O presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) considerou, esta quarta-feira, que a actual composição do Parlamento é uma “oportunidade única” para reformar o sector e criticou o regime de comissões de serviço de magistrados na política.
Na cerimónia de abertura do ano judicial, no Supremo Tribunal de Justiça, em Lisboa, Henrique Araújo defendeu uma “alteração mais estrutural” do sistema judicial e abriu a porta a uma revisão da Constituição, ao salientar a nova composição da Assembleia da República.
“A actual distribuição de forças políticas no Parlamento constitui uma oportunidade única para reformar o sistema de Justiça. Seria penalizador para a sociedade que, num contexto tão favorável, a doce e sedutora inércia acabasse por vencer”, afirmou o presidente do STJ, assinalando que a abertura do ano judicial deve estabelecer “compromissos para um entendimento alargado” dos vários agentes do sector.
Henrique Araújo traçou como “limite intransponível” em qualquer reforma “a intocabilidade da independência do poder judicial” e avisou a classe política de que a Justiça não resiste “sem uma produção legislativa de qualidade” e se esta se reger por esporádicos casos judiciais. Propôs ainda a “grande utilidade” da criação de um programa de avaliação das leis para aferir o seu impacto.
“Uma produção legislativa que não obedeça a impulsos espoletados por este ou por aquele caso judicial, pela actuação deste ou daquele tribunal ou por critérios de oportunidade política. As leis não se podem fazer com pressa, a rebate dos sinos”, referiu, acrescentando: “Tudo sem recurso aos modernos ‘outsourcings’ legislativos”.
Ainda em relação ao poder político, o presidente do STJ reiterou que o acesso aos Tribunais da Relação e ao Supremo ocorre “muito tardiamente” e alertou para o futuro agravamento das jubilações de magistrados, identificando uma medida prioritária para o futuro próximo: “É preciso intervir já, nomeadamente através da alteração da lei de acesso ao Centro de Estudos Judiciários e do reforço da sua capacidade formativa”.
Invocando a importância da transparência na Justiça, Henrique Araújo salientou a necessidade de uma reflexão sobre o regime de comissões de serviço de magistrados judiciais na política e adiantou mesmo que a opção deve ser exclusiva.
“Quando se escolhe a magistratura como profissão, essa escolha deve ter-se por definitiva. Se a vocação política despontar no percurso de magistrado, a opção por esse novo caminho não deverá permitir o regresso à judicatura”, disse.
Por último, o presidente do STJ enfatizou o escrutínio da Justiça através da comunicação social, rotulando-o como um serviço “relevantíssimo” e “fundamental” à comunidade, mas criticou duramente “as repetidas e descaradas violações do segredo de justiça” e exigiu maior fiscalização.
“Continuam a alimentar, impunemente, as primeiras páginas de alguns jornais; o comentário sistematicamente genérico, de crítica fácil e infundada, ocupa cada vez mais espaço comunicacional; a exposição da vida privada das pessoas a braços com processos judiciais transforma alguns meios de comunicação numa espécie de arena da devassa”, notou, concluindo: “É mais do que tempo de se estancar a violação do segredo de justiça e de se punirem os seus responsáveis”.