Mário Nogueira, residente em Coimbra há mais de quatro décadas, é professor do 1.º Ciclo do Ensino Básico desde 1978/79. O coordenador do Sindicato dos Professores da região Centro (SPRC) desempenha o cargo de conselheiro nacional e secretário-geral da Federação Nacional dos Professores (FENPROF). Também é membro do Conselho Nacional e da Comissão Executiva da CGTP-Intersindical Nacional, além de ser dirigente da Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública. Com 16 anos como líder da Fenprof e autor do livro “O futuro da Escola Pública”, testemunhou a passagem de seis ministros da Educação ao longo desse período, mas a luta continua a mesma: “dar um futuro digno ao ensino público”.
Campeão das Províncias [CP]: O Ministério da Educação não vos larga?
Mário Nogueira [MN]: E nós também não o largamos. Como se costuma dizer, amor com amor se paga. Os professores andam a pagar com luta, o desprezo e o desrespeito que o Ministério lhes dedica.
[CP]: Qual é o ponto da situação da luta dos professores?
[MN]: Como se sabe, houve um período de congelamento para todos os trabalhadores da função pública, de uma forma geral, ele foi recuperado para todas as outras categorias a três anos, mas não foi para os professores. O valor que as pessoas estão a descontar para a sua futura pensão é muito abaixo daquele que deveria ser porque estão 2 ou 3 escalões abaixo do que deveriam estar. Portanto, a pensão irá ter essa consequência, que é a de não contemplar o tempo de serviço que a pessoa tinha e os escalões de carreira onde deveria estar. O Governo, Ministério da Educação, apresentou-nos um documento supostamente destinado a corrigir assimetrias na carreira, mas que não só não corrige assimetrias como cria outras. E em relação a este tempo de serviço, não prevê recuperar absolutamente nenhum dia. Os professores, como é evidente, não abrem mão disso. Já dissemos no Ministério que estamos disponíveis para podermos fazê-lo de forma faseada em três anos, as pessoas estão disponíveis para esperar, desde que não seja 10 anos, mas quem diz três pode admitir 4 ou 5, que foi o que aconteceu na Madeira e nos Açores, onde o tempo está a ser todo recuperado. Agora, abrir mão de um tempo que as pessoas cumpriram a trabalhar, não faz parte da agenda dos professores.
[CP]: E qual é a justificação para esta realidade?
[MN]: Justificam dizendo que se passa o mesmo em todos os sectores, mas a verdade é que os outros sectores já recuperaram o tempo de serviço. Nos sectores em que o tempo de serviço não se transforma em pontos, como é o nosso caso e o caso dos militares e dos polícias, não aconteceu essa recuperação e, portanto, essa não é uma justificação verdadeira. Além disso, a questão financeira não pode ser um argumento, já que se o Ministério decidisse recuperar todo o tempo de serviço num só ano, por exemplo em 2024, a despesa seria menor do que é hoje. Há uma obstinação por parte do primeiro-ministro, António Costa, que afirmou que, das duas uma, ou contava o tempo de serviço dos professores, ou fazia as obras no IP3. Como se vê, as obras no IP3 continuam e o tempo de serviço dos professores também continua por contar. Mais tarde, quando a Assembleia da República se preparava para a recuperação total do tempo de serviço, o primeiro-ministro veio dizer que, se isso acontecesse, o seu governo se demitia. No entanto, não se demite por todas as razões que conhecemos, o que revela uma questão de orgulho por parte de António Costa.
[CP]: O que é que já conseguiram?
[MN]: Houve uma grande evolução em relação ao primeiro documento apresentado pelo Ministério da Educação. Esse documento propunha que os directores das escolas escolhessem os professores nos concursos, deixando de existir quadros e passando para mapas de pessoal. Os concursos passaram a ser anuais em vez de serem realizados a cada quatro anos. Tudo isso só foi possível graças à luta dos professores. Não houve acordo com o Ministério devido a mecanismos nos concursos que permitiam que professores menos graduados ultrapassassem os mais graduados. Esses mecanismos também impediam que professores colocados a grandes distâncias pudessem se aproximar, mesmo que temporariamente, através da mobilidade interna. Inicialmente, o Ministério afirmava que não havia nada a recuperar, mas através da luta dos professores já foi possível recuperar 30% desse tempo congelado, faltando ainda recuperar os restantes 70%. É por isso que continuamos a lutar e temos consciência de que sem esta luta a situação seria ainda pior.
[CP]: A opinião pública entende a vossa luta?
[MN]: A nossa principal preocupação como sindicato é representar e dar voz aos professores que representamos. Seria estranho se, após uma luta tão intensa como a que temos travado, de repente parássemos e deixássemos tudo cair no esquecimento, especialmente quando o governo não tem feito nenhum esforço para resolver os problemas. O cerne da questão aqui é a desvalorização da carreira docente, o que tem levado a uma escassez cada vez maior de professores nas escolas e afectado directamente a qualidade da educação. Se esse problema não for resolvido, corremos o risco de não ter professores qualificados nas escolas no futuro. Este ano, cerca de 30.000 alunos estão sem professores a tempo integral. A falta de professores qualificados é um problema grave que só vai piorar. No ano passado, houve 2.401 aposentadorias de professores, e este ano são esperadas mais 3.500. Apenas 955 jovens ingressaram nos cursos de educação básica este ano, enquanto nos próximos anos mais de 30.000 professores se irão aposentar, chegando a mais de 4.000 por ano até o final da década. Tudo isto põe em causa o futuro das Escolas Públicas.
[CP]: O ingresso na profissão é difícil?
[MN]: É muito difícil atrair e, mais ainda, manter jovens na profissão. A precariedade no emprego é um dos motivos pelos quais muitos professores qualificados abandonaram a profissão. Seria necessário atrair esses profissionais de volta, essa seria a primeira resposta que as escolas deveriam ter para resolver o problema da falta de professores. É necessário recuperar a atractividade para a nossa profissão. Se isso não acontecer nos próximos anos, a maioria dos alunos terá aulas com pessoas não qualificadas. Certamente, essas pessoas farão o seu melhor, mas é importante lembrar que a formação de professores não é algo feito ao acaso, ela é essencial.
[CP]: As avaliações estão garantidas?
[MN]: Espero que sim. Admito que possa não ser no momento em que estão previstos. Um professor, ao trabalhar ao longo do ano inteiro, o que mais quer é que chegue ao fim do ano e que os seus alunos tenham aproveitamento, sejam bem-sucedidos escolarmente e possam avançar para os exames.
No entanto, o Ministério da Educação pode, irresponsavelmente, empurrar a luta dos professores para esse período. Há uma data que tem um forte simbolismo para os professores, que é o dia 6/06/23, porque é exactamente o tempo que os professores estão a perder e que não lhes foi considerado devido ao congelamento: 6 anos, 6 meses, 23 dias. Esse dia, que será um dia de greve nacional dos professores com uma manifestação às 10h30 no Porto e às 15h30 em Lisboa, seria um dia com um simbolismo extremamente importante para podermos assinar um acordo para a recuperação desses 6 anos, 6 meses e 23 dias.
Não estamos a dizer que a valorização da carreira passa por aumentar o salário. Passa por criar uma carreira melhor, por cumprir o que está na lei. Um professor com 12 anos de serviço não está no quarto escalão, como deveria estar por lei, está no primeiro ou, eventualmente, a começar o segundo. A única coisa que pedimos é que o que está na lei seja cumprido. Se aquilo que está na lei for cumprido, pelo menos em relação a essas matérias, a luta terminará.
[CP]: Como é que tem sido a relação com os outros Sindicatos?
[MN]: Nós estamos habituados a fazer parte de um sector profissional onde existem muitos sindicatos. Quanto ao destaque dado pela comunicação social, isso já não é da nossa competência. São critérios editoriais, com certeza, e quem somos nós para questioná-los? Nós estamos unidos, trabalhamos e lutamos juntos, em convergência com todos os sindicatos. E depois, há outra organização que possui outra estratégia, que respeitamos. Eles entendem que deve haver greve por tempo indeterminado, nós não concordamos, porque os professores precisam de comer.
[CP]: Que outras acções estão previstas?
[MN]: Vamos ter a partir do próximo dia 22 uma caravana que vai percorrer o país de Norte a Sul pela Estrada Nacional 2. Ela partirá no dia 22, uma segunda-feira, de Chaves e chegará no dia 30 a Faro. No dia 25, precisamente, atravessará o distrito de Coimbra. É uma caravana em defesa da profissão e da escola pública. Entraremos nas localidades por onde passarmos e os professores estão convidados, a deslocarem-se para um ponto específico, geralmente próximo à maior escola da localidade, onde teremos assembleias, mini-assembleias, concentrações e plenários com os colegas para discutir esses problemas e a necessidade de continuar a luta. Também será distribuído um texto à população, agradecendo não só o apoio e a solidariedade que temos recebido da população, mas também explicando mais uma vez por que continuamos a lutar. Após a caravana, que termina no dia 30, teremos a greve e as duas manifestações em 6/6/23, e em seguida, teremos as avaliações finais. Esperamos que nessa data seja possível terminar esta luta, só depende do Governo.
Luís Santos/ Joana Alvim