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Semanário no Papel - Diário Online

 

João Pinho

A questão nuclear

30 de Setembro 2022

Todas as guerras contêm em si a semente da imprevisibilidade, a qual se torna especialmente perigosa quando os contendores, no caso o de maior poderio, dispõe da mais séria ameaça à escala global: as bombas nucleares, capazes de destruir e tornar inabitável, uma parte ou o todo do planeta.

Os últimos desenvolvimentos do conflito russo-ucraniano fizeram aumentar a possibilidade de um drama nunca experienciado na história da humanidade. Mais do que a exaltação da narrativa bíblica do livro de Samuel 17, onde Davi de Kiev parece, uma vez mais, capaz de desfeitear o todo-poderoso Golias de Moscovo, amplamente difundida pela comunicação social, preocupa-me, sobretudo, que um homem cada vez mais encurralado e isolado a nível internacional, inclusivamente, pelos seus aliados, possa ter um ataque de loucura ou demência precoce, atirando o mundo para um caos.

Penso que ainda temos algum tempo para a paz, embora os acontecimentos pareçam correr cada vez mais no sentido de uma escalada da violência, de parte a parte: uns, imparáveis pelo êxito alcançado, outros desejosos de se vingarem do ultraje. A violência gera violência, o ódio gera ódio, e ninguém é capaz de garantir, num cenário desta instabilidade, o que quer que seja. E, se garantir, estará, certamente, a mentir ou a mentir-se: basta um qualquer erro de cálculo militar, como em Zaporijia, para estalar o verniz nuclear.

Que mundo estamos a legar aos nossos filhos! Num cenário apocalíptico o planeta poderá, pura e simplesmente de deixar de existir e de albergar vida. Noutro cenário, mais moderado, daqui a 3 / 4 anos estaremos a combater na linha da frente, algures entre a França e a Bélgica; no cenário mais otimista, que estimo em 2 / 3 meses no máximo, vingará a paz que todos desejamos. Existem, obviamente, outros cenários, porém, menos prováveis como o prolongamento da guerra ou a capitulação, a partir do interior, do regime putinista, de matriz oligarca e, por essa mesma razão, também difícil de liquidar no curto/médio prazo.

Estamos, pois, perante uma complexa equação nunca vivida a nível militar e diplomático, que merece, a meu ver, a realização urgente de uma cimeira mundial da paz. Não compreendo, aliás, como Biden não ligou ainda Putin para se sentarem em torno da mesma mesa (seja ela oval, de proximidade, ou retangular, na salvaguarda do distanciamento) para um diálogo em nome de milhares de vidas que urge poupar, no curto prazo, da carnificina anunciada. Esta é, na verdade, a questão nuclear no momento, e não tanto a outra, semelhante graficamente, é certo, e que tanto nos oprime pela ideia mental de uma fissão ou fusão cujo impacto ficou bem testemunhado em Hiroshima ou Nagasaki.

(*) Historiador e investigador