A luta política faz-se pela exposição da ideologia que se defende, pelas causas públicas que motivam os cidadãos, pela consistência de um projecto colectivo, pelo argumentário e razões que se deixam à consideração do eleitor e pela transparência que os agentes políticos demonstram (ou não) através de exemplos vivos e declarações de ausência de conflito de interesses.
Lutámos, antes do 25 de Abril, pela liberdade e democracia, que incluía a criação de partidos políticos, como expoentes da democracia representativa, e que então eram proibidos, fora da União Nacional / Acção Nacional Popular do regime de Salazar e Caetano, sendo a resistência à ditadura assumida por movimentos políticos clandestinos e comissões democráticas com fins eleitorais, ambos perseguidos pela polícia política.
Lutámos, depois do 25 de Abril, pela criação de movimentos de exercício e reforço da cidadania e promoção do Desenvolvimento, como expoentes da democracia participativa, que levou à criação de forças políticas independentes, sendo a mais paradigmática a estrutura estabelecida em torno da Eng. Maria de Lourdes Pintasilgo (uma mulher à frente do seu tempo), única mulher na função de primeiro-ministro em Portugal, candidata à Presidência da República, referência da UNESCO, depois líder do Partido Socialista no Parlamento Europeu.
Democracia representativa e democracia participativa são a génese do regime democrático consolidado, moderno e humanista. As eleições autárquicas em Coimbra mobilizam movimentos e partidos políticos que procuram selecionar os seus candidatos, sejam os mais competentes e experientes, sejam os que têm maior capacidade de manobra e influência interna, na busca de vencer, vencer, vencer, usando as armas (e nalguns casos os barões assinalados…) que estão ao seu dispor, seja para servir os munícipes ou para malbaratar o erário.
O que se cruza com a aparição de personagens à procura de ganhar espaço político de sucesso e carreira sobranceira (infelizmente mobilizam pouco os cidadãos como contributo para resolver problemas locais e reforço de ação cívica), inseridos em movimentos pomposamente “independentes”, de pretensa criatividade intelectual exclusiva e superioridade moral no topo do mundo, e que acabam em cisão fifty- fifty, por ser incomensurável a ânsia pelo poder de alguns que secam as ideias de outros, por não subservientes e sem ganho secundário.
A vinda para Coimbra de um lisboeta de gema, catavento político com o charme discreto da burguesia e o seu séquito de santanetes (adquiridas e pretendentes), não se consumou, pois ao que parece, Coimbra serviria para andar por aí, mas não para residir (embora temporariamente) junto da plebe, deixando de usufruir de salões (suspensos) e de intriga pelo poder e revitalização da carreira, qual atracção fatal.
Restou então, a fusão da candidatura do PSD e do movimento “independente” “Somos Coimbra”. No mesmo dia em que “Somos Coimbra” protesta “como se pode estar a defender a democracia se se está a esmagar a cidadania independente”, contestando um diploma (em reapreciação) aprovado “pelo PSD e pelo PS” (Lusa, 18 Fev., 18h 43m), pelas 22h 27m (pouco mais de 3 horas depois…), proclama-se que “O PSD vai nomear o líder do movimento “Somos Coimbra”, como candidato à presidência da Câmara de Coimbra”.
Que estranha idiossincrasia entre independência e anexação, que clarifica a ambição de conquista de poder pelo poder, e que deixa ficar muito mal o legitimado candidato pela estrutura política concelhia e distrital do PSD, Nuno Freitas, meu adversário político, ex-aluno e colega, respeitado e respeitador, acutilante na crítica ao signatário socialista, mas dialogante na defesa do seu ideário social-democrata e na construção de consensos.
Na área socialista, há quem esteja contente com esta decisão do PSD, por óbvia fragilização da coerência política e da sua candidatura, fraccionada internamente e no movimento “independente” absorvido. E há quem tenha medo que a soma aritmética de votos PSD + “Somos Coimbra”, de forma automática, lhes dê a vitória, mas a política não é aritmética pura. Nunca tivemos medo nem teremos, pois nunca perdemos nem perderemos a dignidade e as convicções.
Não creio que os cidadãos se deixem iludir por uma estratégia de conquista, que se pauta por dizer mal do que é feito, do que não é feito e do que foi feito assim ou assado, agindo verdadeiramente como uma força política de Somos Contra (designação da qual não sou autor, embora apropriada).
Mais propriamente, os resíduos do “Somos Coimbra” (“Fomos Coimbra…”), desmascararam-se aos olhos dos cidadãos, assumindo agora a sua veste original que é, na verdade, “Somos PSD”, o que nada teria de mal, se não tivessem sido uma fraude ideológica sem ideologia, uma cantiga de escárnio e mal dizer, uma experiência para iludir incautos, uma abordagem da política como entretém e autoestima.
Os socialistas seguirão o seu caminho e confiam que os cidadãos de Coimbra lhes deem um voto de confiança, para mais fazer e melhor fazer pela cidade das 31 freguesias requalificadas, pelo equilíbrio social durante e pós-pandemia, pela cultura que outros ignoraram, pelo incremento do ambiente e espaços verdes dignos das pessoas, pelo apoio e criação de incentivos aos estilos de vida saudável sem encenação, pelo crescimento económico e desenvolvimento sustentável sem especulação.
(*) Médico e membro do PS na AM de Coimbra