Os fusos horários ajudam-nos a manter uma certa harmonia administrativa com o céu. Grosso modo, convencionou-se chamar meio-dia àquela hora a que o Sol está a pique no céu, e meia-noite à hora oposta. Trata-se de meras aproximações, logo distorcidas por conveniência burocrática. É por isso que em Vigo o Sol nasce ao mesmo tempo que para quem esteja em Coimbra e no entanto os relógios dessas cidades marcam uma hora de diferença entre si. Ganham os portugueses em precisão, já que o fuso horário dos ‘nuestros hermanos’ é o chamado “Horário da Europa Central”, que se estende até ao extremo da Noruega. O Sol não acelera nem se detém por decreto, pelo que está bom de ver que os relógios de noruegueses e galegos marcam a mesma hora mas isso não reflecte o que se passa no céu. Estando Bruxelas no centro deste fuso horário, a coincidência com o horário astronómico, não sendo embora perfeita, é muito razoável: no equinócio de Primavera, a 21 de Março, o zénite solar tem lugar quando os relógios marcam 12h50, ou seja, há um desvio de uns meros 50 minutos em relação aos ponteiros. Já em Coimbra, o zénite no equinócio ocorre às 13h42 – um desvio bastante maior, portanto. Enquanto a Lusa Atenas está 8º a Oeste do meridiano de Greenwich, já Bruxelas está 4.3º a leste, ou seja, distam cerca de 12º de longitude entre as duas cidades. E lá vai a Terra, girando, girando, destapando o manto nocturno de Leste para Oeste, com a luz a chegar primeiro Bruxelas e só algumas horas depois a Coimbra. Mas…
Mas eis que chegou o solstício de Verão! Este momento especial do ano tem lugar no hemisfério norte no dia 21 de Junho. Hoje mesmo, 21 de Junho de 2023, dia em que escrevo, em Bruxelas o Sol levantou-se às 05h30 e o pôr-do-sol terá lugar às 21h58. Já em Coimbra, o Sol nasceu às 06h05 e há-de pôr-se às 21h05. Ou seja, a latitude mais a norte oferece aos belgas sensivelmente mais 1h30 do astro rei a brilhar no céu, em comparação com Portugal. Isto só por si não é particularmente impressionante, mas não é só o tempo em que o Sol está visível no céu que estica muito mais do que em Portugal – é também o tempo de luz crepuscular e de ocaso. Assim, às 4h43 da manhã o céu de Bruxelas começou a clarear. E quem estiver num esplanada à noite na capital da Bélgica só há-de ver o céu totalmente escuro às 22h47. E em Coimbra? No dia de hoje, a madrugada começou a anunciar-se às 05h32 e a escuridão que fugiu só há-de regressar às 21h40.
É esta parte que realmente tem graça, porque Bruxelas está bem a Leste de Coimbra. Mas hoje é aquele dia raro em que uma conversa aparentemente implausível pode ter lugar. Se alguém estiver na capital belga a desfrutar da noite tépida, porventura passeando pela Grand Place, e telefonar para alguém que se encontre em plena Praça da República a usufruir de uma esplanada, quem estiver em Coimbra poderá dizer, às 21h40, horas locais: “Aqui já é noite cerrada” e, do outro lado da linha, em Bruxelas, alguém pode responder, às 22h40, horas locais: “Aqui está quase, mas ainda não.”. E esta, ãh?…
(*) Em Bruxelas