e provoca a nossa sensibilidade humana… apesar de não ser um forte apelo aos nossos olhos. Interpela-nos a interpretar a imagem que visualizamos com um outro sentido… A força do “preto e branco” está lá, nas fotografias de ontem mas, e nalgumas de hoje, que são magia para os nossos olhares… Concedeu-nos uma – bois lavram a terra – para ilustrar esta reportagem.
Construiu num mês uma máquina fotográfica
Durante o tempo de covid-19, o Arlindo aprumou-se e tomou garra para construir uma máquina fotográfica com uma lente, de mil oitocentos e noventa. Não foi a primeira, mas esta tem um gosto especial, porque tira fotos de 30X40 cms, uma ULF, ou seja, Ultra Largo Formato. “É material reutilizado, o que se chama de economia circular” – explica. Ouvimo-lo, a propósito, percebendo que os seus olhos lhe brilhavam quando se fala nessa sua criação.
Teve de se socorrer da sua “idiotice” para realizar adaptações nessa sua máquina, porque ao colocar a lente e, dadas as dimensões, verificou que não conseguia chegar com uma das mãos para fazer o reajuste da obturação, da entrada da luz e da focagem. Colocou mecanicamente um aparelho, também elaborado por si. Depois, avaliou outro contratempo: as chapas para revelar, dadas as grandes dimensões da sua “menina dos olhos”, tinham de ter uma tina compatível. Fabricou-a, também, com automatismos. Um engenhocas do arco da velha. Já em catraio, quando andava na escola primária, os colegas chamavam-lhe, carinhosamente, de “engenheiro”…
Um Cidadão e Fotógrafo multifacetado
Arlindo foi galardoado com o Emblema de Ouro de Fotógrafo quando, a 4 de Março de 2013, a Associação de Fotografia Portuguesa lhe atribuiu essa distinção, em homenagem integrada na “Expofoto” desse ano. A 10 de Janeiro de 1970 abriu a Diorama Estúdios, no Largo da Freiria, em Coimbra. Cinco anos mais tarde dá forma ao primeiro Laboratório Industrial de Fotografia a cores, também em Coimbra, tendo sido o percursor, na cidade e na região. Foi um associativista convicto. Em Viseu, quando entrevistado, por volta de 1980, pela Rádio Renascença, lançou o repto aos fotógrafos portugueses para, todos os anos, se reunirem.
Em Fevereiro de 1982, no Casino do Estoril, com 600 profissionais, a nível nacional, realizou-se o 1.º Congresso da Fotografia em Portugal. Só tiveram lugar mais três: dois em Tróia e outro em Viana do Castelo. O “mágico” da fotografia, o Arlindo Almeida Santos, assumiu, durante 12 anos, o cargo de presidente do Conselho Fiscal da Associação Nacional de Industriais de Fotografia. Frequenta, desde 1978, as Feiras Mundiais de Fotografia de Colónia (Alemanha), de Londres e de Barcelona.
O seu voluntarismo e a sua “queda” para a arte volta a estar em evidência quando um lote de 67 das suas imagens foi seleccionado para ser inserido, em Fevereiro de 2016, na obra “A Matemática e Seus Labirintos”, de autoria da Professora Doutora Natália Bebiano da Providência, que foi presidente da Sociedade Portuguesa dessa ciência. Prossegue firme e apaixonado pela arte-profissão que lhe deu caminho e sonhos, os da meninice. Continua, todos os santos dias, a ser o guardião da sua casa comercial e a deixar que o “bichinho” da fotografia o mova, olhando para a vida como quem a vê, através do visor de uma máquina fotográfica, seja a cores ou a preto e branco.
Dois dos netos, Vasco Miguel Silva e Luís Guilherme Coutinho, já seguem os passos do Arlindo. O primeiro, está a frequentar o mestrado em Comunicação Audio-Visual para os Novos Media, na Universidade de Aveiro; enquanto que o segundo é licenciado em multimédia. Ambos gostam de passar alguns tempos pela loja do avô, onde vão dando largas à sua imaginação e vão trocando diálogos com o Arlindo, evidenciando experiências e conhecimentos. Duas gerações, em que o analógico se cruza e se reinventa com o digital.
Texto: António Barreiros
Publicado na edição em papel do “Campeão” de 3 de Agosto de 2023