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Semanário no Papel - Diário Online

 

João Pinho

Quo vadis Igreja?

17 de Março 2023

Tenho um profundo respeito pela Igreja Católica, bem como por todas as religiões que preservam a dignidade humana e acreditam em Deus acima de todas as coisas, sem fanatismos e extremismos. Nasci e cresci no seio de uma família profundamente crente nos mistérios da fé, praticante dos rituais e sacramentos, de intensa devoção a Santo António, Nossa Senhora de Fátima e Santa Rita de Cássia.

Frequentei a catequese, os grupos de jovens na Sé Velha, fiz parte do coro de Celas e, a dada altura, houve quem visse em mim um potencial seminarista. Tive amigos que se fizeram padres e padres que deixaram de o ser pelas mais diversas razões. Guardo, por isso, alguns segredos, irrelevantes, contudo, para aquilo que pretendo exprimir.

A nossa história secular é devedora do contributo monástico-conventual na estruturação da ideia de uma nação, raça e sentido patriótico. O mosteiro de Santa Cruz, onde repousam os restos mortais dos primeiros reis de Portugal, evidencia, talvez mais do que qualquer outro, a profícua interligação entre os interesses de Estado e a Religião.

A Igreja, porém, é feita não tanto pela obra e graça do Espírito Santo, mas sim por homens e mulheres, isto é, de seres humanos imperfeitos por natureza. Os quais, ao longo dos tempos, cometeram, como em tantas outras instituições, terríveis abusos, horríveis atrocidades e profundas desumanidades. Basta relembrar os sacrificados pela Inquisição!

De vez em quando a Igreja sofre abalos. O crescimento sempre foi um processo de dor: em nome de um ideal, tem-se procurado adiar o fim do celibato, impedido o abrir de portas ao mundo feminino, mas agora parece ter chegado a hora de dizer basta, perante as queixas emergentes de pedofilia e outros abusos – os quais, não sejamos hipócritas, sempre ouvimos falar de forma mais ou menos direta nas nossas paróquias.

Esteve bem o Papa Francisco ao dizer que as mulheres, no futuro, podem vir a substituir os homens na celebração de missas. Uma declaração surpreendente, já que no princípio do seu pontificado, dizia, precisamente, o contrário. Também esteve bem ao erguer a voz contra o abuso e violência sobre as mulheres, depois de um longo silêncio. Evoluiu o seu pensamento teológico-moral, e isso é um bom sinal, que se espera seja acatado pelos sectores mais conservadores.

Mais acção e menos palavreado

Por cá a comissão independente para o estudo dos abusos sexuais na Igreja Católica validou 512 testemunhos, apontando, por extrapolação, para pelo menos 4.185 vítimas, com 25 casos a serem enviados ao Ministério Público, dando origem a 15 inquéritos, dos quais 9 foram arquivados – números para o nosso Presidente da República reflectir e, quem sabe, redimir-se do que disse sobre o assunto não há muito tempo. Entretanto, continuam a chegar, diariamente, novas informações veiculadas a partir das dioceses, sobretudo, num rol de supostos criminosos que parece não ter fim – enquanto altos responsáveis da Igreja vão proferindo discursos e intervenções, pouco abonatórias para uma questão tão melindrosa.

Não é um bom sinal, de todo. Exige-se mais: mais investigação, mais estudo, mais coerência, mais meios para as autoridades, mais acção e menos palavreado. As vítimas merecem todo o nosso respeito, os infractores a punição implacável da Justiça. Em nome das gerações presentes e futuras, em memória daqueles que ficaram a padecer para toda a vida. A não ser assim, tornar-se-á muito difícil acreditar na Igreja, na orientação espiritual dos pastores sobre os rebanhos de Deus, que parece seguir a máxima da filosofia popular: olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço.

(*) Historiador e investigador