A Ourivesaria Catarino, localizada na Praça do Comércio, em Coimbra, é um dos estabelecimentos que reforçaram o legado histórico e comercial da Baixa da cidade.
Embora a situação desta zona seja delicada, devido a falta de clientes que é verificada actualmente, esta unidade conseguiu manter as portas abertas e tornar-se numa referência para a cidade.
A funcionar desde 1949, viveu décadas de ouro nesta zona outrora tão prestigiada de Coimbra. Com o passar do tempo, entretanto, a Baixa viu muitos de seus prestigiados comércios fecharem as portas. Tanto os clientes quanto os moradores deixaram a zona, que ficou à mercê das circunstâncias actuais.
Esta casa também sentiu o impacto da mudança e passou a vender uma quantidade menor do que a habitual. Entretanto, mesmo com os obstáculos que enfrentou, ainda oferece um serviço e produtos de qualidade.
O passar dos anos tornou a história desta casa uma verdadeira jóia, única e especial. Assim, para saber um pouco mais sobre uma das ourivesarias mais antigas da cidade, o “Campeão” conversou com Jorge Catarino, proprietário da casa.
A Ourivesaria Catarino está aberta desde 1949, na Praça do Comércio, em Coimbra
Uma casa familiar
A Ourivesaria Catarino começou a ser construída em 1948, por Manuel Catarino, e, um ano depois (1949), abriu as portas. Seu filho, Jorge Catarino, passou a trabalhar na casa em 1976, ocupando o cargo de gerente em 1999.
No entanto, para entender um pouco mais sobre esta história, é necessário regressar alguns anos no tempo, quando o fundador ainda vivia no Alentejo.
Como conta Jorge Catarino, “a motivação para abrir esta loja era familiar, porque os meus avós já eram ourives. Embora fossem naturais da zona de Cantanhede e, mais concretamente, de Febres, onde existiu, por volta do anos 1920, a Associação dos Ourives, o meu pai foi criado no Alentejo, local em que o meu avô tinha uma ourivesaria”.
Por conta dessa ligação da família com o ramo do ouro, Manuel Catarino resolveu dar continuidade a este tipo de trabalho. E até hoje o negócio pertence à mesma família.
“Esta é uma das ourivesarias mais antigas de Coimbra, principalmente no âmbito familiar. Foi o meu pai quem abriu e eu, como filho, continuo. Há outras lojas que foram trespassadas e já não seguem esse sistema de parentesco”, explica.
Jorge Catarino passou a trabalhar na casa quando terminou o liceu (1976). “Vim porque era necessário, havia muitos clientes na Baixa e, embora também estivessem presentes mais funcionários, eram poucos para o atendimento. Coimbra era um mundo, pessoas desde manhã até ao fim do dia”, elucida.
“Febres é a terra dos ourives”
Como afirma Jorge Catarino, “Febres é a terra dos ourives”. Como muitos dos que se dedicavam a este ramo “eram volantes”, passaram, em determinada altura, a fixar-se. Assim, surgiu uma espécie de sede em Febres, região em que funcionava a Associação dos Ourives.
No entanto, com o passar do tempo, os ourives deixaram essa terra e mudaram-se para os locais onde comercializavam as peças de ouro. Outro factor que interferiu neste sector foi a lei aprovada pelo Salazar, “em que as associações de classe eram proibidas”. Foi devido a essas complicações que a Associação dos Ourives acabou por encerrar.
Aurinegra
Quando a Associação dos Ourives encerrou as actividades, Jorge Catarino decidiu fundar uma cooperativa, que contava com um jornal quinzenário e uma rádio, ambos chamados “Aurinegra”.
“Começamos a publicar informações e decidimos, entre todos nós que trabalhávamos lá, fazer um monumento ao ourives, em Febres. Portanto, essa homenagem nasceu através de nós, sendo que eu fui um dos principais impulsionadores”, afirma o proprietário.
Posteriormente, o jornal e a rádio foram para Cantanhede. No entanto, cerca de um ano e meio após a mudança, os órgãos de comunicação acabaram por ser extintos.
O caminho até Coimbra
Trocar o Alentejo por Coimbra foi uma opção de Manuel Catarino, fundador desta famosa Ourivesaria. Ao estabelecer-se na cidade universitária, fez aqui sua vida “comercial” e “social”, relembra o filho.
“Meu pai foi membro activo e sempre esteve ligado ao Sport Clube Conimbricense. Na altura, ajudou, inclusive, a fazer o pavilhão”. Além disso, foi tesoureiro na Casa dos Pobres e director da Associação Comercial e Industrial de Coimbra. Manuel Catarino era, então, “uma pessoa de Coimbra”, defende.
Jorge Catarino nasceu na cidade pela qual o pai nutria amores. Foi na “rua Sobre Ripas, na casa onde o diplomata Aristides de Sousa Mendes viveu”, recorda. “Portanto, sou filho de Coimbra”, completa.
Há 47 anos na Ourivesaria Catarino
Quase cinco décadas a dedicar-se à profissão de ourives, numa loja repleta de história e herança, renderam a Jorge Catarino muitas lembranças.
“Esta casa representa uma vida de trabalho”. Apesar de todo o esforço, “tive o prazer de lidar com pessoas espectaculares que, além de clientes, são amigos. No fim das contas, somos uma família”, declara.
Embora os “primeiros anos na casa tenham sido muito bons”, o proprietário lamenta a situação na qual se encontra esta zona de Coimbra. “Desde a última década que estamos em decadência, porque as pessoas já não vêm a Baixa com tanta frequência”, explica.
Uma das causas citadas pelo proprietário, ao justificar essa diminuição de clientes, é a falta de transportes, já que “não existe uma condução que leve as pessoas mais idosas” à zona, por exemplo.
“Não há incentivos e também houve o descuido da Câmara Municipal em ter outros tratamentos e benefícios com a Baixa, que deveriam privilegiar, mas nunca o fizeram”, completa.
A expectativa, entretanto, não abandonou Jorge Catarino, que espera que “esta nova autarquia” traga “coisas muito mais positivas”.
Este é um estabelecimento familiar, passado de pai para filho
A Baixa
Muitos clientes seguem fiéis à Ourivesaria Catarino e continuam a gostar de frequentar a loja. Além disso, encontram nesta casa uma espécie de nostalgia, uma forma de relembrar a Coimbra de décadas atrás, como explica o proprietário.
“Quem vem a este estabelecimento se recorda de um outro tempo. Eles não se esquecem e vêm com certa assiduidade, até mesmo para conversar e saber notícias da cidade. Por vezes, telefonam para descobrir se determinado comércio ainda está a funcionar, porque querem vir cá, às lojas tradicionais”, explica.
Alguns desses clientes apontam a dificuldade de chegar à Baixa, pela falta de transportes públicos. “Antigamente, os eléctricos e os autocarros passavam na Ferreira Borges e isso era muito importante”, defende.
Outro obstáculo, como conta o proprietário, foi a saída de muitas “lojas âncoras” da Baixa. A presença desses estabelecimentos era “essencial”, mas, com o passar do tempo, deslocaram-se para outras zonas, como os centros comerciais.
Esta Ourivesaria comercializa peças em ouro e em prata, além dos relógios
Peças em ouro português
A Ourivesaria Catarino comercializa peças em ouro (de fabrico português) e prata, além de relógios.
Os itens que enriquecem a montra são, em sua maioria, fabricados “no Grande Porto”, embora uma pequena parte também tenha origem em Lisboa.
Os clientes podem escolher entre os diversos anéis, colares, brincos e muitos outros objectos disponíveis. O estabelecimento possui, ainda, anéis de curso (feitos sob encomenda), alianças de noivado ou de bodas de ouro, por exemplo, e peças para baptismo, como pulseiras.
A Ourivesaria Catarino está aberta de segunda a sexta-feira, das 9h30 às 13h00 e entre às 14h00 às 18h30. Aos sábados, funciona das 9h30 às 13h00 (aos domingos está encerrada).
Fernanda Paçó
»» [Reportagem da edição impressa do “Campeão” de 29/6/2023]