Se os doentes com covid-19 pudessem ir para uma lista de espera, não havia problema sanitário nenhum! Iriam, e por lá ficavam o tempo que fosse preciso, acabando muito provavelmente enviados para uma clínica ou um hospital privado, na ausência de resposta hospitalar pública. Porque é assim que o SNS tem trabalhado.
Os profissionais de saúde no SNS (médicos, enfermeiros, farmacêuticos, técnicos, assistentes operacionais) vão diminuindo, os serviços hospitalares e hospitais públicos vão-se fundindo e fechando, com a correspondente redução da capacidade de resposta, e os doentes vão sendo cada vez mais acumulados em listas de espera para tudo e mais alguma coisa (exames auxiliares de diagnóstico e de controlo, tratamentos médicos, cirurgias). Essas listas depois são “geridas” por administrativos (que são quem “resolve” as listas de espera, como se tem ouvido…), distribuindo os doentes progressivamente, ao longo de meses e anos, por clínicas e hospitais privados, onde são atendidos e de seguida despachados de volta aos hospitais públicos. Até à próxima.
Mas os doentes com covid-19 não permitem isso. E já se viu que o SNS sem essas listas de espera não tem capacidade de resposta. Já não a tem em condições habituais de procura – as listas de espera traduzem, na realidade, um fracasso no atendimento atempado dos pacientes -, quanto mais quando ela aumenta de repente. O que pode acontecer sempre, a qualquer momento e por razões variadas, note-se. É previsível que situações dessas ocorram, é o que qualquer médico dirá. Um serviço nacional de saúde terá sempre de as ter em conta, e ter a folga de resposta necessária para lhes poder responder atempada e adequadamente.
Na situação do nosso SNS, de que se continua a reduzir a capacidade de resposta – veja-se o exemplo gritante em Coimbra, em que o Hospital que está a ser referência para a epidemia de covid-19 (Hospital dos Covões) por pouco não foi apanhado por ela já desmantelado, incluindo os Cuidados Intensivos Polivalentes e a Urgência (e mesmo assim os Cuidados Intensivos Coronários, bem como a Pneumologia e a Infecciologia, foram fechados em plena pandemia!) – não adianta o governo e o ministério da saúde mostrarem um empolamento ofendido quando se fala em recorrerem ao privado para ter a resposta adequada aos doentes. É o que se tem feito! Apenas agora se quer saltar um tempo de espera… não podendo os doentes ir para uma lista de espera… até chegarem aos privados…
Mas afinal, pergunte-se: de que SNS se fala?… Falamos todos do mesmo?!…
(*) Médico cirurgião e professor universitário