Cristina Sá Valentim, doutoranda da Universidade de Coimbra, é a grande vencedora da terceira edição do Prémio Internacional de Investigação Histórica “Agostinho Neto” – 2019-2020, com a obra “Sons do Império, Vozes do cipale. Canções Cokwe, Poder e Trabalho durante o colonialismo tardio na Lunda, Angola”.
Segundo o Centro de Estudos Sociais (CES) da UC, neste trabalho, “a autora procurou expor as complexidades das relações coloniais de dominação e resistência a partir de práticas que tiveram como denominador comum a música africana e o trabalho forçado no nordeste angolano”. O trabalho é, igualmente, a tese de doutoramento orientada por Catarina Isabel Martins (CES/FLUC) e Ricardo Roque (ICS-ULisboa), desenvolvida no âmbito do programa doutoral “Pós-Colonialismos e Cidadania Global”, ministrado no Centro de Estudos Sociais (CES) e na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC).
Quanto à atribuição do Prémio a este projecto, lê-se na acta de divulgação que “a obra eleita se carateriza como um trabalho assaz importante, pluridisciplinar, inovador, que usa fontes diversificadas e cruza as fontes escritas com fontes orais e as fontes musicais e, nesse aspecto, é não só inovador como praticamente único, tratando de um grupo muito significativo na história de Angola, os Cokwe, população marcada pela adesão à novidade, pelo dinamismo e pela capacidade criativa e de mudança”.
O objecto de estudo de Cristina Sá Valentim foram as canções colectadas pela “Missão de Recolha de Folclore Musical” (1950-1960) da ex-Companhia de Diamantes de Angola (Diamang), com particular ênfase nas canções evocativas do cipale (designação local africana para o trabalho forçado ou contratado) gravadas durante a década de 1950 no seio do povo Cokwe. Essas canções, interpretadas por africanos/as, incluindo trabalhadores contratados, foram integradas nos repertórios dos chamados “Grupos Folclóricos Indígenas” organizados pelo Museu do Dundo.
Na forma de discos e bobinas em coleções de “Folclore Musical de Angola”, essas canções africanas foram divulgadas a nível nacional e internacional entre África, Europa e América através de exposições, concertos, conferências, estudos musicológicos, programas na rádio e notícias na imprensa e na televisão.
A autora sugere que “parte dessas canções gravadas, e o processo de folclorização de que foram alvo, serviram tanto propósitos de dominação colonial como responderam a vários interesses das comunidades africanas. Essas canções não só funcionaram como ferramentas complexas de dominação úteis ao projecto colonial português, como também foram instrumentos de expressão cultural autónoma e, até, de crítica ao poder colonial, para os/as africanos/as”.
Na elaboração deste trabalho, Cristina Sá Valentim recorreu a uma metodologia interdisciplinar combinando uma interpretação antropológica orientada por pesquisa etnográfica com fontes arquivísticas escritas, visuais e sonoras, e com testemunhos orais de actores angolanos e portugueses.
O Prémio Internacional de Investigação Histórica “Agostinho Neto” foi constituído, em 2014, pela Fundação António Agostinho Neto (FAAN), em parceria com o Instituto Afro-brasileiro de Ensino Superior (IABES), ao qual se juntou a UNESCO em 2016.
Este galardão dá a Cristina Sá Valentim a publicação do estudo em Angola e no Brasil, a atribuição de um diploma e de um troféu, bem como a quantia de 50 000 dólares.
Promovido de dois em dois anos, o Prémio “Agostinho Neto” destina-se a destacar as obras de investigação ― da autoria de investigadores/as angolanos/as, brasileiros/as ou de outras nacionalidades ― escritas sobre Agostinho Neto, Angola, África, Brasil, a Diáspora e afrodescendentes que contribuam para o melhor conhecimento da história de Angola, do Brasil e de África.
Na edição deste ano do Prémio, o júri foi composto por Isabel de Castro Henriques (professora associada com Agregação da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Aposentada); Vanicléia Silva Santos (professora associada da História de África Pré-colonial na Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Membro do Comité Científico da UNESCO para o IX volume da História Geral de África e Editora do III Volume); Maria da Conceição Neto – (professora auxiliar na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto); Maria Alexandra Miranda Aparício (directora-Geral do Arquivo Nacional de Angola); Roquinaldo Amaral Ferreira (Henry Charles Lea – professor de História na Universidade da Pensilvânia, Filadélfia); Thomas Patrick Wilkinson (investigador integrado do CITCEM de Universidade do Porto); Ivair Augusto Alves dos Santos (professor na Universidade de Brasília); José Vicente (presidente do Instituto Afro-brasileiro de Ensino Superior) e Irene Alexandra da Silva Neto (PCA da FAAN).