Coimbra  1 de Novembro de 2025 | Director: Lino Vinhal

Semanário no Papel - Diário Online

 

Hernâni Caniço

Eu penso, eu acho, eu sei, logo existo

7 de Janeiro 2022

 

A democracia participativa faz-se com o exercício da cidadania personalizada, em que o contributo de cada um traduz uma reflexão, reforça uma ideia, inova uma análise e descoberta, de preferência numa apreciação colectiva, numa ponderação grupal, numa pesquisa própria e na recepção de outros contributos que sustentam uma asserção comum.

Infelizmente, nem sempre assim acontece, com a elevação devida, com a aceitação da democraticidade, com o rigor técnico, científico, político ou mesmo social desejável, o que conduz ao pensamento que não é um facto, ao achismo que se acha, ao sabe tudo e até inventa, numa verdadeira prova de vida, de descarga de emoções e apoplexia, por vezes descarregado em redes sociais ou comunicação social conjectural.

A covid-19 preocupou o mundo e, legitimamente, cada um de nós, pelo desconhecido que veio das profundezas para quem não lida com doenças (ou mesmo para quem lida), pela desgraça que gerou milhões de mortos pelo mundo (cerca de 20.000 em Portugal), pela tristeza na perda de vidas, dor e sofrimento de famílias, pelas consequências na desestruturação dos serviços de saúde que agiram, mitigando ou sonegando a sua importância e das outras doenças que não desapareceram.

A ciência teve o seu plano de intervenção, porque o saber ocupa lugar (e a precaução, prevenção, benefício e risco também), ainda que alguns médicos e outros profissionais de saúde usassem e abusassem da linguagem técnica e de todos os factores em ponderação esmiuçados, como se estivessem a falar num evento científico e não para uma população de literacia variável, confundindo as pessoas mais do que esclarecendo, gerando pânico ou desvalorizando riscos, sem moderação.

Alguma comunicação social (a mais mediática) massacrou (e massacra) os portugueses, discutindo e repetindo frases contextualizadas ou nem por isso até à exaustão horas e dias a fio, ouvindo quem deve (por sapiência e esclarecimento) e quem não deve (por manifesto desconhecimento e ausência de contributo credível), insinuando suspeições e desgraças mais do que lançando dúvidas e aconselhando comportamentos.

Após uma vitória da ciência, através da produção de uma vacina em tempo record (embora a engenharia genética já tivesse estudo e apreciação), a situação especulativa nos mass media atingiu o seu clímax com a vacinação (ou não vacinação) das crianças, instalando-se a dúvida nas pessoas pela miscelânea de cientistas e opinion-makers sem especial creditação científica que abordaram o tema, querendo dizer cada um mais do que o outro (com excepções).

Ao mesmo tempo, alguns pais ouvidos por específica comunicação social sedenta de contraditório motivador de audiências, assumiam a sua decisão de não vacinar os seus filhos (que iniciam outras vacinas dos quais os pais pouco perceberão ou sequer serão informados, antes de sair da maternidade…), assumindo simultaneamente uma atitude de propriedade dos seus filhos e não propriamente de responsabilidade parental.

Embora a pandemia não devesse ser uma questão partidária, mas um problema nacional a combater de forma unida, há políticos insidiosos que se afadigam em comentários e remoques sobre medidas a tomar, defendendo autocraticamente ou atacando malevolamente a condução do processo, como se a campanha eleitoral em crescendo não tivesse motivos interessantes e suficientes para esclarecer e legitimamente angariar eleitores para o seu projecto político, sem tergiversar.

O problema (a pandemia que ainda o é), não se resolve com atitudes de sobranceria sobre o que cada um pensa, acha, sabe ou julga que sabe, querendo ser assertivo e demonstrar vitalidade, que deveria ser conduzida com discrição e tacto tendo melhores resultados para todos.

O problema minimiza-se e resolve-se com decisões de governo ponderado e não simplista nem alarmista, com a contribuição da responsabilidade política e dos políticos responsáveis e não com aproveitamento oportunista através da ideologia, com apoio dos cidadãos informados e não manipulados, com auxílio de pessoas discernidas, prudentes, sensatas e não controladoras.

(*) Médico