Uma Residência Universitária, com 25 quartos (todos com wc privativo), divididos por dois pisos, está a ser implementada, em fase final, pela Santa Casa da Misericórdia de Coimbra, no antigo edifício do Instituto Missionário do Sagrado Coração de Jesus, dos Padres Dehonianos, situado em Montes Claros, num reduto nobre da cidade.
Essa modernizada e adaptada estrutura vai abrir a estudantes já no início do próximo ano lectivo de 2023/24 – anunciou ao “Campeão” o Provedor desta instituição, José Manuel Vieira.
As instalações, que foram adquiridas há um ano, em regime de comodato (25 anos mais 25), pela Santa Casa da Misericórdia de Coimbra a essa Ordem Religiosa, localiza-se numa área de referência da cidade.
O Provedor e a sua equipa, de que fazem parte figuras conimbricenses de reconhecidas áreas de actividade, tomou para esse projecto de fundo a recuperação e a reconversão daquele edifício que tem uma marca de todos conhecida: a cúpula da Igreja adjacente, encimada por uma cruz.
A Santa Casa da Misericórdia de Coimbra tem demonstrado que é uma instituição, apesar dos seus cinco séculos, que persegue os tempos, principalmente, os que se perfilam no domínio do social e da solidariedade, com uma dinâmica que a faz ressurgir no todo nacional. A vertente universitária era uma área que a Misericórdia de Coimbra gostava de abraçar para, apresentando condições dignas e valências suplementares apelativas, com preço módico (vai ser revelado, em breve, o valor/quarto), colaborasse com as famílias que procuram acomodações, a valores justos, não especulativos, na cidade, conforme nos observou o Provedor, José Manuel Vieira.
O próprio, quanto sabemos, tem dedicado o seu labor e o seu esforço de gestão, nos últimos 22 anos desse “ofício”, a um caminho que aposta ser de renovação e de requalificação dos equipamentos, para que possa melhor servir os preceitos-intenção da instituição. Das mais antigas de Portugal, a Santa Casa da Misericórdia de Coimbra tem a data da sua fundação cravada nos anais do ano de 1500, quando a Rainha D. Leonor, suportada pelos ideais do Rei D. João II, seu marido e, também, primo, criou essa “capa” de intervenção na sociedade portuguesa para acudir aos mais desvalidos.
Estava equacionada uma Creche, mas quando o Estado decidiu tornar essas estruturas gratuitas, pagando – disse o nosso interlocutor – “um valor ridículo por criança – 470 euros – tornou-se impossível gerir esta área”. E comentou: “quero dizer-lhe que a nossa Creche Margarida Brandão, com uns 12 anos de actividade, nunca deu prejuízo, mas tudo leva a crer que, e pela primeira vez, por força da política do Estado para esse vector de apoio à infância, vamos somar 25 mil euros negativos, no fecho do presente ano lectivo”.
Também uma Residência Sénior Assistida
“Havia um projecto global para este edifício, aqui em Montes Claros, mas deixámo-lo cair. As expectativas que tínhamos acabaram furadas. Não se fala mais nisso…”. Agora, o nosso foco é uma Residência Universitária com todo o tipo de valências. O “Campeão” visitou-a, com o Provedor José Manuel Vieira. Gostámos do que vimos sem avaliarmos luxos, antes amparada pela funcionalidade dos equipamentos que valorizam todo o projecto, como espaços de leitura, áreas de descanso e de lazer, sala de refeições com apoio de uma cozinha, lavandaria, campo de padell, estacionamento, etc.
Daqui por um ano e meio, confidenciou-nos, “vai nascer, atrás do actual edifício, uma Residência Sénior Assistida, com base numa estrutura modelar, ideia em concepção do arq. Florindo Belo Marques que, em princípio, a Visabeira executará. Aguardamos que a empresa nos entregue o projecto”.
O Provedor em presença é um atarefado e apaixonado cidadão pela obra: “é um orgulho rever-me na história de solidariedade e de valores humanos desta instituição. A vivência que tenho experienciado aqui é como um verdadeiro vírus, o do benfazer, do bem comum, dos preceitos da fraternidade e da ajuda ao próximo…o de dar voz aos desfavorecidos, amparando-os”.
Como nota que encaixa no diálogo que estabelecemos com o Provedor da Misericórdia de Coimbra, o apontamento que reforça a amplitude da criação dessa Residência Universitária, em Montes Claros: “numa das últimas Assembleias da instituição, na qual o assunto principal era a apresentação da nova obra, um vizinho que vive frente a essas instalações regozijou -:“vai ser num espaço nobre da cidade, mas com cheiro a aldeia”.
Futuro das Misericórdias, da incerteza a um trajecto sinuoso
As Misericórdias estão, por assim dizer, no fio da navalha porque – manifestou o Provedor da de Coimbra – “estão a ficar atrofiadas com as condições leoninas que o Estado lhes estabelece, recebendo do Poder Central verbas diminutas, faces aos custos actuais de tudo”. E, como quem retira da cartola um coelho moribundo, desabafa: “Há anos, este primiero-ministro queria atingir a cobertura de 50% do custo de um sénior nos lares. Continuamos a receber cerca de 30 a 35%, o que é inviável para vivermos”.
Recordando que o Presidente da República, no último Congresso das Misericórdias, questionou o Governo sobre se queria ou não estar ao lado dessas instituições, José Manuel Vieira traça um futuro de incerteza e um trajecto sinuoso para essas obras de solidariedade social. Em sua opinião, se “o Estado não pagar convenientemente os serviços que as Misericórdias lhes presta, em domínios da assistência, a milhares de utentes, fará perigar um dos pilares cimeiros dessa pirâmide de função social”.
Lar de S. Martinho, um edifício degradado da Segurança Social
O edifício de S. Martinho, onde a Misericórdia de Coimbra centra, desde 1985, um Lar, um Centro de Dia e um Apoio Domiciliário para Séniores, o CATI – Centro de Apoio à Terceira Idade, que é propriedade da Segurança Social, está numa situação de degradação total. O Provedor lamenta e deixa dedos nas feridas. Depois de deixar claro que as obras de conservação e manutenção são da responsabilidade dessa Entidade do Estado que nunca as executou, desde há 38 anos, José Manuel Vieira anuncia-nos que a Misericórdia mandou elaborar um projecto de recuperação e alargamento dessas instalações, o qual já foi aprovado pela própria Segurança Social (já faz uns dois anos), obras cujo custo se elevariam a 5,5 milhões de euros. “Quisémos colaborar, com a intenção de “provocar” no bom sentido a Segurança Social para assinalarmos, em breve, o arranque dos trabalhos de beneficiação por parte dessa Entidade do Estado. Não nos move qualquer interesse de beliscar a Segurança Social, apenas que venha a agir no prossecução do contratualizado com a nossa Instituição, em termos de instalações, de senhorio para arrendatário”.
E mais argumentou: “Aguardamos o desenrolar deste processo para que, dentro de poucos anos, não nos acusem de não termos colaborado para explicitar uma solução plausível e exequível para umas instalações que estão uma lástima”.
Em toma de remate: “Não será para benefício da Misericórdia de Coimbra, mas para os utentes e, também, para o próprio Estado que deve pugnar pelos seus bens, os quais são públicos, de todos”.
Texto: António Barreiros
Publicado na edição em papel do “Campeão” de 20 de Julho de 2023