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Mário Frota

Um orçamento? Mas que aflição! Oh que tormento… especulação?

18 de Junho 2021

O consumidor que solicitara um orçamento a um laboratório de informática para recuperação de uns ficheiros do pc, concordou ao transmitirem-lhe verbalmente que o trabalho orçaria os 230 euros.

Ao recolher o pc, a factura que lhe apresentaram é, porém, de 330 euros + IVA + 15 euros (pela elaboração do orçamento).

Reagiu porque os valores não condizem com o inicialmente estabelecido, mas o facto é que o laboratório exige integralmente o montante, que perfaz 420,90 euros, porque se lhe depararam surpresas ao realizarem o trabalho. Quase 200 euros de diferença entre o orçamentado e o valor exigido.

Como é que esta situação é vista à luz da lei?

Em 2010 (pelo DL 92/2010, de 26 de Julho) se definira, em sede de Princípios e Regras para Simplificar o Livre Acesso e Exercício das Actividades de Serviços, que:

O prestador de serviços faculta ao destinatário, a pedido deste:

Sempre que o preço do serviço não esteja pré-determinado ou não seja possível apurá-lo com precisão, indicará o método de cálculo ou, em alternativa, fornecerá um orçamento pormenorizado;

Os elementos a disponibilizar ao destinatário do serviço devem sê-lo de forma clara e inequívoca, antes da celebração do contrato ou, caso não se exija a forma escrita, antes da prestação do serviço, com a antecedência necessária para que o consumidor possa apreender o seu conteúdo, atendendo à natureza do serviço.

O Regime Jurídico de Acesso e Exercício das Actividades de Comércio, de Serviços e de Restauração (que o DL 10/2015, de 16 de Janeiro, disciplina) estabelece, no seu artigo 39, no que tange ao orçamento – e de modo específico – o que segue:

Quando o preço não seja pré-determinado ou quando não seja possível indicá-lo com precisão, o prestador de serviços – em função da concreta prestação de serviços requerida – , deve fornecer, quando solicitado pelo cliente, um orçamento detalhado do qual constem os seguintes elementos:

Nome, morada do estabelecimento, número de telefone e endereço electrónico, caso exista;

Identificação fiscal e número de registo que consta na Conservatória do Registo Comercial do prestador de serviços;

Nome, domicílio e identificação fiscal do consumidor;

Descrição sumária dos serviços a prestar;

Preço dos serviços a prestar, que deve incluir:

Valor da mão-de-obra a utilizar;

Valor dos materiais e equipamentos a utilizar, incorporar ou a substituir;

Datas de início e fim da prestação do serviço;

Forma e condições de pagamento;

Validade do orçamento.

O orçamento deve ser prestado em suporte duradouro (em papel ou em qualquer outro suporte, como tal considerado), dada a complexidade dos elementos exigíveis por lei, como parece curial.

O orçamento pode ser gratuito ou oneroso.

Se oneroso, o preço não pode exceder os custos efectivos da elaboração.

O preço pela elaboração do orçamento descontar-se-á do preço do serviço sempre que tal serviço vier a ser prestado.

O orçamento vincula o prestador de serviços nos seus precisos termos, tanto antes como após a aceitação expressa pelo destinatário.

A violação de quanto a tal propósito se dispõe é passível de coima, ainda com os valores como segue:

Se o agente for pessoa singular – de 250 a 3 000 euros;

Se for pessoa colectiva: de 500 a 25 000 euros.

A partir de 28 de Julho p.º f.º a moldura altera-se (e abrange montantes diferenciados das micro às grandes empresas):

Tratando-se de micro-empresa (por empregar menos de 10 trabalhadores)

a) Contra-ordenação leve:

de 250,00 a 1 500,00 euros;

b) Contra-ordenação grave:

de 1 700,00 a 3 000,00 euros;

c) Contra-ordenação muito grave:

de 3 000,00 a 11 500,00 euros;

A indicação do preço, ainda que regularmente efectuada, tem de obedecer à Lei dos Preços de 26 de Abril de 1990: preço é o preço global em que se incluem todos os impostos, taxas e encargos (DL 138/90, de 26 de Abril: art.º 10.º).

Não pode, pois, apresentar-se um dado preço, que na circunstância nem é o inicialmente oferecido, fazendo-o acrescer do Imposto sobre o Valor Acrescentado.

Nem se pode oferecer um orçamento, ainda que pelo meio impróprio, meramente verbal e, depois, cobrar-se o preço da pretensa elaboração por forma a fazer avolumar o quantitativo exigido à vítima.

O operador económico comete, na circunstância, um crime de especulação (DL 28/84: artigo 35) cuja moldura penal se define por pena de prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias.

Estamos, pois, perante uma mancheia de ilegalidades:

. ilícitos de mera ordenação social por violação da norma que estabelece os requisitos do orçamento (inobservância de forma e dos elementos constitutivos do orçamento e ainda do que se reporta ao preço)

. ilícito de mera ordenação social no que tange à Lei dos Preços

. crime de especulação por virtude se apresentar uma factura de montante superior ao acordado (ainda que por meio impróprio, a saber, verbalmente).

O consumidor deve denunciar o facto à ASAE – Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (e por si só tal bastaria, pois tal Autoridade tem atribuições de polícia económica), mas – pelo sim, pelo não – pode fazê-lo também perante o Ministério Público.

Em suma, recusar o pagamento e denunciar o caso às autoridades competentes.

*apDC – DIREITO DO CONSUMO – Coimbra