Jorge Veloso é um autarca experiente com mais de duas décadas de serviço em freguesias. Desde a reorganização administrativa em 2013, é o presidente da União de Freguesias de São Martinho do Bispo e Ribeira de Frades. Em 2022, foi reeleito para o cargo de presidente da Associação Nacional de Freguesias (Anafre) com uma impressionante margem de 95,15% dos votos. Além disso, representa as freguesias no Congresso das Autoridades Locais e Regionais do Conselho da Europa.
Campeão das Províncias [CP]: Pode explicar o que é a ANAFRE?
Jorge Veloso [JV]: É uma associação que actualmente tem cerca de 70% das freguesias associadas. Actualmente, existem 3.090 freguesias, e a Anafre tem cerca de 2.700. Estão sempre a entrar e dificilmente alguma sai, porque na associação tem-se a possibilidade de ter acompanhamento jurídico e pareceres contabilísticos. A Anafre tem como objectivo zelar pelos interesses das freguesias do país e é parceiro do Governo em várias comissões e concelhos, representando-as e procurando obter o melhor para elas.
[CP]: Quais são as principais questões que a ANAFRE defende?
[JV]: Para 2023, a Anafre tem 4 ou 5 notas muito importantes a desenvolver com o Governo, que já está a trabalhar nelas. A primeira tem a ver com os fundos comunitários. Pela primeira vez, as freguesias vão ter a possibilidade de se candidatarem a fundos europeus. Apresentámos as nossas propostas numa primeira reunião com a ministra da Coesão Territorial e estamos a aguardar indicações sobre quais os programas e avisos aos quais seremos elegíveis. Queremos ter possibilidades de intervir no espaço público pertencente à freguesia e acompanhar tudo o que se faz em termos de transformação energética e digital, bem como combater a iliteracia digital. Apresentámos três situações na nossa proposta: freguesias de classe 1,2 e 3, criámos patamares para cada projecto, dependendo do tamanho da freguesia e das áreas prioritárias para o seu desenvolvimento. É preciso que as propostas sejam realistas e dedicadas às pessoas.
[CP]: Para além dos fundos comunitários, que outras questões estão em cima da mesa para 2023?
[JV]: É urgente revisitar a lei das finanças locais, apesar de muita gente dizer o contrário. A lei foi alterada em 2018, no entanto, o mundo mudou desde esse ano para cá. Tivemos uma pandemia, tivemos depois uma guerra que nos atinge a todos indirectamente e temos uma inflação que cresceu brutalmente. Neste momento, encontramo-nos numa posição mais favorável, mas mesmo assim, muito desfavorável para as pessoas e para as freguesias também. Temos cada vez mais pessoas a baterem-nos à porta a procurar auxílio, com rendas de casa, com falta de alimentos, com pagamento de serviços, electricidade, gás, etc. Temos tido infelizmente uma procura que eu considerava nesta fase poderia já não existir, mas o que é certo é que existe. Está a ser complicado. Estes aumentos todos que houve e o aumento que tivemos no orçamento para 2023 foi completamente absorvido por estas despesas extraordinárias. É imperativo fazer alguma coisa porque as autarquias estão a ficar sem recursos financeiros para enfrentar as inúmeras despesas que têm.
[CP]: Que outras negociações estão a decorrer?
[JV]:. Temos um ponto que já está em velocidade cruzeiro e que diz respeito ao ressarcimento das despesas covid. A ANAFRE conseguiu nas negociações que teve, não só, na Assembleia da República, mas também com o próprio Governo, que estes 5 milhões de euros sejam distribuídos pelas freguesias mediante a apresentação de documentos de despesas, que todos temos que entregar na CCDR. Eu já entreguei os meus e as minhas despesas foram validadas. Vamos ver se no final os 5 milhões serão suficientes para cobrir estas despesas. O que nos dizem é que não há mais dinheiro e que saiu de um fundo de emergência. As despesas que são elegíveis são apenas as de 2020, de Março a Dezembro. Temos em debate também uma situação que nos aflige. Tem a ver com a revisão do estatuto do eleito local. Como já referi, o mundo transformou-se e a posição dos autarcas de freguesia também se transformou bastante com a agregação de 2013, criando situações megalómanas. Dou-vos o exemplo de Cascais e Estoril, que tem cerca de 70 mil eleitores, e depois temos o outro lado da barreira, com cerca de 80 freguesias com população muito abaixo do normal O que acontece é que existem remunerações em termos de escalonamento, mas em alguns casos o que é pago a um presidente de junta que tem 70 mil eleitores são 1.900 euros e o que é pago a um vereador numa câmara que tem 2.000 eleitores são 3.000 e tal euros. Isto é o que está errado. Não pode haver autarcas de primeira e segunda.
[CP]: A Lei da desagregação também tem sido um dos temas importantes.
[JV]: A lei de 2013 foi construída à martelada e sem tempo para pensar. Houve situações que não respeitaram a vontade própria das populações e até dos próprios executivos. Portanto, os pedidos que deram entrada são um sinal evidente de que essas freguesias devem reverter para a posição anterior, a que existia em 2013. Há situações que têm que ser corrigidas. No entanto, há discordâncias em relação ao “timing” da entrega na Assembleia da República. A lei prevê que o processo deve ser iniciado até 21 de Dezembro de 2022, mas a Assembleia considera que esse é o prazo limite para entrega dos processos. Temos pareceres que dizem que o prazo é para a entrada do processo na Assembleia de Freguesia. Neste momento as Assembleias Municipais estão a debater pedidos de desagregação que já foram aprovados em Assembleia de Freguesia. Ainda há muitas questões por resolver e há processos de desagregação mais simples que outros.
[CP]: Como está a descentralização de competências para as Juntas de Freguesia?
[JV]: Até ao momento, 149 municípios já realizaram acordos com as suas freguesias, abrangendo cerca de 1600 freguesias e 140 milhões de euros. Este acordo visa aumentar a autonomia das freguesias e permitir um melhor desenvolvimento do trabalho. Sabemos que estes valores são transferidos dos municípios para as freguesias através do orçamento de Estado, o que permite uma gestão mais equilibrada e simplificada. Com esta transferência de competências, temos uma melhor capacidade de gestão e colaboração com as pessoas e os nossos munícipes.
[CP]: Está no último mandato como presidente da Junta da União das Freguesias de S. Martinho do Bispo e Ribeira de Frades. Já está a ficar com saudades?
[JV]: Ainda faltam dois anos e meio até ao final do mandato. A lei prevê e bem que o limite de mandatos seja respeitado, mesmo que haja criação de uma nova entidade ou agregação de freguesias. Chegou a altura de dar lugar a outras pessoas com valor para assumir os destinos da Freguesia. Sinto que esta será a minha última vez como autarca, pois são 32 anos de autarquia de freguesia, mais oito como presidente da Assembleia de Freguesia, o que totaliza 40 anos da minha vida.
[CP]: Foi uma das vozes que contestou a integração dos Covões no CHUC.
[JV]: Eu faço parte da Associação e entendo que tem feito um bom trabalho, com a presidente, a doutora Sandra Simões, à frente do processo. A urgência do hospital teve uma requalificação há uns anos atrás que custou à volta de 1 milhão de euros e transformou aquela urgência numa unidade topo de gama. Mas agora, foi praticamente abandonada. Têm recursos humanos excepcionais, com médicos e enfermeiros e outro pessoal de grande qualidade. E parece-me que não se dá o devido valor ao hospital, que pode apresentar na prestação de saúde cuidados que a população precisa, em vez de estarmos todos metidos num espaço já super ocupado, que vai ser ainda mais lotado com a maternidade. Isso foi uma das lutas que tivemos, pensámos que a excelência da Quinta dos Vales poderia albergar a maternidade sem grande afrontamento para o orçamento com que vai ser executada. E vamos continuar a ter tudo a confluir para o mesmo local. Quando não se faz aproveitamento e uso daquilo que nós temos e que funciona bem, algo está errado.
[CP]: Como tem sido o relacionamento com a Câmara Municipal de Coimbra?
[JV]: Eu penso que o primeiro ano foi um ano de aprendizagem, para o qual nós demos o benefício da dúvida em relação ao seu funcionamento. Temos dado provas em como estamos disponíveis para negociar. Tem que haver justiça e equilíbrio nas decisões que se tomam. Nós esperamos que em 2023 a Câmara acompanhe todas as freguesias da mesma maneira, seja de uma cor ou de outra, não importa. São freguesias e estão aqui para desenvolver o seu trabalho, contando com o apoio da Câmara Municipal. Eu espero que em 2023, além do que foi feito e bem para a Feira Popular, haja reciprocidade também para as outras freguesias, porque se assim não for está errado.
Luís Santos/ Joana Alvim