O Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários (SNQTB) comemorou na passada sexta-feira, dia 9, o seu 40.º aniversário e reuniu os melhores especialistas para discutir os desafios do sindicalismo moderno. Paulo Gonçalves Marcos é o presidente da Direcção deste sindicato desde Dezembro de 2015, estando no seu segundo mandato, que termina este ano, e também faz parte do Conselho Directivo da União de Sindicatos Independentes. Nesta entrevista, ele revela alguns dos desafios com que a classe se depara.
Campeão das Províncias [CP]: O que é o SNQTB?
Paulo Gonçalves Marcos [PGM]: Ao longo destes 40 anos fomos marcados pela audácia de um grupo de quadros e técnicos bancários que ousaram desafiar as convenções estabelecidas e criar um sindicato independente, cujo único objectivo é defender e respeitar os interesses dos seus associados. Esta afirmação pode parecer simples, mas é importante lembrar que, na época e mesmo hoje, muitas forças da sociedade civil e órgãos intermédios estavam dependentes, seja materialmente ou ideologicamente, de forças partidárias, como se fossem uma extensão das mesmas. Decidimos fazer algo diferente, rejeitando categoricamente as interferências de terceiros naquilo que considerávamos como necessidades não satisfeitas, especialmente em termos de envolvimento profissional e carreira dos quadros e técnicos bancários. Começámos como uma pequena companhia, formada por um grupo de pessoas em Lisboa, Porto, Coimbra, Covilhã e Viseu, espalhados por todo o país. Crescemos gradualmente, diferenciando-nos pela nossa independência e recusando ser meros porta-vozes de outros. Após 8 ou 9 anos, conseguimos ser reconhecidos na contratação colectiva do nosso sector, o que marcou claramente a diferença. Hoje, somos provavelmente o maior sindicato português em termos de trabalhadores activos.
[CP]: Quantas pessoas representam?
[PGM]: Além dos quase 22.000 sócios que temos, contamos com cerca de 70.000 beneficiários do subsistema de saúde que administramos. Também estabelecemos uma fundação, a Fundação Social Bancária, que é bastante relevante e discreta, mas uma das maiores em comparação com outras fundações de menor dimensão. Por exemplo, durante os incêndios de Pedrógão, há 4 anos, tivemos uma participação voluntária e subsidiária muito importante. Fomos a instituição da sociedade civil que mais se esforçou na reconstrução das habitações e no restabelecimento da vida normal das pessoas. Tenho muito orgulho em dizer isso. Além disso, somos um dos principais operadores de gestão de saúde em Portugal, com uma presença significativa e participação activa na área de gestão de fundos de pensões, seguros e, é claro, através da Fundação Social Bancária, desenvolvemos diversas actividades recreativas, desportivas, culturais, de solidariedade, saúde, fundos de pensões, seguros e turismo. É uma abrangência bastante ampla, mas nunca deixamos de cumprir a nossa matriz fundadora, que é a negociação colectiva e a defesa intransigente da dignidade dos trabalhadores e das pessoas, especialmente dos nossos sócios bancários.
[CP]: Os sindicatos independentes estão reunidos num grupo?
[PGM]: Estamos reunidos no grupo chamado União dos Sindicatos Independentes, que é uma terceira central sindical. Hoje, existem três grandes centrais sindicais em Portugal. Esta é mais discreta, dando todo o protagonismo aos nossos produtos. Não nos vemos apenas como uma transmissão de quem está na situação ou oposição, somos menos atraentes para aqueles que procuram escândalos ou manchetes de primeira página. Não participamos desse jogo, envolvemo-nos em processos construtivos.
Lembro-me de quando o Decreto-Lei 57-C/2022 foi publicado em 6 de Outubro. Logo naquele dia, percebemos uma grave inconstitucionalidade. O governo português teve vários meses para se preparar na Primavera e no Verão de 2022, desenhando um conjunto de medidas para mitigar os efeitos da inflação sobre as famílias. Assim como outros países promoveram na Europa, como Espanha, França, Itália e Alemanha. O Governo português, por sua vez, praticamente não fez nada durante muitos meses. Negou a realidade, considerando que o orçamento para este ano previa uma inflação de 4%. Esse orçamento foi discutido e aprovado quando a inflação mensal homóloga em Portugal, em Agosto do ano passado, era de 10,2%. É um exercício surreal. Tiveram meses para preparar um conjunto de medidas de mitigação, mas quando finalmente foram apresentadas e aprovadas, deixaram grupos socioeconómicos de fora, como os bancários.
Nesse sentido, é preciso tirar o chapéu a todos os sindicatos independentes, mas também para os outros que lutaram incansavelmente, pressionando o poder político, o executivo, o legislativo e até o judiciário. A Procuradora-Geral da República e o Presidente da República foram alertados sobre a inconstitucionalidade desse decreto que deixava de fora centenas de milhares de portugueses. Cerca de 100.000 pessoas foram directamente prejudicadas, incluindo as suas famílias. Isso é um exemplo de como o sindicalismo pode agregar valor numa sociedade democrática e equitativa, apontando defeitos, procurando correcções e lutando por elas. Foi necessário ir para as ruas, procurar apoio nos grupos parlamentares, escrever cartas, ser recebido pelo primeiro-ministro e solicitar um parecer de um reputado constitucionalista. Foi preciso envolver líderes de opinião para que, finalmente, fosse possível e, de facto, foi possível que todos os partidos da oposição, em uníssono, reconhecessem no final do ano que era preciso fazer mudanças. Portanto, agora, no dia 4 de Maio, a Assembleia da República aprovou por unanimidade uma resolução sobre o assunto. O sindicalismo é o alicerce da democracia.
[CP]: Quais são os valores pelos quais se pauta este sindicato?
[PGM]: Somos rigorosamente apartidários e concentramos a nossa actividade na defesa dos nossos sócios, na dignidade do trabalho e da vida humana. No dia-a-dia, é fácil enunciar, mas um pouco mais difícil de colocar em prática. No entanto, temos muito claro que participar nesse processo, como o Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários, na Fundação Social Bancária, no SAMS Quadros e nas nossas diversas entidades, requer paixão, dedicação e amor, como em tudo na vida.
Acho que isso é talvez o nosso diferencial. Somos o começo e o fim, ou seja, este sindicato não é um trampolim para aspirações político-partidárias, ao contrário do que é comum em sindicatos politizados.
Nesse sentido, este sindicato é talvez o único em Portugal que participa activamente em todo o processo legislativo, em todas as consultas públicas e em tudo o que diz respeito ao mundo do trabalho. Nos últimos dois anos, por exemplo, fornecemos mais de 70 contribuições para o processo legislativo, realizámos audiências regulares e mantivemos equipas permanentes para expressar a nossa opinião e ajudar a moldar a legislação, especialmente em relação à Agenda do Trabalho Digno.
[CP]: Qual foi a intervenção e a posição do sindicato nesta questão da Agenda do Trabalho Digno?
[PGM]: Fomos dos primeiros em Portugal a defender esta necessidade. Era um mundo selvagem, sem regulação, com mão-de-obra semiescrava e sem direitos. Acredito que isso afecta a dignidade de todos os cidadãos, independentemente da sua origem, seja portuguesa, venezuelana, brasileira ou de qualquer outra. É uma questão civilizacional. Portanto, tivemos um papel muito importante nesse sentido, mesmo que não afectasse directamente os nossos sócios. Era preciso conferir dignidade ao trabalho.
Lutámos, por exemplo, pela valorização das horas extraordinárias. Já obtivemos algum reconhecimento nesse aspecto. Também lutámos para que os valores das indemnizações por demissões colectivas ou individuais fossem aumentados. Agora, gradualmente, começamos a ter algum tipo de enquadramento, novamente. Por exemplo, lutamos muito para que as denúncias de contratação colectiva tenham de ser fundamentadas, pois tornou-se comum as entidades patronais denunciarem sem qualquer motivo, esperando que os sindicatos estivessem enfraquecidos e os portugueses anestesiados com reality shows e redes sociais, resultando em menos participação sindical e luta política. Lutamos para que isso se torne mais difícil administrativamente e exija fundamentação. É bom ver que na legislação foi reconhecido, por exemplo, um papel importante para a arbitragem, algo que não existia antes.
Obviamente, ainda há muito a ser feito para dignificar o trabalho. Temos salários bastante baixos em comparação com os padrões europeus e estamos a ser ultrapassados por outros países. É uma agenda de trabalho inacabada, mas estamos cientes dessas questões e continuaremos a lutar.
[CP]: Umas das actuais questões é a tabela salarial, qual é o ponto da situação?
[PGM]: No ano passado, em 2022, alertámos numa reunião com outros sindicatos do sector que a inflação estava a aumentar de mês para mês. Prevíamos uma inflação entre 5,5% e 6%. Alguns sindicatos assinaram acordos com aumentos salariais de 1% a 1,1% enquanto a inflação estava em 7,8%, o que resultou numa perda brutal de poder de compra para os trabalhadores bancários. Actualmente, estamos a negociar e as entidades patronais ofereceram um aumento de 4%, mas acreditamos que há espaço para melhorar, considerando os bons resultados financeiros dos bancos.
Os trabalhadores do sector financeiro foram os que mais perderam poder de compra no ano passado. Os bancos têm dificuldade em contratar e reter jovens talentos, pois outros sectores oferecem salários semelhantes ou até melhores, com menos exigências. Os sindicatos independentes destacam esses paradoxos, como a perda de poder de compra dos funcionários públicos e o aproveitamento da inflação pelas grandes empresas para aumentar os preços. Infelizmente, o Estado português não agiu da melhor forma, afectando negativamente os trabalhadores públicos e influenciando o sector privado a seguir o mesmo caminho.
[CP]: O que se passa com os certificados de aforro?
[PGM]: É uma boa pergunta para dirigir ao Senhor Ministro das Finanças! O Senhor Governador do Banco de Portugal, que é um economista prestigiado, antes de ser ministro, ele fez estudos importantes sobre mercados de trabalho que eram muito interessantes. No entanto, quando chegou ao poder, não implementou nada do que havia delineado, o que é curioso. Ele participou na venda do Novo Banco enquanto era Ministro das Finanças. Não vou comentar isso, pois o processo é sobejamente conhecido. De forma educada, diríamos que não foi um processo absolutamente exemplar. Depois, como Governador, ele fez uma série de afirmações que também nos deixam surpresos. Durante meses, negou que a inflação fosse persistente ou alta, insistindo no mito de que o horizonte era uma inflação de 2%, quando na verdade a inflação já estava em 7.8% e acabou atingindo 10.2%. Só mais tarde, reconheceu que a inflação veio para ficar, cerca de 8 ou 9 meses depois do que os economistas independentes já haviam afirmado. Mais recentemente, o Governador apelou a uma maior concentração no sector bancário português, o que nos deixou completamente perplexos. Em Portugal, os 5 maiores bancos controlam entre 85% a 92% do mercado de depósitos, ou seja, já existe uma concentração. Experimentem continuar a concentrar ainda mais e verão que isso só irá piorar as coisas. Ele deveria permitir que os bancos regionais prosperassem em vez de impor regulamentos e legislação de conformidade que obriga as pequenas instituições, como as Caixas de Crédito, a se fundirem umas com as outras apenas para atender às inúmeras solicitações de informação feitas pelo regulador. O que temos é um movimento absurdo e custoso, que não tem nada a ver com negócios ou serviços aos clientes. Todos sabemos que a fusão de empresas no sector financeiro resulta em conselhos de administração mais poderosos e, muitas vezes, em melhores remunerações para os accionistas, mas todos os estudos empíricos até agora mostram que as fusões trazem menos concorrência, menos serviços para os clientes, menor remuneração para os trabalhadores e menor concorrência nos mercados de crédito e depósitos. Talvez devêssemos começar a olhar para permitir uma maior concorrência no mercado financeiro português, pois isso resolveria muitos problemas.
[CP]: Como está a situação em relação ao encerramento de balcões, rescisões e despedimentos?
[PGM]: Houve uma fase complicada, por várias razões. A primeira razão está relacionada com os baixos níveis de remuneração dos capitais, e a banca portuguesa teve retornos de capital negativos ou próximos de zero durante quase uma década. Isso limitou as possibilidades de expansão, investimento em tecnologia e remuneração adequada. Com as taxas de juros baixas causadas pelo Banco Central Europeu, as equipas de gestão dos bancos demonstraram pouca competência ao cortar custos em vez de aumentar receitas, desenvolver produtos ou explorar novos mercados. Com taxas de juros mais altas, espero que os balcões voltem a gerar resultados positivos e que a necessidade irracional de cortar balcões diminua. Podemos esperar alguma agitação no sector com fusões ou aquisições de um ou dois bancos, talvez em 2024.
A Lone Star sempre afirmou que não pretendia manter o Novo Banco a longo prazo. É também mais ou menos conhecido que o EuroBic também está em processo de venda e o BCP parece ser um banco semelhante, talvez não num fenómeno de fusão, mas claramente há um movimento aqui. Além disso, os bancos espanhóis controlam empresas bancárias portuguesas e sempre demonstraram interesse nos processos que ocorreram em Portugal, o que me leva a crer que os anos 2024 e 2025 podem ser marcados por uma reestruturação do sector que pode trazer menos concorrência. Isso claramente pode perturbar o emprego e o serviço aos clientes. Parece-me bastante óbvio, mas talvez seja uma preocupação do senhor Governador, que também tem mencionado aos bancos que eles podem aumentar um pouco a remuneração dos depósitos – isso é em resposta à sua pergunta sobre os certificados de aforro. Obviamente, isso deve ser feito em acordo com os sindicatos. Não tenho opinião formada sobre os certificados de aforro. Parece-me positivo que possam ser vendidos em diversos canais, inclusive nos bancos e não apenas nos Correios. Acho isso positivo. Também vi hoje de manhã na imprensa que existem depósitos a prazo que pagam mais juros do que os certificados de aforro. Acho isso interessante também. Não acredito que os certificados de aforro sejam o produto por excelência para quem deseja poupar para a reforma. Mas entendo que, numa situação de curto e médio prazo, eles possam parecer muito atraentes.
[CP]: Outra área importante é o Serviço de Assistência Médico-Social do SNQTB. Está a corresponder à necessidade dos associados e como se relaciona com o SNS?
[PGM]: Temos uma perspectiva de longo prazo e somos complementares ao Serviço Nacional de Saúde, mas temos áreas em que o SNS não funciona bem, e é aí que nos destacamos. Por exemplo, na área da saúde oral, nas próteses oculares e noutras áreas conexas, como cirurgia, onde ainda existem tempos de espera pouco razoáveis no SNS. Portanto, parecemos não ser apenas complementares, mas sim substitutivos, por exemplo, na substituição do médico de família. Cada vez mais portugueses estão sem médico de família, apesar das promessas políticas de resolver a situação. Já se passaram 7 anos desde que foram prometidas melhorias e o problema só piorou. Se olharmos para o panorama dos médicos, os mais velhos estão a reformar-se e os mais jovens estão a ir trabalhar no exterior. A situação tende a piorar e nós somos claramente uma construção mutualista que preenche graves lacunas do Serviço Nacional de Saúde.
Se estes sistemas mutualistas não existissem ou não fossem geridos de forma profissional, mas ao mesmo tempo muito empenhada e voluntária, provavelmente o SNS estaria sob uma pressão ainda maior se adicionássemos agora 300.000 beneficiários bancários e segurados, incluindo os sócios dos sindicatos e suas famílias. Acredito que isso colocaria uma pressão adicional em algumas regiões do país. Portanto, nesse sentido, somos uma construção mutualista que não depende do orçamento geral do Estado e contribui para o fortalecimento da cidadania e para a nossa missão, que é devolver à sociedade uma parte do que recebemos dela.
[CP]: O que espera ainda alcançar neste mandato?
[PGM]: Eu espero muitas coisas, e para resumir, espero continuar próximo dos sócios. Espero ter a capacidade de ouvi-los e incorporar as suas preocupações, além de moldar a nossa gestão e políticas para atender o máximo das suas necessidades. Isto é difícil, mas é isso que nos motiva a continuar a afirmar o sindicalismo independente que estamos a fazer hoje, 40 anos depois. Desejo que este sindicato esteja aqui, juntamente com a Rádio Regional do Centro e o Campeão das Províncias, daqui a mais 40 anos, a fazer um balanço da actividade sindical e perspectivando os próximos 40 anos, a caminho dos 120 anos. Estes são os meus votos mais sinceros.
Luís Santos/ Joana Alvim