A Blue House nasceu muito tempo antes de ser realmente criada. Se o “hábito faz o monge”, aqui a ocasião fez com que os alicerces desta casa fossem construídos à medida que esta ia sendo habitada. Começou por ser o sítio onde a banda conimbricense A Jigsaw – de João Silva e João Rui – ensaiava e procedia à gravação das suas músicas e que, por natureza, se mantinha no íntimo do grupo. Não só pela sua reserva como pelo seu cariz nómada – desde o Sobral, perto de Soure, como nas suas próprias casas, num quarto de hotel, em digressão, numa loja, entre tantos outros. No fundo, todos e quaisquer locais que pudessem abraçar o seu processo criativo, independentemente da fase em questão. A certa altura, nos concertos, começaram por surgir várias dúvidas e curiosidades sobre das suas composições e tornou-se necessário referir o local onde estas actividades se desenrolavam.
João Silva, multi-instrumentista de A Jigsaw, conta que Sofia Silva, que era desde sempre responsável pela estética fotográfica da banda, arquitectou uma sessão na aldeia do Sobral e, em pós-produção, decidiu dar asas à imaginação e pintar a casa de plano de fundo com a cor azul. Quando surgiu a necessidade de apontar um nome, surgiu também com alguma prontidão o nome “Blue House”. João Silva justifica o porquê da escolha: “ser o espaço onde passávamos grande parte do nosso tempo enquanto músicos”. No fundo, “a culpa foi da Sofia… se naquele dia tivesse pintado a casa de cor-de-rosa, talvez hoje nos chamássemos Pink House”, afirmou João Silva.
Mais tarde, as gravações do disco “No True Magic”, o último até então editado pelo grupo, decorreram na íntegra num novo espaço de criação, em Coimbra. “Pela primeira vez não íamos para estúdio gravar um disco, ficámos na nossa Blue House”, disse João Silva. A partir daí, começaram a incentivar músicos amigos “a tirarem músicas que tinham na gaveta e irem para o nosso espaço gravar”. E foi nesta altura que “a Blue House lançou a âncora em Coimbra”, concluiu.
Criação oficial
Este espaço sempre esteve associada ao espaço criativo de A Jigsaw e, por isso, o início foi marcado apenas pela dupla João Silva e João Rui – e assim continuou por algum tempo. Até que, em Dezembro de 2018, a “empresa Blue House foi oficialmente criada”. Para complementar a equipa, João Silva diz ter caçado “dois passarinhos da cidade”: Ricardo Jerónimo e Henrique Toscano, ambos da banda Birds Are Indie. A pasta do ‘management’ e do agenciamento da banda pertencia a Ricardo Jerónimo e o processo de gravação era trabalhado por Henrique Toscano. “E nós [Blue House] precisávamos de ajuda nestas duas áreas”, confessou João Silva. Desta forma, o núcleo central da empresa passou de duas para quatro pessoas. “Ricardo Jerónimo integrou a empresa como responsável pelo ‘booking’ e como um dos produtores, o Henrique Toscano como responsável pelo dia-a-dia do estúdio e um dos responsáveis técnicos das nossas produções externas, o João Rui como principal produtor musical e eu como coordenador geral da casa”, contextualizou João Silva. No entanto, e à medida que o tempo vai passando e o volume de trabalho foi crescendo, a casa continuou a crescer. “Hoje temos a sorte de ter o Rui Pedro Martins como designer e a Catarina Santos Silva que, para já, abraçou a pasta da comunicação”. Na prática, no correr do dia-a-dia, e consoante a necessidade, os papéis desdobram-se e “todos fazemos muito mais do que isso”, acrescentou. Além dos membros já referidos, “temos a sorte de contar com alguns amigos e frequentadores da Blue House, que muitas vezes são chamados à acção”, nomeadamente Gonçalo Parreirão, Filipe Furtado ou Bernardo Franco. “O ideal era darmos melhores condições aos que já cá estão e ter condições para alargar a actual equipa da Blue House”.
Segundo o mentor João Silva, esta empresa “é uma espécie de casa de criação”. Isto deve-se ao facto de trabalharem “maioritariamente com criativos – quer seja quando estamos em estúdio com alguma banda, na estrada com um artista, a programar espaços ou no nosso próprio processo criativo”. Além disso, a primazia é dada ao processo em si, aos próprios criadores e, muitas das vezes, “aos que vivem e criam na cidade e região de Coimbra”, reforçou.
Áreas de acção
A Blue House actua, assumidamente, em três vertentes: no trabalho de estúdio, ligado directamente à criação e à produção musical, com foco na criação e produção de artistas da região de Coimbra; no agenciamento, com um leque de artistas e projectos com ligação a Coimbra, numa tentativa de fazer com que estes consigam apresentar os seus trabalhos um pouco por todo o país e não só, com alguns casos de artistas que vão regularmente a Espanha; e na produção e programação cultural, com a criação de conteúdos próprios e de propostas de programação cultural que podem ir desde o serviço educativo – como é caso da colaboração com o Teatro da Cerca de São Bernardo no ciclo “Sábados para a Infância” ou, mais recentemente, com as Oficinas de Verão do projecto RE/FORMA no Jardim Botânico da Universidade de Coimbra – até à programação regular de espaços culturais, como é exemplo do ciclo “Café Curto” no Café Concerto do Convento São Francisco, o Festival EPICENTRO ou o RE/FORMA.
“Além destas três linhas, fazemos muitas outras coisas, nomeadamente colaborar com estruturas culturais locais na realização dos seus eventos, assegurar o transporte e a organização de digressões com artistas nacionais e internacionais”, reforçou João Silva. “Infelizmente a equipa é pequena para conseguirmos fazer tudo o que gostávamos”, concluiu.
Actualmente, a Blue House está a desenvolver o projecto RE/FORMA, “que visa celebrar os 250 anos da Reforma Pombalina da Universidade de Coimbra, centrando-se no Jardim Botânico da Universidade de Coimbra”. Com início em Junho deste ano, o projecto vai estender-se até Abril de 2023. As últimas nove semanas foram dedicadas às Oficinas de Verão, “onde trabalhámos com grupos de crianças todos os dias, no Jardim Botânico, com a ajuda de vários músicos e artistas convidados”. No próximo fim-de-semana (1 e 2 de Outubro), a programação será dedicada à abertura do ciclo Outono-Inverno do RE/FORMA.
O futuro
O papel da empresa é, desde a sua génese, “lutar para proporcionar melhores condições aos criadores, principalmente aos criadores na área da música e da região de Coimbra, para que possam trabalhar e possam exercer a sua profissão” condignamente.
Paralelamente, um dos propósitos passa por “fazer um trabalho cada vez maior e mais profundo com crianças: desenvolver um serviço educativo, colaborar com as escolas e com outras estruturas culturais da cidade na elaboração dos seus serviços educativos”. Reforçando que “as crianças são o futuro”, João Silva diz ser “essencial que as novas gerações cresçam com estímulos artísticos e criativos, que conheçam os artistas e os espaços ligados às artes da sua cidade”.
No que toca ao futuro, João Silva é célere quando diz que o primeiro objectivo da empresa “é sobreviver e ganhar solidez”, reforçando que “nem sempre é fácil quando se trata de uma empresa que trabalha no sector cultural”.
Recuando até 2018, quando foi constituída empresa, o mentor da Blue House recorda que “um ano e pouco depois, apareceu a pandemia”. Segundo o músico, “foram dois anos bastante complicados para aguentar o barco à tona de água”. Mas como das adversidades surgem, muitas vezes, frutíferos ensinamentos, esses tempos mais árduos fizeram o projecto ganhar força e ainda mais vontade “de fazer coisas” associada “a uma necessidade e uma urgência ainda maior de mexer com a cidade”.
Em Dezembro assinalam o quarto aniversário da empresa e, segundo João Silva, estão “a aprender a andar e a falar”. Com isto quer dizer “o trabalho já começa a ser reconhecido e aos poucos lá vamos entrando no grupo de estruturas que influencia a vida cultural da cidade de Coimbra”.
Daqui a 10 anos, a ideia de missão cumprida passaria por ver o trabalho do Serviço Educativo da Blue House efectivado e que fosse uma das vertentes principais de actuação, não só com crianças, mas com famílias e com os mais carenciados. Uma das vontades é também que “o nome da Blue House seja associado à criação artística, à novidade, à qualidade, à diversidade e, acima de tudo, a Coimbra”.
Em jeito de conclusão, João Silva afirma que a sua maior certeza é de que a Blue House tenta, todos os dias, “fazer de Coimbra uma cidade culturalmente melhor”.
Adelaide Martins
Fotografia: João Duarte
»» [Reportagem da edição impressa do “Campeão” de 29/09/2022]