Nasceu em Coimbra, em 1989, e sempre soube que o seu futuro seria dedicado à escrita. A paixão pelas palavras levou-a a licenciar-se em Ciências da Comunicação, na Universidade do Minho, e a tirar o mestrado na mesma área, na Universidade de Coimbra. Desde então, Marina Ferraz nunca mais largou o universo das letras sendo, actualmente, escritora, blogger e letrista. Recentemente, lançou o seu segundo livro, intitulado “[A(MOR]TE)”, que conta com prefácio do ensaísta e professor catedrático Carlos Reis, assim como com notas de contracapa do autor galardoado Nuno Camarneiro, do comunicador Júlio Isidro e das cantoras Sofia Escobar e Rita Redshoes. Em entrevista ao “Campeão das Províncias”, Marina Ferraz descreve esta obra que “promete pensar de forma distinta a vida, a morte e o amor”.
Campeão das Províncias [CP]: O que é retratado neste livro?
Marina Ferraz [MF]: É um livro de 28 contos. Todos eles acabam por tocar o tema da morte, mas o livro é, essencialmente, sobre as perspectivas de vida. As formas de viver o amor e o impacto que isso tem sobre a morte. Quando eu apresento o título com amor entre parêntesis rectos e morte entre parêntesis curvos é intencional. Aquilo que eu tento transmitir é que o amor é mais forte que a morte, vai além da morte e não morre com a morte. Os contos acabam por recair sobre as formas de amar e de viver usando sempre a morte como elemento base para isto. O livro tem ainda um QR Code que liga a uma música, que tem a composição e voz de Hélder Godinho.
[CP]: Este não é o seu primeiro livro. O que o distingue do anterior?
[MF]: Antes deste, lancei um livro, tinha 18 anos. Era um livro de poesia. Acho que a maturidade da escrita não era a mesma, já para não falar que dediquei a minha vida a trabalhar para a escrita. Sempre quis ser escritora. A própria qualidade da escrita, hoje em dia, é reflexo deste trabalho. Para mim, isto é uma história que começa com 6 anos, ainda não sabia escrever. A professora mandou-me ao quadro fazer um “i”. Eu cheguei a casa e disse à minha mãe “mãe, eu já sei o que quero ser quando for grande: escritora”. E nunca quis ser outra coisa.
[CP]: Esse desejo só se adensou ao longo do tempo?
[MF]: Eu acho que as palavras viciam. Quando começamos a usá-las para construir narrativas e para o nosso quotidiano, torna-se viciante ter essa capacidade de comunicação e expressão. Queremos ir mais longe com as palavras e explorar o seu potencial. Foi por aí que acabou por se adensar esta minha paixão pela escrita.
[CP]: Ter nascido em Coimbra foi, de alguma forma, um obstáculo para si?
[MF]: Coimbra é mãe. Em Coimbra recebi uma educação absolutamente incrível. Tive professores maravilhosos que me acompanharam e me ajudaram a construir-me para isto. Se calhar não seria tão fácil construir carreira se não tivesse ido para Lisboa. Contudo, nunca vou saber realmente se isso é verdade. Ser de Coimbra e ter lá crescido, ajudou. Tive acesso a muitas realidades que talvez Lisboa não me tivesse oferecido. Tive oportunidade de me apaixonar pela terra e sinto que muito da minha escrita também é ancorada nisso.
[CP]: A Marina apresentou o seu livro em Coimbra. O que sentiu por parte do público?
[MF]: Eu não senti muita adesão, mas também é preciso explicar que eu conheço muito pouca gente em Coimbra. Os meus primeiros 14 anos de vida foram em Coimbra, mas o meu leque de relações não era muito vasto, porque estudei na mesma escola, com a mesma turma, isto é, as mesmas pessoas. Acabo por conhecer pouca gente e por haver mais desconhecimento sobre aquilo que tem sido o meu trabalho. De qualquer forma, dentro do público que estava, senti-me muito acarinhada, senti que estavam interessados na obra e que queriam mais. A reacção foi muito boa.
[CP]: O livro pensa a vida, a morte e o amor. O que é que liga estes três conceitos?
[MF]: São quase o mesmo conceito dividido em três. Não há vida sem morte e eu acredito que o grande motor de tudo isto é o amor. Penso que estão absolutamente ligados, quase como se fossem três irmãos.
[CP]: Qual é a importância de reflectir sobre estas questões?
[MF]: As pessoas não gostam de falar sobre a morte porque a associam à dor, mas a morte não dói. O que dói é a doença e o luto, que fazem parte da vida e não da morte. Pensando a morte como um dos motores da vida, acabamos por conseguir viver melhor. Por exemplo, vivemos ansiosos com medo de fazer algo de errado. No entanto, a morte dá-nos a certeza de duas coisas: por muito má que seja a consequência de algo que façamos ela não é eterna, porque nós vamos morrer um dia. Por outro lado, há um desejo de viver, porque sabemos que a vida é efémera. Portanto, eu acho que é importante pensar na morte, porque ela nos pode dar as ferramentas para viver uma vida mais feliz, calma e de uma maneira mais correcta.
[CP]: Sente-se uma escritora que traduz as vivências de todos nós?
[MF]: Eu sinto-me uma escritora que cria com base naquilo que a pessoa que sou vê. Eu sou uma pessoa que olha, que se interessa em falar com os outros e que tenta olhar a realidade do mundo além daquilo que nos tentam mostrar. Sinto que, quando ficciono estas histórias, elas têm gente dentro. A emoção que está por trás dos contos é real.
[CP]: Como letrista, também é isso que faz? Há uma grande diferença entre escrever letras e escrever livros?
[MF]: Depende do modo de construção da letra. Quando me é dado um mote, uma métrica ou música, essa construção é um bocadinho condicionada. Contudo, tento sempre passar aquilo que é a minha ideologia. Tento também usar a escrita como uma arma e como um espaço de denúncia, porque sinto essa obrigação enquanto autora. Eu escrevo um pouco de tudo, porque aquilo que me apaixona verdadeiramente são as palavras.
[CP]: E nunca lhe faltam as palavras?
[MF]: É muito difícil faltarem-me as palavras, mas ocasionalmente há uma pessoa ou outra que consegue tirar-mas por um bocadinho. Ainda bem, porque esses momentos também valem a vida. Por vezes, ficar sem palavras é muito bom.
[CP]: Como tem sido a recepção a este livro?
[MF]: Tenho sentido uma aceitação absolutamente incrível. As pessoas têm elogiado certos pormenores do livro que, realmente, é preciso ter lido e ter estado interessado para conhecer. Já algumas pessoas me disseram que o livro as fez pensar e tomar decisões; outras que deixaram de tomar antidepressivos porque sentiram que já não precisavam deles; pessoas que tinham perdido familiares muito próximos e que dizem que as ajudou a lidar com o luto dessa perda. Este é o melhor feedback que eu posso ter: sentir que a minha obra está a ajudar pessoas. Acho que isso é muito especial. É o motor para eu continuar. Sabemos que os apoios à cultura por parte do Estado são muito poucos e a Arte, no geral, é muito maltratada em Portugal. Sinto que a escrita é o parente pobre das Artes e cada vez mais, porque as pessoas lêem menos e há um investimento cada vez menor na Literatura. Este feedback é o que me diz que estou a ir no caminho certo.
[CP]: Sobre o que é que lhe falta escrever?
Não sei. Desde pequena que peço para me darem temas. Não sinto que os temas estão gastos, há sempre maneiras novas de falar das mesmas coisas, mas não tenho a certeza sobre o que é que me falta escrever. O mundo é tão vasto e cada vez que encontro uma pessoa encontro uma história. Toda a gente é uma história. Portanto, falta-me escrever tudo e nada.
Cátia Barbosa (Jornalista do “Campeão” no Porto)
[Entrevista publicada na edição impressa do “Campeão” de 12 de Janeiro de 2023]