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REPORTAGEM: Mijacão oferece comida de qualidade num espaço repleto de história

24 de Junho 2023 Jornal Campeão: REPORTAGEM: Mijacão oferece comida de qualidade num espaço repleto de história

Já pensou em comer uma boa bifana, numa zona considerada Património da Humanidade e, ainda, por um agradável preço? Em Coimbra, isso é possível. Estamos a falar, claro, do Mijacão, que está localizado na rua Nova, transversal à Rua da Sofia.

Este restaurante/tasquinha, aberto há quase um século, é uma referência na cidade, além de ser um dos estabelecimentos que ajudou a construir o legado da Baixa, uma zona que outrora fora o coração do Município, repleta de comércios, movimento e vida. 

Embora a situação não seja a mesma de décadas atrás, alguns dos estabelecimentos mais antigos da área continuam a funcionar, trazendo aos clientes um pouco da visão de como as coisas funcionavam na época de ouro da Baixa.

A experiência torna-se ainda mais interessante porque, além de uma viagem ao passado, é possível desfrutar das novidades que estas casas trazem. O Mijacão, por exemplo, embora tenha passado por obras, continua a oferecer o serviço habitual.

Para entender a história, mudanças e permanências deste espaço, o “Campeão” conversou com o proprietário, Jorge Silva, que trabalha na casa desde 1993.

 

Quase 100 anos de tradição

É em 1931 que começa a história do Mijacão. O fundador abriu a tasca e, durante oito anos (até 1939), serviu clientes na Baixa da cidade. Foi apenas quando o restaurante passou para o segundo dono que recebeu esse nome. 

“O senhor que veio explorar esse estabelecimento [1939-1960] trouxe um cão [estátua de decoração] ao bar, que tinha uma das pernas levantadas. Na altura, como havia muitas tabernas, as pessoas, para diferenciar os comércios, diziam que iam para o bar onde ´mija o cão`”, explica Jorge Silva.

O cachorro pelo qual a tasca ficou conhecida, entretanto, já não faz parte da decoração. Ele foi levado nos anos 80, por um dos proprietários (que coordenou a casa de 1960 até 1981).

Posteriormente, em 1982, a família de Jorge Silva assumiu a gerência do local. “Quando o meu pai regressou da tropa, dedicou-se à pecuária e à agricultura. No entanto, em 1981, uma forte onda de calor acabou por matar todos os frangos que eram criados. Assim, ele vendeu as terras agrícolas e comprou este estabelecimento”, relembra.

O actual proprietário passou então a ajudar o pai no negócio. Embora já trabalhasse pontualmente no Mijacão, foi quando regressou da tropa, em 1993, que passou a dedicar-se em tempo integral, ocupando a chefia da casa em 2009.

Um facto interessante sobre a história da tasquinha está relacionado com a abertura de um concorrente, numa rua próxima.

Como conta Jorge Silva, o senhor que esteve na gerência da casa, em 1939, afastou-se de um de seus colegas, por motivos particulares. A pessoa, então, resolveu abrir um estabelecimento para prestar o mesmo tipo de serviço, tornando-se num concorrente directo. O nome do local era Mijagato. 

“Esta casa, entretanto, fechou há 15 anos atrás, porque o espaço foi vendido, para fazer parte da estrutura do restaurante Cantinho dos Reis”, completa.

 

 

Jorge Silva começou a trabalhar com seu pai no Mijacão em 1993, passando a ser proprietário do estabelecimento em 2009

 

Às 8h30 já há bifana

O Mijacão possui um serviço particular e muito interessante: é quase um fast-food, focado em oferecer um atendimento rápido para os clientes, mas com uma comida típica portuguesa, cheia de sabor.

As bifanas são a marca registada da casa, representando aproximadamente 70% das vendas, como revela Jorge Silva. Mas há muitos outros tipos de sandes à disposição, como as de moelas, orelha, bacalhau, pataniscas, omelete, empanados e alheira. Além disso, podem levar alface ou tomate, por exemplo, e serem feitas em pães diferentes, como o de avó ou de água.

Para beber, há diversos sumos, refrigerantes e bebidas alcoólicas, mas o proprietário destaca que, embora este seja um espaço “que normalmente as pessoas associam ao álcool, não é bem assim. Muitos clientes consomem outros produtos, que não este”. Como explica Jorge Silva, este estereótipo vem de alguns anos atrás, mas actualmente não se verifica.

Para experimentar essas iguarias, basta dirigir-se ao Mijacão, de segunda a sexta-feira, entre as 8h30 e as 19h00. Aos sábados, a tasquinha abre apenas durante a manhã (8h30-13h00).

 

O Mijacão é o local certo para desfrutar da culinária típica portuguesa, sendo as bifanas o prato principal da casa

 

Mudanças e permanências

No Mijacão é possível desfrutar de um serviço e de produtos que já estão no menu há muitas décadas. O que mudou, entretanto, foi o espaço físico, bem como os costumes dos clientes.

Tanto a cozinha como a área de convívio encontram-se realocados e modernizados. Essa reestruturação, que decorreu entre 2005 e 2007, tornou a tasquinha melhor, “em termos de facilidade”, explica.

O ambiente social também sofreu mudanças; embora “90% dos fregueses sejam os habituais”, suas “exigências” e costumes não são os mesmos. 

“Os hábitos alteraram bastante. Antes não existiam telemóveis, mas nós sabíamos que, num bar ou café em que houvesse jogos, encontraríamos algum amigo. Hoje as pessoas quase não saem de casa, os amigos estão no telemóvel”, explica.

Essa mudança na forma de confraternizar alterou, também, a dinâmica do Mijacão. Entretanto, “o atendimento e os produtos mantêm-se dentro do mesmo”, completa.

 

A crise da Baixa

Na altura dos anos 90, vendia-se de 30% a 40% a mais do que actualmente, revela Jorge Silva. Essa diminuição de movimento resulta da falta de clientes que a Baixa de Coimbra enfrenta nos dias de hoje. 

A zona, que outrora fora o coração da cidade, uma artéria vital para a sua sobrevivência, enfrenta, no presente, os efeitos do “abandono”. A maioria dos moradores passou a viver noutras áreas da cidade e a construção de centros comerciais, bem como a falta de estacionamento, afastou os consumidores da Baixa. Assim, os estabelecimentos que conseguiram manter as portas abertas lutam para seguir em funcionamento.

Além disso, a pandemia também alterou a quantidade de vendas. “Nunca voltamos a recuperar o valor que vendíamos antes” dessa crise de saúde, completa. 

 

A Rua da Sofia

Outro grande desafio que Coimbra enfrenta está relacionado com a Rua da Sofia. Embora a zona vá completar o seu 10.º aniversário, no dia 22 de Junho, como Património Mundial da Humanidade, os edifícios seguem sem a requalificação necessária. 

O Mijacão está localizado num dos prédios assinalados com o título, por isso, a reforma feita por Jorge Silva e seu pai enfrentou uma série de dificuldades.

“Os edifícios à volta deste estão muito degradados e o nosso encontrava-se numa situação semelhante. Para dar condições de vitalidade, a única alternativa era arranjar o prédio todo, deixar apenas as paredes e retirar todo o resto”, explica.

Além disso, por fazer parte do Património da Humanidade, é necessário pedir autorização à autarquia para pôr em prática a empreitada. “Fazemos o projecto e depois esperamos o parecer de uma entidade específica”, então “íamos ao Município, que devolvia o plano para o arquitecto”. 

Nesse meio tempo, encontravam-se imprevistos (como a Câmara Municipal afirmar que o projecto não estava de acordo com as especificações do Património) e a obra não podia seguir. Assim, o plano “demorou cinco anos para ser aprovado”, completa. Na época, o único apoio que receberam foi a redução do IVA. 

“Por isso, para quem tem possibilidade, é mais fácil arrendar um espaço fora desta área, para  não precisar lidar com todas essas entidades, já que é um processo difícil”, defende.

 

Fernanda Paçó
»» [Reportagem da edição impressa do “Campeão” de 22/6/2023]