Os vulgares pardais, que faziam das árvores do Jardim da Sereia, das circunvizinhas da Praça da República e de outras artérias de Coimbra o seu “hotel” favorito de pernoita – segundo revelou ao “Campeão” o investigador botânico Jorge Paiva – já não voam para esse espaço urbano.
Já não se ouve o chilrear da passarada. Todos os finais de tarde, com relevo para os da Primavera, Verão e parte do Outono, num bailado incrível, cada ave tentava acoitar-se no ramo da sua árvore, para pernoitar.
O ex-docente Jorge Paiva, um cientista votado às causas do ambiente, com quem conversámos, deixa uma explicação plausível para essa debanda: “com o emparcelamento das terras no Baixo Mondego e, também, com a introdução do excesso de agro-químicos, principalmente na cultura do arroz, os pardais tiveram uma elevada extinção”.
A mesma figura, já com 90 primaveras cheias de memórias e de sapiência, abordou outro tema que casa com aquele. Para Jorge Paiva o cultivo do milho, também praticado no Vale do Mondego, era feito, antigamente, com intervalos, para a monda e tratamento, de forma alinhada com leiras largas. Agora – notou – “é semeado muito junto, o que não permite o crescimento de ervas nos solos, prejudicando a vida às aves granívoras”.
Jorge Paiva antecipou a ideia de que “muitas aves deixaram os seus ecossistemas naturais e procuraram as cidades, como Coimbra, porque não existe poluição química nalguns solos urbanos. É o seu refúgio”.
Aproveitámos o nosso encontro para questionar esse ambientalista sobre um ou outro dos “segredos” que pudesse divulgar. Falou-nos de dois: ofereceu todos os seus livros científicos – alguns adquiridos na Austrália e noutros países de paragens exóticas sobre espécies arbóreas ou animais – no total de mais de 4 mil volumes, ao Departamento das Ciências da Vida da UC; e doou, também ao mesmo espaço, toda a sua colecção de diapositivos, datados, com referências aos seus ecossistemas e às espécies de cada planta ou ser vivo, materializada em 53 mil que estão a ser digitalizados. Uma última curiosidade que se regista e pode trazer novidades para a Ciência: está a preparar uma expedição a Angola, sua terra natal, para estudar plantas e animais, de uma população indígena de pigmeus.
Os 6 pulmões de Coimbra estão saudáveis
Os 6 pulmões da mancha verde de Coimbra, no dizer de Jorge Paiva, estão bem de saúde. Indicou, para além dos 5 que levávamos anotados – Matas de Vale de Canas e do Choupal; Jardins Botânico e da Sereia; e Parque Dr. Manuel de Braga – uma outra área: a encosta de Santa Clara (mais para o nascente) que é um carvalhal baixo com recobro arbóreo nativo. Fica um alerta: “em volta de Coimbra, o eucalipto está a apoderar-se dos solos, prejudicando-os”.
As ripícolas que protegem as margens dos rios
As árvores ripícolas estão a ser implementadas nalgumas áreas de Lisboa e do Porto, com a colaboração de Universidades portuguesas – anunciou Jorge Paiva. Vamos esclarecer do que se trata: são árvores que se configuram, junto às margens dos rios, verdadeiras protectoras das mesmas e, ainda, capazes de reter os nutrientes ao longo dos leitos.
Jorge Paiva deixou um reparo aos responsáveis camarários pelas áreas verdes, nomeadamente aos de Coimbra: “devem solicitar apoio aos Departamentos de Botânica das Universidades, como o da nossa, para existir uma selecção das árvores a plantar. O Porto consultou a UTAD/Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e, em Lisboa, o Município pediu a colaboração de entidades ligadas a Universidades da capital”. E como remate: “os cientistas que estão nas Universidades não servem para enfeitar”…
António Barreiros
Texto e fotos publicadas na edição em Papel do “Campeão” de 13 de Julho de 2023