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Hernâni Caniço

O que fazem os amigos, se é que o são

9 de Junho 2023

Há um grau de valorização (ou desvalorização) relativo às actividades dos amigos, seja porque participam nas redes sociais, participam em grupos de reflexão, participam ou lideram grupos de intervenção, porque são úteis individualmente sem estarem organizados colectivamente, ou então não têm actividades de comunicação por sistema nem regularidade.

Há distinções e lugares comuns, amigos e conhecidos, evidentemente. Elbert Hubbard, filósofo radical norte americano no início do século XX, dizia que “amigo é aquele que sabe tudo a seu respeito e, mesmo assim, ainda gosta de você”. Lavínia Lins, jovem interventora na literatura poética contemporânea, diz “Tenho medo do desconhecido… mas, principalmente, dos conhecidos que, na verdade, nunca soube quem eram”.

A participação em redes sociais (facebook, twitter, instagram, etc.) pode ser valorizada, pela comunicação intensa interpares, como meio de aproximação e integração na vida quotidiana afectiva e laboral, ou por valorização de tecnologias da informação e não desperdício de tempo convencional. Ou pode ser pouco valorizada, por representar desmotivação do diz que disse, inapetência inexpressiva ou apatia e melancolia, por ser invasão de privacidade, desconfiança generalizada e meio inapropriado para a relação pessoal.

A participação em grupos de reflexão (de análise científica, técnica, política, ambiental ou outra) pode ser valorizada, como vínculo académico, profissional ou de intervenção social estimuladora, por haver compromisso assumido, desejado e satisfatório, ou por haver incentivo e retorno secundário, com fruição e prazer. Ou pode ser pouco valorizada, por ser uma ocupação de tempo não rentável economicamente, porque os resultados não são visíveis e apreciados, ou por haver ausência de afirmação pessoal, quiçá inibição comprometedora.

A participação ou liderança de grupos de intervenção/acção (causas sociais, voluntariado, solidariedade), pode ser valorizada, como aprendizagem da realidade antropológica em sociedade, por haver sentimento humanitário dileto e apoiado, ou por desempenhar atividade e qualidade como verdadeiros ídolos. Ou pode ser pouco valorizada, por impedimento devido a outras prioridades e indisponibilidade, por protagonismo não valorizado, por promover o egocentrismo, ou pela insensibilidade para causas públicas.

Os amigos serem úteis de forma individual e não estarem organizados, pode ser valorizado, por ser o verdadeiro amigo, ser aquele com quem se conta sempre, por constituir um espaço insubstituível, a relação perfeita. Ou pode ser pouco valorizado, por conter um meio de pressão de difícil gestão, uma obrigação fastidiosa do estatuto de amigo, ou ser uma inutilidade em vez duma função social.

Os amigos não terem actividades de comunicação por sistema, pode ser valorizado, por serem desinteressantes como amigos, por terem a incomunicação como característica, por quererem isolamento e não haver uma rede benéfica, ou por haver perturbação da capacidade de relação humana. Ou pode ser pouco valorizado, por não ser uma obrigação implícita, por ser dispensável entre amigos, ou por haver alternativas de ligação e proximidade.

Isto é o que fazem os amigos, se é que o são. Se o não são, serão pessoas conhecidas ou mesmo adversários seja de que ordem for procurando intromissão, curiosidade, ilusão, aproveitamento ou mesmo dano.

(*) Médico