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Viver (d)a Arte: os desafios do presente e do futuro

15 de Abril 2022 Jornal Campeão: Viver (d)a Arte: os desafios do presente e do futuro

A ambição começou pelo ensino. A sala de aula era o quarto do irmão e, ele, o seu único aluno. Entre os 9 e os 11 anos, pensou em ser atriz. Foi nessa altura que a mãe decidiu inscrevê-la no Teatrão, em Coimbra, onde começou a ter aulas de expressão dramática. No entanto, acabou por perceber que o caminho não passava pelo teatro e, cerca de um ano depois, surgiu o ballet. Ao inicío, este parecia ser um sonho, porém, acabou por ser, mais tarde, destruído por uma professora que lhe disse que era tarde demais para atingir um nível de performance aceitável.

Num universo de avanços e recuos, Joana Maia batalhou anos a fio para encontrar o seu verdadeiro sonho. Foi já no pico da adolescência que se descobriu na música e que teve a certeza de que teria de ser esse o seu futuro. Chegado o momento de tomar decisões, enveredou pelo curso de Línguas Modernas, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, mas, no final do primeiro ano, deu-se conta de que essa não tinha sido a escolha mais feliz. Em 2015, decide, então, aventurar-se no curso de Estudos Artísticos na mesma faculdade. Uma opção que, para Joana Maia, não tinha sido tomada mais cedo por receio do futuro.

“Pelo facto de achar que Estudos Artísticos se configurava como um curso com muito poucas saídas profissionais, só li o plano de estudos com verdadeira atenção quando me apercebi do quão infeliz estava em Línguas Modernas, e quando a mudança se tornou um imperativo na minha saúde mental”, explica. Terminada a licenciatura, a jovem estudante decidiu prosseguir os estudos em Londres, no Reino Unido. Fez um mestrado em Music Education, na University College London, e, atualmente, está a iniciar o segundo ano de doutoramento na mesma área.

“Hoje posso dizer, com segurança, que ter mudado de curso para Estudos Artísticos foi das melhores decisões que tomei”, admite Joana Maia. A estudante assume ainda que “as Artes ainda não são devidamente valorizadas, em Portugal, e é por isso que vemos tantos jovens dessa área – como é o meu caso – a emigrar”, motivo pelo qual tardou a definir o seu trajeto. “O facto de conhecer o contexto das Artes, em Portugal, e o lugar secundário em que são colocadas fez com que Estudos Artísticos não fosse, numa primeira instância, uma escolha evidente”, revela.

“Cresci a ouvir que ser médico ou advogado me traria mais conforto financeiro”

Também Ana Rita Pereira viu a falta de apoio dado às Artes pesar nas decisões relativas ao seu futuro. Sempre desejou ser atriz. Recorda-se, inclusive, que todas as suas brincadeiras de criança passavam por criar histórias e cenários passíveis de interpretação. Contudo, esses sonhos não passavam disso mesmo. “Não escondo que, no fundo, cresci com a ideia de que as artes performativas tinham o seu custo e que era uma profissão de risco para se viver dela”, afirma. Por esse motivo, Ana Rita Pereira garante que guardou esta ambição na gaveta, mas que espera poder, um dia, tirá-la de lá. “Desde muito nova que tenho bem presente quais são os meus gostos particulares, mas sou da opinião de que, no momento em que temos de tomar decisões, é muito cedo para o fazer, principalmente, quando são sobre o nosso futuro”, frisa.

Quando se viu confrontada com a vontade de ir para a universidade, enveredou pelo curso de Animação Socioeducativa, na Escola Superior de Educação de Coimbra. No entanto, garante ainda estar a encontrar o seu caminho. Um caminho onde a prioridade será sempre a Arte, mesmo que, em Portugal, os apoios sejam poucos. “É comum ouvirmos da boca de uma pessoa que gostava de ser ator/atriz. No entanto, é ainda mais comum ser apenas um desejo e não uma ambição exatamente pela perceção de que não é um caminho fácil”, conta Ana Rita Pereira, acrescentando que “outro exemplo bem ilustrativo da falta de apoio nas Artes é a pandemia que atravessamos. No geral, chegou-se à conclusão de que as Artes ajudaram muito nos períodos mais difíceis, no entanto, os artistas foram dos menos apoiados”. A poucos meses de terminar o seu percurso académico, Ana Rita Pereira confessa ainda que a realidade que se vive no país relativamente a esta área origina uma certa pressão por parte da sociedade. “Cresci a ouvir que ser médico ou advogado me traria mais conforto financeiro”, revela.

O universo das Artes também foi uma constante na vida de Sofia Rodrigues. Adorava cantar pela casa e compor música. Também lhe agradava desenhar e organizar espetáculos de teatro com a irmã. No entanto, o seu verdadeiro objetivo sempre foram as dobragens. “Acredito que foi surgindo quando me comecei a conhecer melhor e a aceitar que não tenho de seguir o caminho dos outros, mas orgulhar-me do que desejo, mesmo sendo diferente do ‘socialmente propagado como certo’”, refere. Licenciou-se em Jornalismo e Comunicação, pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, visto que “o lado do Jornalismo me atraiu pela vontade gigante, e talvez ingénua, de mudar o mundo”. Todavia, nunca deixou de ser apaixonada pelas Artes.

“Ainda conheço demasiadas pessoas que acham ridículo pagar por desenhos, ilustrações e outro tipo de trabalhos”

“Acredito que ainda há muita dificuldade em ter uma verdadeira noção de toda a luta e trabalho que seguir este ramo implica”, sublinha Sofia Rodrigues, manifestando o seu desagrado pela falta de apoio ao setor. “Acredito que esse apoio não existe também pela própria forma de pensar da população em geral. Ainda conheço demasiadas pessoas que acham ridículo pagar por desenhos, ilustrações e outro tipo de trabalhos”.

Esta realidade levou Sofia Rodrigues a baixar as suas expectativas quanto a um futuro no meio artístico. “Pessoalmente, nunca pensei seguir essa área por uma questão de confiança, nervosismo e saúde, mas penso que, se não tivesse estes impedimentos, poderia vir a fazer música, mas teria sempre um plano B”.

Quem não pondera sequer um segundo plano é Inês Pereira. A jovem de 23 anos estudou Design de Comunicação, na Escola Superior de Artes e Design, no Porto. Conta que sempre teve um fascínio por essa área e que, em criança, tinha uma capa de vestidos desenhados por si. “É cativante, porque estamos a mexer com a influência que as marcas têm na vida das pessoas”, explica. Inês não tem dúvidas que esta paixão já nasceu consigo e lamenta que, em território nacional, a Arte ainda seja desvalorizada. “As pessoas não reconhecem o trabalho que nós temos. Para chegar a um resultado são precisas horas e depois não nos é dado o devido valor, principalmente se estamos a começar”, expõe.

Apesar de considerar cada vez mais difícil ser artista, em Portugal, a jovem designer encoraja os jovens a seguirem os seus sonhos. “Acho que deves sempre tentar, nem que tenhas de ir para outro país”. Uma realidade que Inês Pereira considera “o mais provável de acontecer”, em consequência da “falta de oportunidades” e do facto de “existirem outros países que dão mais valor às Artes”.

Como forma de alertar para as dificuldades de um setor cada vez mais precário, todos os anos, no dia 15 de Abril, é assinalado o Dia Mundial da Arte. A criatividade, a inovação e a diversidade cultural nutridas pela arte são postas a nú, visto que, de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), “a Arte desempenha um papel importante na partilha de conhecimento e na promoção da curiosidade e do diálogo”.

Cátia Barbosa (correspondente do “Campeão” no Porto)