O nome não engana: Sabão com Arte é um projecto que une o cheiro e o artístico, numa combinação que destaca o lado social e revela o melhor de Coimbra.
Implementado há cerca de sete anos, pelo do Centro Integrado de Apoio Familiar de Coimbra, (CEIFAC) o projecto Sabão com Arte surge da necessidade de apoiar quem mais precisa, sem esquecer que a região de Coimbra transborda história em cada canto. No fundo, trata-se de uma iniciativa de inovação e de empreendedorismo social que se dedica a rememorar e a recriar a velha tradição da saboaria em Coimbra à qual associa uma nota de divulgação de arte e arquitectura local e nacional – daí “sabão com arte” –, ao mesmo tempo que prossegue um fim eminentemente social, desenvolvendo um negócio social que tem como objectivo possibilitar a jovens provindos de meios desfavorecidos a aquisição ou a potenciação das suas aptidões profissionais, visando incrementar as suas condições de empregabilidade e de exercício de uma profissão.
“Na Sabão com Arte o objectivo é ajudar as pessoas que têm dificuldades em arranjar emprego, tentar ajudá-las a consegui-lo de forma mais fácil, quer em termos de estágio quer em termos de qualquer colaboração, assim como preencher os nossos postos de trabalhos”, começou por referir Maria João Vieira, directora da Associação CEIFAC e responsável pelo projecto Sabão com Arte.
No entanto, este projecto carrega uma outra vertente. Com mais de 20 anos, o CEIFAC lidera muitas iniciativas das mais variadas áreas de apoio social em que grande parte acaba por apoiar as famílias em todas as fases do ciclo vital. Contudo, muitos desses projectos acabam por chegar ao fim assim que o financiamento atribuído se esgota, ficando muitas vezes o processo de apoio a meio. Desta forma, o CEIFAC procurou encontrar uma ideia em que ao implementar-se se pudesse tornar auto-sustentável. “Surgiu a ideia de desenvolver um projecto que tivesse um produto vendável, que fosse útil e que as pessoas pudessem adquirir e assim ajudar a iniciativa a ter continuidade. Assim nasce o projecto Sabão com Arte com estas duas vertentes: a necessidade financeira e a vontade de ajudar as pessoas que tinham dificuldades em arranjar emprego”, sublinhou.
Situada na velha Couraça dos Apóstolos, na Alta de Coimbra, com instalações modernas, planeadas para o efeito e devidamente apetrechadas, a saboaria de Coimbra que produz Sabão com Arte recupera e recria uma antiga receita, provinda do Código Pharmaceutico Lusitano ou Tratado de Pharmaconomia de 1835.
“Recriamos uma tradição de Coimbra que foi muito forte na segunda metade do século 19 e na primeira metade do século 20. Em Coimbra existiram várias fábricas de sabão e por isso quisemos reavivar e recuperar essa tradição de Coimbra. Em simultâneo quisemos ligar um bocadinho a arte e a história da arte ao nosso projecto, o património histórico e cultural da cidade de Coimbra”, afirmou Maria João Vieira que adiantando que muitas das gravuras presentes nos sabonetes são relacionadas com a Universidade de Coimbra, os azulejos do Claustrim e do Museu da Misericórdia de Coimbra, a Igreja de Santa Cruz, a Rainha Santa Isabel, entre outros.
Neste momento, a marca já retrata gravuras também de outros pontos do país, como as chitas portuguesas e os bordados de Viana.
Produção do sabonete
Inspirado na Rainha Santa Isabel, o aroma do sabonete produzido na Sabão com Arte conjuga o subtil perfume das rosas com a delicadeza do óleo de amêndoas doces. A sua produção preenche todas as exigências e requisitos técnico-legais, nacionais e europeus, em matéria de produção de dermocosméticos e respeita os mais modernos padrões de produção de sabonetes de óleos naturais.
O processo de fabrico do sabonete é longo. Depois de produzida a base com a mistura dos ingredientes do sabonete até que se chegue ao ponto certo de consistência, esta é colocada em moldes e, depois de aí repousar dois ou três dias, é cortado, passando depois pelo processo de secagem que pode demorar até quatro meses. No final são embalados e personalizados, e podendo os seus adquirentes escolher a imagem ou mensagem que queiram colocar no sabonete.
Maria João Vieira explica que o processo tradicional, que é a saponificação, é muito específico e que grande parte das pessoas não conhece, daí não entenderem muitas vezes o elevado preço dos sabonetes. “Na realidade, para além das matérias-primas que não são baratas, desde o dia que o sabonete é produzido até que é vendido estamos a falar em vários meses. Isto faz com que a mão-de-obra que precisamos de ter até ser vendido ao público tem um preço enorme e reflecte-se na comercialização ao público. Ao explicarmos tudo isto as pessoas percebem porque na realidade um sabonete assim fabricado tem que ser mais caro”.
Tornar a marca conhecida
Sabão com Arte é já uma marca de referência tendo em conta todo o seu processo de implementação, no entanto, para Maria João Vieira o que falta é as pessoas conhecerem melhor este produto e o projecto em si. Considerando os turistas os principais clientes, a responsável desta ideia quer mostrar às pessoas da terra o trabalho que é feito. “Sentimos que os conimbricenses têm interesse no projecto, podem é não o conhecer. Quando ouvem falar do projecto ficam fãs e procuram conhecer melhor os sabonetes. A nossa dificuldade está mesmo aí, mostrar o que realmente fazemos. O local onde estamos, apesar de ser na Alta de Coimbra e na zona histórica classificada, é uma rua com relativamente com pouco movimento, não está nos trajectos turísticos que normalmente são divulgados, é muito íngreme e por isso não é fácil de andar a passear por ali. Mas ainda assim todos que conhecem o projecto acabam por ficar surpreendidos e muito agradados”, sublinha Maria João Vieira.
A Sabão com Arte, para além da loja, tem os seus produtos exposto para venda em vários locais, designadamente no Portugal dos Pequenitos, no Hotel da Quinta das Lágrimas, na Confraria da Rainha Santa Isabel e via online através do seu site. “O nosso objectivo é arranjar mais locais onde os sabonetes possam ser vendidos”, revela a responsável.
Para além da venda nos pontos de venda, a Sabão com Arte aceita encomendas de sabonetes para múltiplas finalidades: ofertas institucionais, divulgação de produtos, reuniões de curso, festas familiares como para baptizados, comunhões e casamentos. Nos casamentos da Rainha Santa Isabel que se realizaram no passado dia 2 de Julho foram oferecidos a cada casal que trocou alianças conjuntos de dois sabonetes em forma de rosas embalados num saquinho, em honra da Rainha, acompanhado de um cartão alusivo aos casamentos com os respectivos nomes dos noivos de cada casal, para que estes os pudessem oferecer como lembrança aos seus convidados.
Olhos no futuro
Com a actividade a iniciar-se de forma mais acentuada em 2017, o projecto abriu portas à sua loja em 2019 para começar a vender os seus produtos. Porém, os tempos tornaram-se difíceis, pois logo no ano seguinte instalou-se a pandemia que veio a prejudicar muito o negócio. “Efectivamente isso foi um desastre para nós, porque não tínhamos bases financeiras que nos pudesse ajudar na altura, e, portanto, atravessámos a pandemia com uma dificuldade enorme, com a loja fechada e os encargos que tínhamos que continuar a satisfazer”, realça Maria João Vieira.
Com os melhores tempos já restaurados e com tudo a viver a normalidade de volta, a directora do CEIFAC acredita que é altura de voltar a acreditar. “Sentimos que agora as coisas estão a funcionar melhor e por isso temos esperanças que possamos recuperar das dificuldades do tempo de pandemia e que as coisas comecem a evoluir positivamente e possamos vender mais sabonetes”.
Este desejo vai ao encontro do objectivo principal, o de apoiar jovens na busca dos seus empregos. “O nosso objectivo é desenvolver a saboaria ao ponto de vendermos muitos sabonetes e assim criar postos de trabalho. É preciso vender muitos sabonetes para pagar um salário e por isso tem havido essa dificuldade. Inicialmente começámos com dois postos de trabalho durante um ano, mas ao fim desse período tivemos de reduzir por não haver possibilidades financeiras de manter o mesmo número”, conta.
Maria João Viera sublinha que gostava de fazer “desta unidade produtiva um local onde várias pessoas pudessem ter o seu posto de trabalho” e que pudesse ser também uma ponte para outras saídas desde o seu início.
Cristiana Dias
»» [Reportagem da edição impressa do “Campeão” de 20/7/2023]