O Governo gere a actual situação como se a Europa não estivesse em guerra e o mercado funcionasse regularmente, em termos ideais, em concorrência perfeita.
Já aquando da eclosão da pandemia, o Governo reagiu tarde e a más horas a fim de sustar o açambarcamento e a especulação que se registavam em extensão e profundidade em todas as fileiras do mercado.
Os produtos atingiram preços excessivos, mormente no segmento dos de higiene e saúde (álcool gel, produtos gelificantes, instrumentos outros) e dos equipamentos de protecção individual.
Importa não ignorar que um oxímetro, instrumento de medida do oxigénio no sangue, cujo preço antes orçava os 4, 50 €, passou a custar 70, 80, 90 €.
Em Coimbra e alhures, as farmácias vendiam-nos, segundo registos em nosso poder, a 77,70 €, corria o ano de 2021.
Os preços dos géneros alimentícios atingem hoje montantes incomportáveis.
E os valores que aparecem à luz do dia nos media, fornecidos por uma empresa que se diz operar no mercado de consumo, nem sempre se têm por fidedignos… Mas o Governo permanece mudo e quedo à subida em espiral dos preços sem que se abalance a pronunciar-se, em gesto sumamente reprovável.
O Governo não pode ignorar a escalada de preços que se regista desde que há já cerca de um ano a guerra eclodiu na Ucrânia.
Em vez de se propor cobrar das grandes insígnias da distribuição alimentar os tais lucros caídos dos céus, o Governo deveria, em nosso entender, como temos vindo a sustentar:
1.º – Definir um cabaz de produtos essenciais tendo em vista um padrão médio de subsistência de todos e cada um;
2.º – Estabelecer um regime de preços máximos, nos comércios grossista e retalhista, tal como fez para os produtos de higiene, saúde e equipamentos de protecção individual (15% + 15% do preço base), restrito aos géneros constantes do cabaz essencial;
3.º – Deixar cair o propósito de taxar os lucros excessivos por inutilidade superveniente;
4.º A situação manter-se-ia enquanto a guerra durasse e se registassem perturbações na grande distribuição .
Não se ignore que o Estado beneficia, a um duplo título, da situação ocorrente, ou seja, dela tira proveito a dobrar, como a ninguém parece escapar: os impostos que cobra sobre os produtos cada vez mais caros e os que passará de forma extraordinária a cobrar, a título de “lucros excessivos”, mediante fórmula que aprovou num dos últimos Conselho de Ministros. E em que considerou não só os lucros emergentes da electricidade como dos combustíveis, como ainda os arrecadados pelas mega-empresas da fileira alimentar.
É deplorável o que se está a passar. E o facto revela quão distante está o Governo de uma política que minore os efeitos gravosos de uma situação irremediável que carece de medidas de fundo e atinge inapelavelmente os consumidores. No actual estado de coisas, o Governo parece “assobiar para o lado”. E o Presidente, de declaração em declaração, parece incentivar a que se avolume o aprovisionamento dos depósitos do Banco Alimentar Contra a Fome… à custa de quantos se vêem já com “a borda debaixo de água”, como se a solidariedade entre pobres fosse a solução quando o Estado enche os cofres em razão do sucessivo agravamento dos preços no consumidor.
A Espanha eliminou o IVA de alguns dos produtos essenciais como forma de minorar os efeitos catastróficos das subidas de preços.
Em Portugal, tal nunca daria resultado, como se viu, aliás, com a redução no IVA na restauração, em que os preços, em vez de baixarem, subiram… nestas contradições em que são hábeis determinadas castas de empresários no espaço degradado que habitamos.
E constitui crime de lesa-consumidores o permitir-se que os preços, em situação de crise manifesta, como é a que segue seu curso, subam vertiginosamente quando se não aplica, para situações excepcionais, qualquer medida de contenção, como as que preconizamos e o Governo tem à mão, mas teimosamente não adopta.
Aliás, o Estado tira duplamente vantagem da situação: arrecada mais receitas de impostos sobre os produtos essenciais ante a escalada que se regista e prepara-se para lançar um imposto extraordinário sobre os tais lucros “caídos do céu”, como a água em abundância que daí vem jorrando depois da seca extrema por que passaram determinadas regiões do país.
(*) Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO – Portugal