 
Trata-se de uma associação sem fins lucrativos, financiada pela Direcção-Geral das Artes, criada em 2003 com o objectivo de dinamizar concertos de jazz em Coimbra. Actualmente, com quase duas décadas de existência, o Jazz ao Centro Clube (JACC) demarca-se como uma das referências do panorama cultural de Coimbra e não só, com particular destaque para a programação, criação artística e edição discográfica.
A associação nasceu em Abril de 2003, num ano muito especial para Coimbra porque, à data, era a primeira Capital Nacional da Cultura. Apesar de ter surgido em 2003 enquanto associação cultural, era já um desígnio por parte de dezenas de homens e mulheres que trabalhavam a ideia de chegar a um modelo que pudesse agregar pessoas em torno daquilo que era o objectivo: ter mais concertos de jazz em Coimbra. Esta iniciativa permitiu que, mesmo antes de haver um clube formalizado, houvesse um festival. Assim surgiu um caso singular de uma associação que nasceu a partir da dinâmica criada por um festival: o Jazz ao Centro – Encontros Internacionais de Jazz de Coimbra. Apesar de ver realizada a sua primeira edição em 2003, o Festival teve alguns eventos preparatórios de apresentação no ano anterior, integrando posteriormente o programa de música da iniciativa “Coimbra, Capital Nacional da Cultura”.
Pode dividir-se a história do JACC em dois períodos, sendo os primeiros 10 anos de trabalho maioritariamente externo, em que não tinha uma “casa” em Coimbra e ao longo dos quais manteve activo o Festival. O segundo momento assinala-se a partir de Outubro de 2012 com a entrada do Salão Brazil – espaço icónico da cidade – na equação abrindo, assim, um novo ciclo na sua vida.
20 anos de desafios
O projecto artístico da associação é bastante amplo e contempla diferentes frentes, desde a programação e dinamização cultural, passando pela criação artística, até à edição. Com reconhecimento na área das artes do espectáculo, o JACC apresenta também um trabalho vasto na área da educação não formal de mediação e criação com o projecto de Serviço Educativo. Nas criações próprias, traçou um caminho vincado em dois braços editoriais, através da revista Jazz.pt e da editora JACC Records.
Ao longo dos anos, veio a desenvolver projectos como o Festival Itinerante Portugal Jazz, Xjazz – Ciclo de Jazz das Aldeias do Xisto, Arquivo Sonoro do Centro Histórico de Coimbra, O Jazz é Fixe!, Perder o Chão, Boca de Incêndio e o “Sons da Cidade”, pensado para celebrar a inscrição da Universidade de Coimbra – Alta e Sofia na Lista de Património Mundial da UNESCO.
Segundo José Miguel, a associação destaca-se com “um trabalho de fortalecimento e envolvimento comunitário em dinâmicas construídas na Baixa de Coimbra”. Do leque de actividades, o presidente do JACC destaca dois projectos que “à partida podem ser um pouco distantes daquilo que é o seu core fundacional”. Um deles é o “Fora dos Eixos” que “visa promover as práticas artísticas de proximidade, indo ao encontro de pessoas nas freguesias não urbanas do concelho”, explica. Outro é o “Casa Comum” que procura “aumentar a participação das pessoas através das práticas artísticas” para melhorar e dinamizar a Baixa e o Centro Histórico como um todo.
Viragem de paradigma
A entrada no Salão Brazil foi uma “viragem territorial”. No ano em que o JACC adquiriu o seu trespasse, foram feitos “esforços para juntar meios e recursos necessários para iniciar aquilo que foi e que, hoje em dia, se reconhece”.
Ao longo dos anos, o Salão Brazil tem vindo a afirmar-se no panorama nacional, mostrando ser uma das “salas mais importantes dentro da sua escala” com um papel preponderante na programação musical de Coimbra (e do país). Mas até chegar ao que é hoje “não foi fácil”, afirmou José Miguel, referindo que, para além da aquisição do espaço, “foram necessárias uma série de obras para o dotar das condições necessárias para que este arrancasse”.
Hoje em dia, o Salão Brazil tomou uma grande parte daquilo que é a identidade do Jazz ao Centro Clube. No entanto, e uma vez que mostra ser uma “marca tão forte na vida da cidade”, a direcção preocupa-se em assegurar que quem o visita aprecia cada momento, mostrando que o Jazz ao Centro é o rosto por detrás da dinâmica “da casa”. Segundo disse, há muitas pessoas que, ao subir as escadas, dizem que “já não entravam aqui [no Salão Brazil] há 40 anos e lembro-me disto assim”.
Para José Miguel, “a questão da memória é muito forte na construção de uma marca identitária”, tornando-a muito própria. O trabalho que desenvolve no Salão Brazil procura fazer jus à sua história, conhecido em tempos por ser um restaurante e, posteriormente, uma icónica sala de bilhares. José Miguel afirma, assim, que quer criar e juntar “novas camadas de memória”, em regime de continuidade, tornando-o parte da comunidade da Baixa e do Centro Histórico.
Em 2020, com a Câmara Municipal de Coimbra (CMC) a exercer do seu direito de preferência na aquisição do edifício, a direcção do JACC viu o seu trabalho uma vez mais reconhecido. Por sua vez, a CMC justificou a sua decisão com a actividade sociocultural que ali tinha vindo a ser desenvolvida até então. Neste sentido, o responsável pela associação reconhece que “o edifício não é do JACC, é património municipal”.
Sem tomar nada por garantido, afirma que “hoje estamos ali mas no futuro podemos não estar”, reforçando que “cabe-nos a nós [cidadãos de Coimbra] lutar para que haja cada vez mais um maior aproveitamento sociocultural”, ajudando a transformar algumas zonas da cidade que “efectivamente precisam do contributo que a cultura pode dar”.
Estes 20 anos foram marcados, segundo José Miguel, por algumas decisões que mudaram o ciclo daí em diante. Uma delas foi o optar por não restringir a ideia somente a um clube de jazz. Coimbra mostra ser uma força pulsante no plano musical com o aparecimento frutífero dos mais diversos projectos. Aos olhos de José Miguel, o Salão Brazil teve e tem um papel primordial na sua evolução, com um apoio que lhes confere “visibilidade e legitimidade ao trabalho que desenvolvem”. O segundo ponto refere-se à evolução da “cena jazzística, que é riquíssima em Coimbra”. Salientando que o trabalho do JACC “é apenas uma parte dela”, destaca ainda o Curso Profissional de Jazz do Conservatório de Música de Coimbra como “merecedor de elogios”, bem como do trabalho do QuebraJazz e do Liquidâmbar.
Crises e crenças
José Miguel acredita que o aparecimento e desenvolvimento do Jazz ao Centro ajudou a que outros espaços e entidades surjam, uma vez que demonstra que “é possível fazer coisas em Coimbra”. E se o Salão Brazil conseguiu vingar – em plena crise internacional em 2012 e entrada da Troika em Portugal – e garantir o apoio da CMC oito anos depois da sua génese, isto é o espelho de que “é possível vencer, com esforço e dedicação”. Tudo isto, a seus olhos, legitima as práticas artísticas e o aparecimento de “novos actores que a cidade precisa”, referindo ainda, “o papel importante da recente plataforma Blue House na produção e criação artística”. José Miguel reitera que Coimbra “não pode ser apenas um ponto de passagem de propostas culturais, tem de ser motor de produção e criação das suas próprias propostas”.
Os dois últimos anos foram especialmente difíceis devido à pandemia. Sendo este um subsector da economia que depende maioritariamente de espectáculos ao vivo, pôde resumir o interregno vivido a uma paragem abrupta da ordem de trabalhos. Com “perdas na ordem dos 90%, deixou simplesmente de gerar riqueza”. Neste caso em particular, o Salão Brazil valeu-se da nobre medida da CMC de isentar o valor das rendas a todos os seus arrendatários. José Miguel diz sair deste ciclo convicto de que “a actividade do Salão Brazil vai ter continuidade” e que o Município “mostra a clara vontade de dotar o edifício de melhores condições para o trabalho que fazemos”.
E o futuro?
Perspectivando o futuro, José Miguel diz querer “consolidar alguns dos projectos que tem vindo a desenvolver, alguns com mais de 15 anos, como é o caso da Jazz.pt”, desenvolver e capacitar novas estratégias numa vertente local “com especial enfoque na região de Centro”, o trabalho realizado com o Festival e o desenvolvimento do espólio discográfico da JACC Records. Nos próximos anos serão feitas parcerias de criação, começando com “um projecto conjunto com a Banda Sinfónica da Filarmónica União de Taveirense, a apresentar nos Encontros Internacionais de Jazz”, habitualmente realizado no mês de Outubro.
Adelaide Martins
Foto: João Duarte
»» [Reportagem da edição impressa do “Campeão” de 14/07/2022]