O consumidor que solicitara um orçamento a um laboratório de informática para recuperação de uns ficheiros do pc, concordou ao transmitirem-lhe verbalmente que o trabalho orçaria os 230 euros.
Ao recolher o pc, a factura que lhe apresentaram é, porém, de 330 euros + IVA + 15 euros (pela elaboração do orçamento).
Reagiu porque os valores não condizem com o inicialmente estabelecido, mas o facto é que o laboratório exige integralmente o montante, que perfaz 420,90 euros, porque se lhe depararam surpresas ao realizarem o trabalho. Quase 200 euros de diferença entre o orçamentado e o valor exigido.
Como é que esta situação é vista à luz da lei?
Em 2010 (pelo DL 92/2010, de 26 de Julho) se definira, em sede de Princípios e Regras para Simplificar o Livre Acesso e Exercício das Actividades de Serviços, que:
O prestador de serviços faculta ao destinatário, a pedido deste:
Sempre que o preço do serviço não esteja pré-determinado ou não seja possível apurá-lo com precisão, indicará o método de cálculo ou, em alternativa, fornecerá um orçamento pormenorizado;
Os elementos a disponibilizar ao destinatário do serviço devem sê-lo de forma clara e inequívoca, antes da celebração do contrato ou, caso não se exija a forma escrita, antes da prestação do serviço, com a antecedência necessária para que o consumidor possa apreender o seu conteúdo, atendendo à natureza do serviço.
O Regime Jurídico de Acesso e Exercício das Actividades de Comércio, de Serviços e de Restauração (que o DL 10/2015, de 16 de Janeiro, disciplina) estabelece, no seu artigo 39, no que tange ao orçamento – e de modo específico – o que segue:
Quando o preço não seja pré-determinado ou quando não seja possível indicá-lo com precisão, o prestador de serviços – em função da concreta prestação de serviços requerida – , deve fornecer, quando solicitado pelo cliente, um orçamento detalhado do qual constem os seguintes elementos:
Nome, morada do estabelecimento, número de telefone e endereço electrónico, caso exista;
Identificação fiscal e número de registo que consta na Conservatória do Registo Comercial do prestador de serviços;
Nome, domicílio e identificação fiscal do consumidor;
Descrição sumária dos serviços a prestar;
Preço dos serviços a prestar, que deve incluir:
Valor da mão-de-obra a utilizar;
Valor dos materiais e equipamentos a utilizar, incorporar ou a substituir;
Datas de início e fim da prestação do serviço;
Forma e condições de pagamento;
Validade do orçamento.
O orçamento deve ser prestado em suporte duradouro (em papel ou em qualquer outro suporte, como tal considerado), dada a complexidade dos elementos exigíveis por lei, como parece curial.
O orçamento pode ser gratuito ou oneroso.
Se oneroso, o preço não pode exceder os custos efectivos da elaboração.
O preço pela elaboração do orçamento descontar-se-á do preço do serviço sempre que tal serviço vier a ser prestado.
O orçamento vincula o prestador de serviços nos seus precisos termos, tanto antes como após a aceitação expressa pelo destinatário.
A violação de quanto a tal propósito se dispõe é passível de coima, ainda com os valores como segue:
Se o agente for pessoa singular – de 250 a 3 000 euros;
Se for pessoa colectiva: de 500 a 25 000 euros.
A partir de 28 de Julho p.º f.º a moldura altera-se (e abrange montantes diferenciados das micro às grandes empresas):
Tratando-se de micro-empresa (por empregar menos de 10 trabalhadores)
a) Contra-ordenação leve:
de 250,00 a 1 500,00 euros;
b) Contra-ordenação grave:
de 1 700,00 a 3 000,00 euros;
c) Contra-ordenação muito grave:
de 3 000,00 a 11 500,00 euros;
A indicação do preço, ainda que regularmente efectuada, tem de obedecer à Lei dos Preços de 26 de Abril de 1990: preço é o preço global em que se incluem todos os impostos, taxas e encargos (DL 138/90, de 26 de Abril: art.º 10.º).
Não pode, pois, apresentar-se um dado preço, que na circunstância nem é o inicialmente oferecido, fazendo-o acrescer do Imposto sobre o Valor Acrescentado.
Nem se pode oferecer um orçamento, ainda que pelo meio impróprio, meramente verbal e, depois, cobrar-se o preço da pretensa elaboração por forma a fazer avolumar o quantitativo exigido à vítima.
O operador económico comete, na circunstância, um crime de especulação (DL 28/84: artigo 35) cuja moldura penal se define por pena de prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias.
Estamos, pois, perante uma mancheia de ilegalidades:
. ilícitos de mera ordenação social por violação da norma que estabelece os requisitos do orçamento (inobservância de forma e dos elementos constitutivos do orçamento e ainda do que se reporta ao preço)
. ilícito de mera ordenação social no que tange à Lei dos Preços
. crime de especulação por virtude se apresentar uma factura de montante superior ao acordado (ainda que por meio impróprio, a saber, verbalmente).
O consumidor deve denunciar o facto à ASAE – Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (e por si só tal bastaria, pois tal Autoridade tem atribuições de polícia económica), mas – pelo sim, pelo não – pode fazê-lo também perante o Ministério Público.
Em suma, recusar o pagamento e denunciar o caso às autoridades competentes.
*apDC – DIREITO DO CONSUMO – Coimbra