Coimbra  12 de Outubro de 2024 | Director: Lino Vinhal

Semanário no Papel - Diário Online

 

REPORTAGEM: Restaurante Jardim da Manga: uma refeição no cartão postal de Coimbra

23 de Julho 2023 Jornal Campeão: REPORTAGEM: Restaurante Jardim da Manga: uma refeição no cartão postal de Coimbra

O Restaurante Jardim da Manga está localizado num dos monumentos que são uma referência em Coimbra. A construção, com quase 500 anos, é a vista que os clientes têm à refeição nesta casa que apresenta uma variedade de pratos tradicionais portugueses.
Aberto há 46 anos, o estabelecimento é o ponto de encontro diário de trabalhadores, mas é também um espaço que recebe jantares de estudantes, turistas, grupos de amigos que se juntam semanalmente, famílias e muitos outros visitantes. O “Campeão” conversou com Miguel Dinis, responsável pelo espaço, para conhecer a história deste restaurante localizado num espaço único.

O claustro do Mosteiro de Santa Cruz
Para se entender a particularidade do Restaurante Jardim da Manga, localizado na Baixa de Coimbra, é necessário conhecer a história da construção que envolve o estabelecimento. O Jardim da Manga (não o restaurante, mas sim o local) é um monumento renascentista, construído em 1533 a pedido de D. João III.
Originalmente, a obra era um dos claustros do antigo Mosteiro de Santa Cruz. A partir da planta e da escultura desenvolvida por João de Ruão, o religioso Frei Brás de Barros deu início à construção. O monumento foi pensado e criado de forma a transmitir uma mensagem, estando carregado de simbolismo.
A ideia era utilizar os elementos arquitectónicos para fazer uma representação dos fundamentos cristãos. A inspiração foi a Fonte da Vida, da qual irradiam quatro rios, para os quatro pontos cardeais. Segundo o cristianismo, a Fonte está localizada no Paraíso.
Actualmente, o que remanesce da estrutura é a cúpula e a fonte central, ligada a quatro pequenas capelas, que estão circundadas por lagos, num formato rectangular. O antigo Claustro da Manga, pertencente ao já inexistente Mosteiro de Santa Cruz, era propriedade dos cónegos regrantes da ordem de Santo Agostinho (seguiam regras instituídas a partir dos ensinamentos do Santo).
O Mosteiro de Santa Cruz, por sua vez, acabou por ser demolido com o passar dos anos. Da estrutura original resta apenas a Igreja, localizada na Praça 8 de Maio, e o Jardim da Manga.
Toda a história e unicidade deste espaço faz com que uma ida ao Restaurante (que recebeu o mesmo nome do monumento) seja muito mais do que apenas desfrutar de uma refeição. A bonita vista, que é um cartão postal de Coimbra, enriquece a experiência de quem visita esta casa, fundada em 1977.

O Jardim da Manga era um dos claustros do Mosteiro de Santa Cruz

46 anos de história
O Restaurante Jardim da Manga foi fundado em 1977, por Francisco Almeida. O antigo proprietário vivia em Angola, país em que seus pais possuíam um comércio voltado para o sector de comes e bebes.
Então, em 1975, a família decidiu retornar a Portugal. Posteriormente, “surgiu a possibilidade de ficar com este espaço”, dando início ao estabelecimento, explica Miguel Dinis.
Há cinco anos, Francisco Almeida faleceu e a casa passou a ser propriedade de seus dois filhos, Pedro Almeida e Francisco Almeida (nome igual ao do pai).
Quem está responsável por cuidar do local é Miguel Dinis, colaborador do Restaurante desde os seus 14 anos. “Eu sou natural de Santa Comba Dão. Os meus pais vieram para Coimbra [em 1986], à procura de uma vida melhor. Eu, quando tinha 13 anos, comecei a trabalhar nas férias para ganhar algum dinheiro, porque as possibilidades na altura não eram muitas”, recorda.

No ano seguinte, através de um amigo de suas tias, Miguel Dinis ficou a saber que o Restaurante tinha uma vaga para colaborador. Passou então a trabalhar na casa no período de férias e acabou por ficar definitivamente, subindo de cargo com o decorrer dos anos.
Agora, quando olha para o passado, o responsável declara que estas décadas foram períodos “de muita alegria e muita aprendizagem”, além de ter sido um espaço onde criou laços verdadeiros.
“O meu falecido patrão era o meu segundo pai. Nós somos uma família, apenas dois ou três funcionários estão aqui há dois anos”, os outros trabalham no Restaurante há décadas.

Uma casa que não parou no tempo
Por fazer parte da equipa desde 1987, Miguel Dinis viu a casa mudar com o passar do tempo. Em 2010, por exemplo, foi feita uma remodelação, que permitiu ao local tornar-se “mais funcional” e “vistoso”.
A empreitada requalificou o tecto, as paredes, alterou a disposição do balcão, onde são expostos os alimentos para o serviço self-service, e deu uma nova cara ao negócio. Mas esta não foi a única modificação feita. Esta casa tem apostado na modernização, em acompanhar e se adaptar ao passar dos anos. “Nunca se pode parar no tempo, quem o fizer fica para trás”, defende.
Para isso, optaram por um horário de funcionamento diferente do que os outros comércios da Baixa de Coimbra costumam adoptar (estão abertos aos domingos) e aderiram às principais plataformas de delivery e ao serviço take-away.
Outro mecanismo interessante, disponibilizado aos clientes, é um QR Code que permite, através do telemóvel, visualizar o Mosteiro de Santa Cruz no seu formato original. “Isso foi uma escola, que fez aqui um projecto. Isto é para as pessoas ficarem a saber como era antigamente. Há também uma mostra do actual com o de antigamente [comparação]”.
Outro serviço diferenciado é a distribuição de panfletos turísticos aos clientes. “A Câmara Municipal dispõe de mapas para dar às pessoas. Nós temos a particularidade de ir buscá-los, e a autarquia também os oferece, e facultamos quando pedem. É quase como um posto de turismo”.
Há também flyers que contêm detalhes sobre a história do Jardim da Manga e sobre o Restaurante, para além de um pequeno mapa. As informações estão disponíveis em português, inglês e francês.
“Atender o cliente não é só servir à mesa, não é só colocar um prato à frente, isso qualquer um faz. Nós temos que lhe dar atenção. Muitas vezes, somos o primeiro contacto turístico para os que vêm a Coimbra”, elucida.
Vale destacar que muitos dos clientes que passam pelo Jardim são turistas, embora não sejam os únicos. Trabalhadores na cidade e estudantes também fazem parte da clientela habitual da casa. “Temos clientes que já vêm cá há 40 anos”, salienta.

 

O Restaurante Jardim da Manga foi fundado em 1977, por Francisco Almeida

 

A Baixa
Os estabelecimentos localizados na Baixa de Coimbra viram a importância comercial da zona diminuir no decorrer das décadas. A explicação para este fenómeno reside em diversos factores: mudança das lojas âncoras (deixaram o local), abertura dos centros comerciais e a falta de estacionamento, entre outros.
Segundo Miguel Dinis, a incapacidade da Baixa de “se adaptar aos novos tempos” foi também um impulsionador desta situação. A questão dos horários de funcionamento, já que os comércios têm o hábito de encerrar “por volta das 18h30” e de não funcionar aos domingos, é um dos exemplos citados.
Outro ponto levantado pelo responsável é a falta de lojas com renome, que sejam mais conhecidas, e que normalmente preenchem as partes urbanas de grandes cidades, como Lisboa ou Porto. Este tipo de comércio “chama clientes e todos iam usufruir disso”, já que, mesmo que os clientes estivessem à procura de uma loja específica, poderiam se interessar por outras ao redor e acabar por comprar.
“Coimbra é uma cidade de serviços e não podemos estar só à espera do turismo. O turismo é importante, mas não é só”, evidencia.

Para visitar
O Restaurante Jardim da Manga está aberto de segunda a sexta-feira e aos domingos (sábado não funciona), entre as 8h00 e as 23h00. Os horários de almoço e jantar são 12h00-15h00 e 19h00-21h30. Nos outros momentos em que estão abertos, servem pequeno-almoço e lanches.
A casa dispõe de serviço self-service ou de mesa (jantar). Todos os dias há duas opções de peixe e duas de carne (variam diariamente), para além dos pratos fixos.
A comida tradicional portuguesa é acompanhada de “um monumento único no mundo”, complementa Miguel Dinis.

Fernanda Paçó
»» [Reportagem da edição impressa do “Campeão” de 20/7/2023]