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Semanário no Papel - Diário Online

 

Cândido Ferreira

A seara irá renascer

25 de Março 2022

Há muito que não hesito em arriscar opiniões que, com o andar do tempo, se confirmam. Começo assim por recordar que, logo a 28 de Fevereiro, no quarto dia da invasão russa, em antevisão publicada com o título Muito Cuidado com o homo larapiens, deixei registado:

A Rússia, perante o desenho de uma humilhante derrota militar na Ucrânia, e enquanto a China vacila em avançar no Oriente, já ameaça com armas nucleares. Uma decisão psicopática que, a ser tomada, acabará por fazer implodir uma parte substancial do Império Romano do Oriente, em favor dos Impérios Chinês e Otomano, sempre à espreita. Em Portugal, espera-se uma reorientação política assente na morte súbita do PCP e na decadência do Chega, consequências previsíveis de alinhamentos e apoios irracionais.

Podia ter adicionado o BE neste desalinho, mas apenas me cingi às formações políticas nacionais que, em proveito próprio e vergonha dos seus dirigentes, se submetem a quem pretende atingir o espaço europeu a que irremediavelmente pertencemos. Ou, como é o meu caso, a que temos orgulho de pertencer…

Essas minhas bem fundamentadas previsões estavam suportadas na rápida e firme reação europeia e no impasse militar que cedo se verificou, no teatro de guerra. Mas assentavam, sobretudo, nas declarações extremadas do líder russo, um dos grandes “serial-killers” da História da Humanidade. E é ainda assim, em crescente tensão, que, semanas depois do início do conflito, vemos uma China intentada em não arriscar os seus investimentos e avanços, mas somente em retirar benefícios do caos instalado. E vemos o psicopata Putin apostado em esmagar uma Europa, crente de que pode vergar a Ucrânia pelo terror. Mas, é um facto, também ele se encontra tolhido por uma comandita que, não sofrendo de tamanha paranoia, teme pela sua autodestruição caso enverede por armas não convencionais.

O futuro próximo não augura nada risonho, num Portugal em que ainda se respiram ares “quase paradisíacos”. Na verdade, a vida não está fácil para ninguém, incluindo para a generalidade de uma classe política atoleimada e claramente atolada em areias movediças.

Incito-vos, no entanto, a que não percamos a esperança em dias melhores. Quem sabe se, no fim desta guerra, e uma vez instalados novos equilíbrios e desequilíbrios que hoje se constroem e destroem pelo troar das armas, este cantinho à beira do Atlântico até nem sairá beneficiado?

Ao colo da “Senhora Dona Esperança”, que, como se sabe, “é sempre a última a morrer”, relembro-vos um verso de uma emblemática canção da minha juventude, que afirmava: “somos um povo que cerra fileiras e que parte à conquista do pão e da paz”.

No momento presente, em que impera a desorientação, a perplexidade e o horror, e perante um futuro que se adivinha turbulento, acredito que todos os sonhos ainda são possíveis. Passada a tempestade, e tal como nos idos tempos de Abril, em que ocorreram profundas mudanças em Portugal, acredito que, em breve, se possa dar um grande salto, rumo a uma sociedade melhor.

Mas, para que tal aconteça, será necessário, “apenas”, que saibamos recuperar o sentido da honra e da dignidade humana, bem como a autoestima e a independência económica, hoje também enredadas em becos sem saída. Estas deverão constituir as preocupações centrais de qualquer cidadão português sensato e lúcido, na previsível busca de novas lideranças políticas, que não deixarão de se afirmar no actual vazio.

A grande incógnita, de momento, é saber se, neste terramoto político-ideológico a que se assiste, a “geração mais bem preparada de sempre” conseguirá enformar uma alternativa capaz, afinal um dos mitos mais presentes na nossa longa História.

Não quero terminar esta crónica, sem vos anunciar que constato uma boa novidade nestas lusitanas paragens: com o poder político-económico em degradação, e já quase incapaz de controlar a opinião pública, e a classe média em grave crise, é notório que muitos portugueses começam a interessar-se, finalmente, pelo nosso destino colectivo; e, sempre que isso aconteceu no passado, nunca deixaram de despontar novas searas em Portugal, por mais queimada que tivesse ficado a nossa terra.

Tenho a firme convicção de que o Império Romano do Ocidente, em decadência durante todo o século XX, irá sair reforçado em breve. E, de novo, com sede numa Europa que, ao fim de milénios, finalmente se unifica em torno de valores que são o garante do futuro da Humanidade.

Sempre fomos um país muito fértil… na coragem, na audácia e até na poesia! Força, Portugal!

(*) Médico e escritor