Os contratos fora de estabelecimento não se esgotam nos exemplos comezinhos em que as vendas se processam exclusivamente ao domicílio ou porta-a-porta.
Por “contratos fora de estabelecimento” se entende, no denominado Espaço Económico Europeu (Os Estados da União Europeia a que acrescem três outros Estados aderentes), um vasto leque de contratos, para além dos celebrados no domicílio do consumidor, a saber, os:
• Celebrados no estabelecimento comercial do fornecedor ou através de quaisquer meios de comunicação à distância imediatamente após o consumidor ter sido, pessoal e individualmente, adrede contactado em local que não seja o do estabelecimento comercial do fornecedor respectivo (contratos por apelo ou chamamento);
• Celebrados no local de trabalho do consumidor (contratos ocasionais ou como tal expressamente organizados) ;
• Celebrados em reuniões em que a oferta de bens ou de serviços seja promovida por demonstração perante um grupo de pessoas reunidas no domicílio de uma delas, a pedido do fornecedor ou do seu representante ou mandatário (contratos ‘tupperware’);
• Celebrados durante uma deslocação organizada pelo fornecedor de bens ou por seu representante ou mandatário, fora do respectivo estabelecimento comercial (contratos em excursões adrede organizadas);
• Celebrados no local indicado pelo fornecedor de bens, a que o consumidor se desloque, por sua conta e risco, na sequência de uma comunicação comercial feita pelo fornecedor de bens ou pelo seu representante ou mandatário (contratos-isco).
Nestes contratos, os consumidores dispõem, por lei, de 14 dias para dar o dito por não dito. Não são contratos firmes. Estão sujeitos a um período de reflexão ou ponderação dentro do qual os consumidores podem retractar-se, ou seja, “dar o dito por não dito”, desfazendo-os de todo e sendo reembolsados do preço pago.
Importa, porém, consignar neste passo uma nota: se das cláusulas do contrato não constar nem o direito de se “dar o dito por não dito” nem se anexar um formulário para o efeito, esse direito – o de desistência – no prazo de 14 dias, alonga-se por mais 12 meses, o que quer dizer que o consumidor, tem, para além dos 14 dias iniciais, mais 12 meses para pôr termo ao contrato.
A partir de 28 de Maio de 2022, no entanto, passa a haver novas regras em duas situações precisas, de harmonia com um diploma legal que saiu a 10 de Dezembro ainda em curso.
O consumidor tem o direito de desistir do contrato, não no prazo de 14, mas no de 30 dias, desde que celebrado
no domicílio do consumidor;
durante uma deslocação organizada pelo fornecedor, fora do respectivo estabelecimento comercial.
Não há, porém, direito de pôr termo a ao contrato, salvo acordo das partes em contrário, em determinadas hipóteses que se enunciam algumas, como segue:
Fornecimento de bens confeccionados de acordo com especificações do consumidor ou manifestamente personalizados;
Fornecimento de bens que, por natureza, não possam ser reenviados ou sejam susceptíveis de se deteriorar ou de ficar rapidamente fora de prazo;
Fornecimento de bens selados não susceptíveis de devolução, por motivos de protecção da saúde ou de higiene quando abertos após a entrega;
Fornecimento de gravações áudio ou vídeo seladas ou de programas informáticos selados, a que o consumidor tenha retirado o selo de garantia de inviolabilidade após a entrega;
Fornecimento de um jornal, periódico ou revista, com excepção dos contratos de assinatura para o envio de tais publicações;
Fornecimento de alojamento, para fins não residenciais, transporte de bens, serviços de aluguer de automóveis, restauração ou serviços relacionados com actividades de lazer se o contrato previr uma data ou período de execução específico…
Por conseguinte, não são só contratos fora de estabelecimento comercial os celebrados “porta-a-porta” (no domicílio do consumidor). Com a prerrogativa de desistência ou retractação após o necessário período de reflexão ou ponderação (de 14 ou 30 dias, consoante os casos, como se assinalou).
Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO