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Semanário no Papel - Diário Online

 

João Silva

A dita nova maternidade vai ser um aborto

13 de Novembro 2020

Quando há umas décadas surgiu a ideia de pensar “Coimbra Cidade da Saúde”, houve algum entusiasmo e apoio do Governo de então, que mobilizou fundos para, através da CCRC, se avaliar do mérito e das possibilidades práticas dessa ideia.

Adjudicado o trabalho técnico a uma empresa da especialidade, resultou, em 1999, o documento: “Coimbra, cidade da saúde – Relatório síntese”. Era um bom ponto de partida se tivesse continuado a haver vontade política do novo governo entretanto surgido e, sobretudo, um verdadeiro empenho a nível local.

Assim, a ideia morreu. A única entidade que ganhou foi a empresa que desenvolveu o trabalho de consultadoria. Coimbra manteve-se muda e queda à espera…e ficou órfã de um instrumento de planeamento fundamental ao desenvolvimento de uma área que estava, há muito, inscrita no seu ADN.

A partir daqui foi a anarquia e o vale tudo. Surge uma reorganização hospitalar, que deu origem ao Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e que indiciava o que viria a acontecer: a desactivação gradual do Hospital dos Covões.

Simultaneamente surge um conjunto de unidades hospitalares privadas, com objectivos puramente lucrativos, em que contrastam as boas condições a nível de hotelaria, com os hospitais públicos que vivem dias cada vez mais difíceis.

Os profissionais de saúde foram sendo recrutados nos hospitais públicos, em regime de acumulação, garantindo assim uma boa qualidade dos prestadores , sem quaisquer custos de formação e actualização profissional. Para mais, os problemas clínicos mais complexos e onerosos, não rentáveis, continuaram a ser enviados para os hospitais do SNS.

No caso das maternidades foi-se assistindo à sua degradação levando a que tenhamos chegado aos dias de hoje com as duas maternidades existentes na cidade em profunda decadência.

Sem pretensões de vidente, desde há muito que fui escrevendo sobre esta questão, e sobre o problema da localização de uma nova maternidade, que era anunciado ficaria resolvido até finais de 2013.

O que, para mim, estava em causa era pensar uma nova maternidade com adequadas instalações e todas as mais modernas tecnologias. Complementarmente teria de ser uma maternidade que considerasse a cidade e ajudasse a construir uma cidade melhor evitando os dramas que se vivem nos HUC e no Polo da Saúde da Universidade, em termos de acessibilidades e de espaços envolventes.

Neste sentido o entendimento da sua construção no campus do Hospital dos Covões aparecia como a melhor solução, terrenos públicos, espaço agradável e proximidade com um hospital central que lhe poderia dar apoio.

Mas esta ideia não podia ser aceite, como rapidamente percebi, porque a questão de fundo era centralizar tudo no espaço dos HUC dado que os Covões estavam destinados a desaparecer mais tarde ou mais cedo e construir lá uma nova maternidade era dar-lhe um indesejável alento.

Portanto a estratégia seguida, mormente pelos responsáveis locais da saúde, de todas as áreas, temerosos de que lhes fugisse qualquer poder simbólico e real, era a centralização a todo o custo e esse foi o guião base de uma narrativa técnica e de gestão que acabou por aprisionar o Ministério da Saúde.

Assim, num espaço limitado e envolvido por uma complexa rede de cuidados hospitalares, onde inegáveis bons serviços serão prestados mas onde também sobram bactérias multi-resistentes e outros problemas que, à partida, deveriam estar longe de qualquer berço, vão ser feitos partos, mas não vamos ter qualquer nova Maternidade.

O projecto de uma nova Maternidade em Coimbra está intimamente ligado ao futuro do Hospital dos Covões, e o que seria desejável, a bem de Coimbra, da Região e estou certo da Saúde, era termos nos Covões a nova Maternidade Professor Mário Mendes, junto do Hospital António Arnaut e não um aborto que nos irá envergonhar e diminuir no futuro.