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APPACDM e Helena Albuquerque: uma mãe, um filho, uma causa

28 de Maio 2023 Jornal Campeão: APPACDM e Helena Albuquerque: uma mãe, um filho, uma causa

Helena Albuquerque é presidente da APPACDM (Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental) de Coimbra há mais de 20 anos. A professora de Matemática, na Universidade de Coimbra, abraçou esta causa por ter um filho com síndrome de Down e, como mãe, deseja um mundo justo e verdadeiramente inclusivo. Após todos esses anos à frente da instituição, a sua luta não é apenas pelo próprio filho, mas também por todos os outros. Tem dedicado a vida à luta pelos direitos humanos e por uma sociedade mais tolerante.

 

Campeão das Províncias [CP]: Como surgiu a APPACDM de Coimbra?

Helena Albuquerque [HA]: A APPACDM de Coimbra é uma instituição que tem mais de 50 anos e estamos a caminho do 55.º aniversário, em 2024. A APPACDM de Coimbra abrange neste momento 4 concelhos: Arganil, Montemor-o-Velho, Cantanhede e Coimbra. O movimento parental de apoio à deficiência entrou em Portugal em 1962 com a criação da APPACDM de Lisboa que logo se ramificou pouco a pouco por todos os concelhos do país.  A certa altura, havia tantas “APPACDM´s” espalhadas pelo país, que Lisboa deu autonomia às suas várias delegações. É importante destacar que na região de Coimbra há outras APPACDM completamente autónomas, nomeadamente Condeixa, Soure, Poiares e Penacova.

 

[CP]: Em que consistia esse movimento parental?

[HA]:  Esse movimento apareceu em meados do séc XX por reação às principais correntes que existiam desde o início do século, que defendiam a institucionalização das pessoas com deficiência a qualquer custo. Estas eram institucionalizadas em grandes edifícios, sem as mínimas condições de acolhimento e de dignidade. Eram simplesmente abandonadas aí pelos seus familiares, muitas vezes desde o seu nascimento. Isso agravou-se ao longo da primeira metade do século XX, em que surgiram algumas correntes extremistas, nomeadamente, o que aconteceu com o nazismo e com Hitler, onde todas as pessoas com deficiência eram simplesmente mortas, porque, mais uma vez, não prestavam, tinham que ser afastadas da sociedade, eram seres imperfeitos. O movimento parental surge com uma postura activa dos pais relativamente à vida dos filhos. Os pais tomaram conta da vida dos filhos. Reuniam-se com este propósito: exigir para os seus filhos os mesmos direitos dos outros.

É de notar que as pessoas com deficiência ao longo da história, foram sempre  “demonizadas”, como costumo dizer, ou “santificadas” e ainda hoje notamos essa dupla perspectiva. Sempre foram consideradas ou como pessoas que não prestavam e que deviam ser banidas ou por outro lado enviados do céu, seres puros e sem pecados.  Claro que qualquer das perspectivas está errada e não leva decididamente à dignificação e valorizaçao da pessoa com deficiência.

 

[CP]: Qual é a vossa missão?

[HA]: É dar voz às pessoas com deficiência intelectual e seus familiares. Resumidamente, a nossa missão é empoderar as pessoas com deficiência intelectual, incluí-las cada vez mais socialmente, dignificá-las e valorizá-las. As nossas respostas devem ser predominantemente respostas de inclusão, ou seja, nós, enquanto instituição, devemos ser um meio de inclusão e não de exclusão. A inclusão tem uma perspectiva muito mais abrangente, ou seja, a própria comunidade deve-se transformar para acolher dignamente a pessoa com deficiência de modo a que esta nunca sinta as suas incapacidades.

 

[CP]:  Que respostas têm para concretizar essa missão?

[HA]:  Nós temos várias valências. A Equipa de Intervenção Precoce é constituída por profissionais de saúde, segurança social e educação, que sinalizam e criam conjuntamente planos individuais de desenvolvimento para cada criança com algum tipo de problema. Trabalhamos em escolas, creches e famílias, com crianças desde os três meses de idade. É muito importante a nossa acção precoce, porque está provado que, quanto mais cedo agirmos depois de detectado o problema, menor será o grau de deficiência que esse adulto atingirá. Temos também a Creche e Jardim-de-Infância Dandélio que oferece uma resposta integrada nos serviços normais de atendimento.

Após os 6 anos, começa a escolaridade obrigatória. Defendemos a educação inclusiva, mas as escolas precisam ter condições para receber as crianças com deficiência, o que nem sempre acontece. Temos uma equipa de Recursos para a Inclusão que trabalha nas escolas com alunos com problemas de desenvolvimento, dinamizando, consciencializando, e sensibilizando as nossas comunidades educativas para uma verdadeira inclusão.

Após os 18 anos temos dois caminhos possíveis. Centros de Actividades e Capacitação para a Inclusão, que oferecem resposta para a deficiência moderada e profunda e aí se realizam actividades de reabilitação, desenvolvimento cognitivo e actividades socialmente úteis dentro e fora da instituição.

Para aqueles com deficiência mais ligeira, encaminhamos para Centros de Formação Profissional, onde recebem as ferramentas necessárias para exercer futuramente a sua profissão numa integração plena no mercado de trabalho.

 

[CP]: Mas para além dessas valências externas também têm lares residenciais. São para que situações?

[HA]: Neste momento, as pessoas com deficiência têm uma esperança de vida muito maior, o que é uma boa notícia, mas não deixam na sua maioria de envelhecer precocemente. Por isso, a maioria delas chega a um estado de envelhecimento quase em simultâneo com os pais.

Para lidar com essa realidade, temos três Lares Residenciais e uma Residência Autónoma, onde as pessoas com deficiência vivem connosco. Além disso dispomos também de Serviço de Apoio Domiciliário e Serviço Temporário de Apoio a Famílias, que fornecem apoios temporários.

[CP]: Como é que se consegue manter uma casa destas?

 

[HA]: A primeira coisa que se precisa é ter um grande amor pela causa. Esta casa é especial e é uma causa pela qual lutamos, porque é fácil lutar por eles. As pessoas que passam por esta Casa nunca mais a deixam. Claro que houve certas opções da Direcção que mantiveram a casa com energia, vivacidade e frescura. Uma das opções que tomámos foi desenvolver o sector empresarial, especificamente os serviços. Posso referir a Casa de Chá no Jardim da Sereia, um projecto que começou há alguns anos e tem sido um sucesso, mas também o Centro de Medicina Física e Reabilitação de São Silvestre, que fornece serviços nesta área aos utentes do Serviço Nacional de Saúde e ainda uma empresa de jardinagem que cuida dos espaços verdes da Universidade de Coimbra, da Câmara Municipal e outras instituições.

Foi uma escolha da Direcção para dar oportunidade de empregar as pessoas que acompanhamos e também uma forma de gerar receitas. Isso é fundamental para uma instituição como esta, porque o que o Estado nos fornece não é suficiente para dispensarmos o apoio de excelência.

 

[CP]: Para além disso têm outros projectos?

[HA]: Actualmente, estamos a trabalhar num projecto relacionado com os direitos das pessoas com deficiência e estamos a desenvolvê-lo com eles. Isso faz toda a diferença. Acreditamos que são eles que se devem expressar, que devem escolher os apoios que desejam, que devem fazer escolhas nas suas vidas. Também temos investido muito em infra-estruturas para atender às necessidades que surgem. É uma gestão complicada, mas temos conseguido um equilíbrio. Temos um orçamento anual de 6 milhões de euros, mais de 250 funcionários, e apoiamos mais de 1200 pessoas.

 

[CP]: Os pais como reagem a esta realidade dos filhos?

[HA]: Ter um filho com deficiência não é fácil! E é uma realidade que nos marca durante toda a nossa vida. A forma como vivemos essa experiência depende de cada um. Primeiro, depende muito se é algo congénito ou se surge durante a vida – isso faz toda a diferença. Ter um filho com deficiência não é o mesmo que ter um filho considerado normal. É uma vida inteira com perguntas, algumas das quais nunca teremos respostas.  Não são apenas os condicionamentos, é a própria perspectiva com que os pais encaram o futuro.  E depois, cada um vive a realidade à sua maneira: uns vão fazendo muitos pequenos lutos, outros fazem poucos grandes lutos. Há mães que começam a viver para aquele filho. E essas só acabam o luto quando o filho falece. E aí, de facto, é muito penoso, porque quando o filho morre, elas não têm mais nada.  Depende também das várias fases da vida dos pais: pais jovens de filhos criança, investem, lutam porque cada muro que transpõem é uma vitória, aumentando a perspectiva da normalidade. Os pais idosos de pessoas adultas com deficiência já se conformaram e habituaram à ideia de que a normalidade lhes está distante.

 

[CP]: Entretanto realizaram a vossa gala, no Teatro Académico Gil Vicente, que foi dedicada ao ambiente.

 

[HA]: Normalmente, fazemos esta gala todos os anos e, este ano teve mais sentido, visto estarmos a comemorar a concretização de um projecto que temos há mais de uma década:  a construção da Casa dos Afectos. É um lar residencial para pessoas com deficiência em Arganil. Vamos iniciar a construção da Casa dos Afectos em breve, pois obtivemos financiamento. Fomos contemplados pelo programa PARES. Será um esforço muito grande, uma vez que os preços aumentaram e a obra, que estava orçada em 800.000 euros, agora está em 1.100.000 euros. A Casa dos Afectos tem sido muito acarinhada por todos, não só como um projecto nosso, mas como um objectivo a alcançar por toda a população de Arganil, incluindo a Câmara Municipal, outras instituições e as Juntas de Freguesia.

 

Luís Santos/ Joana Alvim

 [Entrevista da edição impressa do “Campeão” de 18/5/2023]