João Gabriel Silva, antigo Reitor da Universidade de Coimbra (2011-2019), é professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia e preside, desde Fevereiro de 2022, ao Instituto Pedro Nunes (IPN), instituição criada por iniciativa da Universidade de Coimbra.
Recentemente a incubadora do IPN foi considerada como uma das dez melhores do mundo, a única portuguesa a figurar na lista.
Campeão das Províncias [CP]: Como é que a incubadora do IPN conseguiu ficar colocada entre as 10 melhores do mundo?
João Gabriel da Silva [JGS]: De facto o Instituto Pedro Nunes ficou colocado no grupo das 10 incubadoras universitárias com melhor desempenho no ranking internacional mais importante, que é feito pela UBI Global. Foi muito graças à ligação do IPN à Universidade de Coimbra, que é fortíssima. Foi a UC que, nos idos anos de 1991 criou o Instituto, e é dela que provém a larga maioria do conhecimento avançado que o IPN disponibiliza à sociedade.
Na sua vertente de incubação de empresas, o IPN ajuda na constituição da empresa, na procura de clientes, na elaboração do plano de negócios, na protecção da propriedade intelectual, na procura de investidores, na candidatura a financiamentos, na fiscalidade, na contabilidade, nos contratos de trabalho, da disponibilização de espaço, entre outros.
Para muitas pessoas uma incubadora é um sítio onde se pode alugar espaço por um preço baixo. No nosso caso essa é uma pequena parte do que fazemos – um dos factores que nos colocou no top ten das incubadoras foi precisamente a latitude e a profundidade dos serviços prestados às empresas que temos incubadas.
[CP]: Os serviços disponibilizados são apenas para empresas novas ou qualquer empresa pode recorrer ao IPN?
[JGS]: Nós trabalhamos tanto com empresas novas como com empresas já existentes. O Instituto Pedro Nunes, para além da incubadora, que se dedica a apoiar as empresas que estão a dar os primeiros passos, tem uma outra parte que são laboratórios que trabalham essencialmente com empresas já existentes. Estes laboratórios servem para ajudar no processo de inovação, no desenvolvimento de produtos, na resolução de problemas que se detectam em produtos já existentes.
[CP]: Estes serviços são pagos?
[JGS]: Sim. É importante que se saiba que o Instituto Pedro Nunes não é financiado pelo Orçamento de Estado. Vive da receita que ele próprio angaria, que vem essencialmente da prestação de serviços avançados e dos projectos competitivos a que se candidata.
[CP]: Dão apoio a qualquer empresa?
[JGS]: O requisito base é que sejam empresas com um nível de inovação grande, fora disso não há restrições nem quanto ao sector nem quanto ao tamanho. Por exemplo, muitos de nós ouviram falar das chamadas empresas unicórnio. Os unicórnios são empresas inovadoras de crescimento muito rápido que são avaliadas por um valor superior a 1000 milhões de dólares. Existem 6 ou 7 empresas nascidas em Portugal nessa categoria. São empresas que têm investidores de capital de risco mas, para empresas com esse valor, esses investidores não são portugueses e, ao investir, obrigam as empresas a mudar de sede para outro país. Só há um unicórnio que mantém a sede em Portugal, e essa sede está no IPN. Estou a falar da Feedzai, que foi fundada em 2008 por Nuno Sebastião, Pedro Bizarro e Paulo Marques.
[CP]: Os investidores procuram-vos em busca de ideias?
[JGS]: Sim, os investidores andam sempre à procura de boas ideias para apoiar. Ora, no IPN andamos sempre a recolher ideias de negócio. Por exemplo, realizamos cursos em que ajudamos os promotores a desenvolver as suas ideias, bem como a planear o que é necessário para as concretizar. O culminar desses cursos é o dia da demonstração, em que nós convidamos investidores a estarem presentes, e de onde muitas vezes saem decisões de investimento. O maior fundo de investimento português em capital de risco é a Portugal Ventures, criada pelo Estado. Andam continuamente à procura de ideias de negócio nas quais possam investir, e o local onde têm encontrado mais ideias com potencial é precisamente o Instituto Pedro Nunes.
[CP]: O IPN já apoiou quantas empresas?
[JGS]: Nós já apoiámos, desde que a incubação começou em 1996, mais de 400 empresas. Dessas mantêm-se em actividade mais de 65%. O que neste universo das empresas startup é muito bom, porque a taxa de mortalidade é elevada. O volume de negócios dessas empresas, em Portugal, no ano de 2021, é superior a 450 milhões de euros. A percentagem de exportação é superior a 60% e os empregos directos qualificados, gerados pelas empresas que o IPN apoiou, são mais de cinco mil.
[CP]: O desenvolvimento da actividade empresarial em Coimbra preocupa-o?
[JGS]: Coimbra perdeu em 20 anos 1/3 da faixa etária dos 25 aos 29 anos. É a faixa etária que está a constituir família, mas muitos vão embora por falta de oportunidades de carreira profissional. Ainda assim, Coimbra tem uma vantagem muito grande em relação a outras zonas desertificadas em Portugal, pois tem a Universidade e, em menor escala, o Politécnico e a Escola de Enfermagem, que atraem todos os anos grande número de jovens. Coimbra é uma cidade simpática, as pessoas gostam de cá estar e, portanto, há muitos diplomados que, não sendo originários de Coimbra, aqui ficariam se houvesse oportunidades profissionais. Aumentar a oferta de emprego é a luta número 1 de Coimbra, se quiser parar a decadência demográfica. Uma prova da falta de investimento em Coimbra é que o último grande prédio de escritórios foi construído há cerca de 40 anos, a Torre do Arnado. Não é compreensível.
[CP]: O actual Executivo está a trabalhar bem nesse sentido?
[JGS]: Acho que está a corrigir a falta de atenção que, no passado, se deu ao investimento económico, e os primeiros resultados já são visíveis. Veja-se que a Airbus já escolheu fixar-se em Coimbra! É algo que com a anterior administração autárquica seria impensável, porque é bem sabido que o anterior Presidente da Câmara a maior parte das vezes nem recebia os investidores. O que é que um grande investidor procura? Não é dinheiro. Aliás, é bom que se saiba que o financiamento que a Câmara Municipal de Coimbra dá à Airbus, para se instalar cá, é zero. A Câmara e as outras instituições que se juntaram para ajudar neste processo, apenas se comprometem em empenhar-se em resolver os problemas que surjam, e que não estejam relacionados com o objecto da actividade da Airbus. Este contributo é decisivo porque o investidor quer poder concentrar-se na sua actividade, não quer ter problemas de outra índole. Porque nós sabemos bem que, nomeadamente as instituições do Estado e as câmaras municipais, se quiserem chatear, têm muita maneira de chatear e atrasar e, infelizmente, Coimbra teve imensa experiência nessa matéria.
[CP]: A Universidade era criticada por estar fechada ao mundo, ainda se mantém assim?
[JGS]: Houve uma alteração enorme nos últimos 40 anos. Dantes a maioria dos professores não investigava, e agora a larga maioria já se dedica à investigação científica. Aliás, um dos orgulhos que eu levo da minha passagem pela reitoria é o facto de a Universidade de Coimbra ter sido, de todas as instituições portuguesas, aquela que, no quadro comunitário que acabou em 2020, mais dinheiro conseguiu para investigação diretamente da Comissão Europeia, em competição plena com toda a Europa. Isso significa que a Universidade de Coimbra é actualmente uma universidade moderna, pujante, na fronteira do conhecimento em muitas áreas. A ideia que alguns ainda têm de ser uma instituição fechada sobre si própria está completamente errada.
[CP]: O que tem a dizer da sua antecessora?
[JGS]: A professora Teresa Mendes é a grande responsável por estes sucessos do IPN, ela esteve à frente do IPN durante 23 anos. Enquanto estive na reitoria ela manifestou disponibilidade para ser substituída e eu fui sempre adiando porque ela fez um trabalho fantástico. Estou agora, como sucessor dela, a tentar manter no IPN o mesmo nível de sucesso que ela teve.
Lino Vinhal/ Joana Alvim