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Semanário no Papel - Diário Online

 

Joana Gil

Desfrutar das diferenças

21 de Julho 2023

Hoje em dia, por toda a Europa podemos encontrar, sem especiais variações, frutas que não crescem naturalmente no Velho Continente. Ao longo de todo o ano podemos desfrutar, em Coimbra como em Bruxelas, de manga, abacaxi ou papaia. Quando penso nas diferenças entre estas duas cidades, o mais interessante é comparar as frutas mais prosaicas e menos exóticas. É aí que a experiência de sair da “nossa terra” se aprofunda mais um pouco, ora deslumbrando-nos, ora desiludindo-nos.

Quem já procurou uma nêspera na cidade de Bruxelas sabe do que falo. Em vão se vasculharão supermercados, frutarias, lojas ‘gourmet’, grandes superfícies. As nêsperas são um universo desconhecido dos belgas. Já em Portugal, esta deliciosa fruta de origem asiática é coisa banal quando chega o tempo quente. Em Bruxelas só se pode encontrar em lojas portuguesas. Em Coimbra, as nêsperas pendem das árvores, no meio da rua.

Outra curiosidade são os figos. Os pingo de mel, meus preferidos, não estão disponíveis em parte alguma. Mas encontra-se com alguma facilidade o figo roxo, um pouco maior – vendido à unidade, como verdadeira iguaria que deveria ser. Comprei alguns nos meus primeiros anos na Bélgica, mas depois de decepções sucessivas percebi que não se tratava de má sorte. O problema é que, comprem-se seja onde for, os figos que se comercializam na Bélgica são de uma qualidade que se me oferece classificar como seca e sensaborona. Se os figos que eu comi ao longo da minha vida tivessem sido todos assim eu não hesitaria no veredicto: “não gosto de figos”. Pobres belgas, que não sabem o que é um figo. A expressão “chamo-lhe um figo” não deve fazer qualquer sentido para um belga.

Impõe a verdade que se diga que nem só de vitórias lusitanas reza este confronto frutícola. Os belgas têm grande orgulho nos seus morangos, por exemplo, e com fundadas razões. São doces, sumarentos, com acidez ideal e de um vermelho lindíssimo. Nunca comi um morango belga que me desiludisse. A questão é sobretudo a de saber se o próximo morango será tão bom como o anterior ou melhor ainda.

Mas este brevíssimo retrato sobre as diferenças entre países não ficaria completo se eu não partilhasse um icónico momento das minhas banais incursões ao supermercado, no caso concreto no Outono. Vi uma raridade à venda: marmelos, que eu adoro para um assado ou para marmelada. Ainda para mais, bastante acessíveis: 2,5 euros. Não eram particularmente grandes, mas só pela graça coloquei uns cinco num saco. Já na caixa, a senhora que me atendia olhou perplexa para aquele achado: “São pêras?”, perguntou-me em francês. “Não”, respondi eu. E disse-lhe que eram “coing”, o nome habitual para marmelos em francês. “Ah, nunca tinha visto! Sabem a quê?”. Expliquei-lhe que não se comem crus, podem ser cozinhados para acompanhar um prato ou servir para fazer uma espécie de doce. Mais esclarecida pesquisou o fruto no programa informático e indicou-me o preço: 2,50 euros… a unidade. E assim se consumou o choque cultural: a senhora que não sabia o que me vendia, e eu que não sabia o quanto aquilo custava por terras belgas…

(*) Em Bruxelas