Elas andam por aí, sozinhas, em pequenos grupos ou aos magotes: nas bermas das estradas, nos cantos das cidades, enfiadas nas juntas dos paralelos da rua, entranhadas na calçada, acumulando-se em bueiros. São as beatas de cigarros. Uma verdadeira praga para o ambiente, já que contêm metais pesados e materiais que levam mais de uma década a degradar-se. As beatas que a chuva vai arrastando acabam nos bueiros e aí são “lavadas”, acabando os químicos misturados nas águas.
Cada fumador que atira uma beata ao chão sente talvez a consciência tranquila ao pensar na insignificância do seu gesto comparado com a poluição industrial. De facto, uma beata isolada não será uma tragédia para o ambiente. Infelizmente, não há “beatas isoladas”. O ambientalista alemão conhecido por ‘Trash Traveler’ reside em Portugal desde 2018 e, através de acções de recolha de (milhões de) beatas descartadas para o chão, tem chamado a atenção para esta questão. As suas iniciativas já passaram por todo o país, incluindo por Coimbra, ajudando a dar destaque a um problema que, de tão à vista que está, acaba por passar despercebido. Ninguém encara com naturalidade que se atire lixo para o chão (o invólucro da pastilha, o guardanapo do bolo, o lenço de papel, a embalagem do gelado, o papelinho da factura), mas parece que as beatas gozam de uma impunidade social incompreensível. O que faz alguém pensar que pode atirar aquele pedacinho sintético, impregnado de químicos, para a via pública, como se fosse seu direito? A resposta passa pelo facto de haver uma indevida aceitação social do comportamento – proibido! – de lançar beatas ao chão.
A sensibilização tem, pois, sido insuficiente. Há medidas de mitigação, obrigatórias, como os cinzeiros à porta de certos estabelecimentos e a distribuição adequada de caixotes de lixo pela cidade. Quando tudo isso falha, resta a repressão. A este propósito, dir-se-á que a “Lei das Beatas” não tem resultado na aplicação de coimas em número significativo. Segundo os números adiantados pela ASAE, entre Setembro de 2020 e Maio deste ano um total de 162 processos ao nível nacional rendeu cerca de 16 mil euros – mas é impossível distinguir entre infracções assentes na falta de disponibilização de cinzeiros (uma obrigação de restaurantes e cafés, por exemplo) e infracções decorrentes do descarte de beatas na via pública.
O chão de Bruxelas devolve-nos uma realidade não muito diferente da nacional, mas atrevo-me a estimar que os caixotes de lixo e cinzeiros urbanos espalhados pela cidade são em número superior ao que se vê em Coimbra e, sobretudo ao nível da fiscalização e repressão, os números dão conta de uma actuação mais incisiva. Só na região de Bruxelas (e não em toda a Bélgica) foram instaurados, nos últimos dois anos e meio, 864 processos exclusivamente por descarte de beatas directamente para o chão – incorrendo cada infractor numa coima com o valor mínimo de 200 euros. Se não queremos autuar infractores ao desbarato, temos de insistir no caminho da sensibilização. De que estamos à espera?