“Uma chamada de uma operadora de comunicações electrónicas a oferecer-me um pacote de serviços. A telefonista disse que ia gravar a chamada.
Não aceitei nada. O que me revoltou foi o considerarem que o contrato se fez, sendo devido um pagamento mensal. A nada dei concordância.
Fui a uma das lojas da operadora, no Alma, em Coimbra, e quem me atendeu disse-me, com toda a “autoridade”, que se havia gravação do telefonema, havia contrato: isso era prova bastante.
Reagi, mas a minha filha, que me acompanhara, insistia que deixasse de reclamar, aceitasse o contrato e pagasse o devido.
Basta a gravação para que o contrato se considere passado? Mesmo sem o meu SIM?”
A resposta a tão inquietante pergunta é simples:
NÃO!
A LEI DAS COMUNICAÇÕES ELECTRÓNICAS diz no seu art.º 48:
“3 – Quando o contrato … for celebrado por telefone ou através de outro meio de comunicação à distância, o prestador do serviço … deve facultar ao consumidor, antes da celebração do contrato, sob pena de nulidade deste, todas as informações referidas nos n.ºs 1 e 2, ficando o consumidor vinculado apenas depois de assinar proposta contratual ou enviar o seu consentimento escrito ao … prestador de serviços…”
E o que contêm os n.ºs 1 e 2?
Um sem-número de cláusulas que reforçam, aliás, a ideia de que o contrato não é algo simples, de breve, de ligeiro ao alcance de um telefonema…
O contrato, ainda que não negociado presencialmente (mas à distância: pela internet, pelo telefone ou fora de estabelecimento…), obedece a um considerável número de requisitos, a que acrescem os da LEI DOS CONTRATOS À DISTÂNCIA.
E, a despeito de se dizer no n.º 7 do artigo:
“Qualquer suporte duradouro, incluindo gravação telefónica, relacionado com a celebração, alteração ou cessação do contrato de comunicações electrónicas deve ser conservado pelas empresas pelo período previsto [na lei] e disponibilizado ao Regulador ou ao assinante sempre que tal seja requerido por um ou outro”, a gravação por si só não supre as mais exigências de forma do contrato.
O clausulado do contrato (que deve constar de suporte duradouro) tem de ser presente ao consumidor “antes da celebração do contrato”. Sob pena de ser NULO e de NENHUM EFEITO.
Suporte duradouro é “qualquer instrumento, designadamente o papel, a chave Universal Serial Bus (USB), o Compact Disc Read-Only Memory (CD-ROM), o Digital Versatile Disc (DVD), os cartões de memória ou o disco rígido do computador, que permita ao consumidor ou ao fornecedor de bens ou prestador do serviço armazenar informações que lhe sejam pessoalmente dirigidas, e, mais tarde, aceder-lhes pelo tempo adequado à finalidade das informações, e que possibilite a respectiva reprodução inalterada.”
E o consumidor só fica obrigado, , em princípio, após assinar a oferta ou remeter o seu consentimento por escrito, caso a iniciativa do telefonema parta da operadora.
“Em princípio”: é que depois da celebração de um contrato não presencial (v. g., por telefone) o consumidor dispõe de 14 (catorze) dias consecutivos para se retractar, ou seja, para “dar o dito por não dito”. Goza do direito de desistência. A lei confere-lhe a possibilidade de, em 14 dias, ponderar, reflectir, ajuizar da conveniência ou não de celebrar o contrato.
Mas para tanto é necessário que do clausulado conste tal direito.
Se dele não constar, o consumidor passa a dispor, não de 14 dias, mas de 12 meses mais para dar o dito por não dito. Sem quaisquer consequências. E como forma de se penalizar a operadora pela não observância da lei.
apDC- DIREITO DO CONSUMO – Coimbra