Continuamos, hoje, com João Asseiro – 1986/1987, que escreveu no verão do ano passado: “Celebra-se no próximo dia 25 de novembro os cem anos da Tomada da Bastilha em Coimbra, um acontecimento importante e marcante na história da Academia de Coimbra. A conquista pelos estudantes do Colégio de São Paulo Ermita e que de seguida se tornou a sede da AAC, envolveu uma bem organizada operação logística, assente em três grupos de estudantes que reportavam a uma Comissão Central, assente num segredo bem guardado, dada a proximidade do local da ação da sede do governo civil e da esquadra de polícia.
A nossa AAC, que este ano comemora os 133 anos de vida, não tinha à data um espaço digno, próprio, á altura e dimensão, para suas necessidades, onde os estudantes se pudessem encontrar, conviver e participar nas atividades culturais e lúdicas da Academia. O espaço reduzido confinado ao RC do edifício, onde estava instalada a sede da AAC, convivia no mesmo edifício, com instalações luxuosas e faustosas, ocupadas por o Instituto de Coimbra mais conhecido pelo Clube dos Lentes. A crescente insatisfação dos estudantes perante tamanha desigualdade com privilégios para uma minoria em detrimento da “mola real” da Academia, era agravada pelas constantes promessas não cumpridas das autoridades académicas, no sentido de dotar a AAC de instalações dignas e capazes de acolher condignamente os estudantes. Estavam criadas as condições para o acontecimento que se seguiu, a tomada das instalações do Clube dos lentes por parte dos estudantes, inicialmente simbolicamente marcada para o dia da independência de Portugal (1 de dezembro), mas estrategicamente antecipada para a noite de 25 de novembro, por receio de movimentação das autoridades que viessem por em causa “tamanha intentona”. O canhão disparou, a cabra e o cabrão tocaram, uma capa preta foi desfraldada na torre da universidade, estava consumada a ocupação das instalações do Clube dos Lentes. A AAC passa a ter um espaço digno dos seus pergaminhos. O sucesso da iniciativa foi festejado de forma muito simbólica com um cortejo de archotes na madrugada do mesmo dia desde a Alta à Baixa da cidade. Este acontecimento representava á época uma “revolução” na Academia de Coimbra, revelava o espírito inconformista e lutador do estudante de Coimbra em face de desigualdades gritantes e não compreensíveis mesmo á época dos acontecimentos. Este espírito de inconformismo e de luta pela igualdade de oportunidades manteve-se ao longo dos 133 anos de vida da AAC, atravessou várias gerações que passaram pela Academia de Coimbra e mantém-se hoje bem vivo.
Foi a mesma atitude de inconformismo e de intolerância com injustiças que esteve na base das crises Académicas de 62 e 69, e que, a partir dos anos 80, motivou, que a AAC com o apoio de todos os estudantes estivesse na vanguarda da defesa das suas causas e liderasse no país a luta…” Entendemos não lhe cortar a palavra porque nos transportava para 42, 49 e 60 anos depois da data que celebramos. Ao fazê-lo como que nos dá mais pistas para reflexão. Por outras palavras, indica-nos alternativas possíveis para chegar a um consenso. O facto de Lisboa, Porto, Coimbra e mundo fora terem o seu dia, não impede que tenhamos um de todos. Para comemorar urbi et orbi, não como bênção do Papa Francisco, mas como elo de unificação universal de todos quantos por aqui aprenderam a sonhar projetos de fraternidade. Não é fácil. É possível. Se a palavra definidora de ciência é “provavelmente” – a de possibilidade é do que pode realizar-se, ainda que não provavelmente, mas pelos menos eventualmente. Que, passando de contingência a possibilidade, só por isso já merece debate.
(*) Ex-Presidente da AAEC